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REVISTA DE 2014

Paradoxos – Gatos, ratos e ratoeiras

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Ilídio Tomás Lopes - O ciclo governativo que atravessamos irá ficar na história política portuguesa como o ciclo das "Inconstitucionalidades". Pelo terceiro ano consecutivo, os juízes do Tribunal Constitucional declararam atentatórias dos princípios constitucionais, várias normas do Orçamento do Estado (OE). O que deveria ser exceção tornou-se na regra. Respeitar o cumprimento da lei suprema transformou-se, afinal, num autêntico jogo do "gato e do rato".

Chegados aqui, resta-nos conhecer os contornos e a profundidade do próximo ataque. Como se não existisse amanhã, vamos gerindo em puro registo Kafkiano, a nossa desconfiança quotidiana. Num ciclo político atípico, quais são afinal as motivações que se escondem nos silêncios e nas inações, por parte daqueles que assumiram a responsabilidade de garantir e defender uma democracia verdadeira e sadia? Neste circo mediático, presas e predadores vão arquitetando estratégias e ações para paulatinamente sobreviverem. Entretanto, vamos alimentando a esperança de que estes gatos não tenham sete vidas, escasseando-lhes o tempo para alimentar a irreversibilidade da delapidação democrática a que temos assistido.

O anúncio da inconstitucionalidade de várias normas do OE emergiu numa semana em que ainda se fazem sentir as ondas de choque do último ato eleitoral. Ainda há quem resista na compreensão e interiorização de que o espectro político europeu sofreu uma transformação sem precedentes, de que os verdadeiros vencedores foram a abstenção e quem decidiu votar em branco ou invalidar o voto. A classe política portuguesa parece não ter ainda percebido que, em termos reais, os votos de cada força política, são residuais e voláteis. Há quem ainda não tenha querido perceber que tudo permanece em aberto para o próximo combate eleitoral. Há quem ainda não tenha percebido que a sociedade portuguesa exige verdade nas palavras e nos atos, que o jogo do gato e do rato tem de chegar rapidamente ao fim.

Entendamos as convulsões internas em algumas forças políticas como uma possível tomada de consciência daquela dura realidade. Talvez a reposição dos valores democráticos que foram ficando presos nas ratoeiras do poder exijam convulsão interna e medidas radicais que possam fraturar visões individualistas e redutoras do nosso país enquanto nação soberana e enquanto membro de uma Europa dividida. Discutir com verdade e com consequência é acima de tudo um ato de responsabilidade. Defender aquilo em que se acredita é o mais genuíno sinal de liberdade e de democracia. Atacar os valores constitucionalmente consagrados pode ser afinal o isco para que se invertam os papéis entre presas e predadores. Talvez a abertura da verdadeira época de caça ainda não tenha sido declarada!

Ilídio Tomás Lopes | Correio do Ribatejo | 06-06-2014

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