Comendador Marques de Correia - Onde o nosso Comendador conta uma história que não deve ser verdadeira, mas que contém uma moral elevada.
NÃO ME LEMBRO, MEUS QUERIDOS BISNETOS, se foi o Tribunal Constitucional ou outra instituição qualquer. Apenas recordo que os tempos eram maus e que o dinheiro escasseava. Nada do que se passa agora, como sabem, pois é o que vem nos jornais e o que vem nos jornais está definitivamente certo, assim nos dizem os responsáveis pelo país, pela Europa e, até, pelo mundo que, como sabeis, fica lá para os lados da China.
Sei que os impostos sobre os rendimentos de trabalho, por causa dessa instituição que não recordo, devido à política então chamada de austeridade e também porque uma boa parte do país não queria abdicar de regalias, benesses e direitos que já tinha adquiridos, foram subindo.
Primeiro, para um patamar que sendo insuportável estava ainda dentro daquela teoria económica que mais tarde fez furor e que era popularmente conhecida por "aguenta, aguenta!".
Depois subiram mais!
Ao mesmo tempo, os salários mais altos foram cortados, de modo a que houvesse justiça social, porque não podia ser a classe média sempre a sacrificada. Desse modo — e como o prestigiado jornal "Correio da Manhã" se encarregava de apontar a dedo os milionários, isto é. aqueles que ganhavam mais de 1500 euros mensais —, foi simples arranjar contribuições, taxas, impostos e coimas especiais para essa faixa.
Entretanto, o país continuava a precisar de cortar nos gastos do Estado, sobretudo em pensões e vencimentos. Mas isso tornava-se impossível porque era um ataque iníquo e que se traduzia por uma desigualdade gritante entre os trabalhadores do setor público e os do privado. Era um busílis!
Depois de muito matutar, os responsáveis chegavam sempre à mesma conclusão: a única forma de cortar nesses salários sem que a iniquidade existisse era por via fiscal. Porque essa via afetava também os trabalhadores da privada. E, desse modo, o IRS foi subindo. Para 50%, primeiro; depois para 65%; mais à frente para 75% — deixando ao milionário que ganhava 3000 euros a franca quantia de 450 euros, já descontada a TSU — e, mais à frente, um primeiro-ministro corajoso declarou:
— Deíxemo-nos de mariquices (frase que foi logo condenada pela ILGA e pela Opus Gay)! Vamos, de uma vez por todas, colocar os impostos em 100%. Já sabemos que é lá que vamos chegar, escusamos de disfarçar.
Muita gente aplaudiu. Pelo menos era uma proposta clara. O trabalhador, rico ou pobre, a ganhar muito ou pouco, entregava tudo o que ganhava ao Estado.
E o Estado bem precisava, porque a crise ia aumentando e era preciso fazer cantinas sociais, casas sociais de renda gratuita, férias sociais para os trabalhadores.
Ora, isto levava a que o Estado tivesse de contratar mais gente para trabalhar e o desemprego acabasse.
E assim terminou a crise. O Estado passou a suprir todas as necessidades básicas dos trabalhadores, que progressivamente deixaram de perceber por que razão tinham de ir trabalhar.
Mas o Estado — esperto! — começou só a dar senhas a quem tivesse emprego.
Quem não conseguia arranjar emprego era sabotador e não se sabia bem o que lhe acontecia porque não era assunto que desse na televisão ou na internet. Havia quem dissesse que eram mortos, mas esses eram os reacionários habituais.
E pronto, tudo acabou bem.
As crianças cantavam: "Ó Estado, ó que lindo Estado/ Ó Estado de Portugal/ Damos-te a massa toda/ E já nem dizemos mal". Enfim, somos finalmente felizes.
Comendador Marques de Correia | Expresso Revista | 17-05-2014
Comentários (2)
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Mas no dia em que chegar aos 100% também quero que o Estado me dê uma casa (com despesas pagas) automóvel, cantina para tomar refeições, educação, saúde e o demais necessário para viver, tudo gratuito, obviamente, porque não terei dinheiro para pagar seja o que for.