In Verbis


icon-doc
REVISTA DE 2014

Gato por lebre

  • PDF

Luís Sousa - Hoje em dia, as políticas da Justiça, tal como em qualquer outra área sectorial, estão cada vez mais sujeitas a dois tipos de escrutínio: um escrutínio interno dos partidos da oposição, dos vários stakeholders (ordens, sindicatos, associações), da comunicação social, da sociedade civil e dos cidadãos em geral; e um escrutínio externo, através de processos de avaliação por pares, instâncias e credores internacionais.

Os governos e as autoridades públicas estão cada vez mais pressionados a encontrar maneiras de avaliar os resultados conseguidos através de indicadores de desempenho mensuráveis e comparáveis no espaço e no tempo.

A monitorização e avaliação de resultados ganha relevância à medida que as políticas se vão complexificando e que os níveis de literacia dos cidadãos aumentam, exigindo um saber técnico e uma fundamentação especializada mais cuidada das opções tomadas. Se a capacidade de admitir publicamente o insucesso das políticas continua a exigir uma verticalidade por parte dos decisores que ainda escasseia, já as explicações simplistas sobre os alegados sucessos tornaram-se insuficientes. Nem o povo é estúpido, nem os avaliadores externos andam a dormir.

Nos últimos dias, a comunicação social tem mostrado o que de melhor e pior pode fazer em matéria de acompanhamento das políticas públicas. Como denunciara uma vez Mark Twain, "se um indivíduo não lê o jornal, fica ignorante; se o lê, fica mal informado". Em democracia, a escolha entre ignorância e desinformação pende para a segunda sempre que for possível a pluralidade de posições e que o cidadão entenda que aquilo que se lê, vê ou ouve é apenas uma de várias representações possíveis da realidade. A fiabilidade da informação publicitada sobre factos de corrupção dependerá em muito do pluralismo de emissores e da capacidade cognitiva dos receptores.

O problema é que em matérias de Justiça, e sobretudo no que concerne o combate à corrupção, nem o entendimento das pessoas é consistente, nem o pluralismo de informação se faz sempre sentir: vezes sem conta, os jornais replicam as baboseiras que as autoridades lhes impingem. O "balanço" recentemente publicado pelo Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) sobre a evolução do volume de processos de corrupção e criminalidade conexa de 2008 a 2013 é disso exemplo.

O dito relatório foi objecto de ampla difusão mediática. Porém, poucos foram os jornalistas que se deram ao trabalho de verificar se "a bota batia com a perdigota", como se diz na gíria. Não só o documento não explicita as fontes de informação utilizadas, como apresenta um conjunto de "conclusões", que para além de serem contra-intuitivas, não têm qualquer base de sustento empírico. Bastaria uma leitura cruzada com os dados oficiais que constam do Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça (SIEJ), para perceber que a informação prestada não é fidedigna e a sua leitura acaba por ser enganosa.

Mas para o presidente do CPC, cumulativamente presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d'Oliveira Martins, essas "limitações dos dados" são um mal menor, porque as conclusões extraídas acabam por ter bastante utilidade.

E que utilidade é esta? Justificar a existência de um organismo inócuo, ora pois! Sempre que o CPC não tem mais nada para dizer (ou quando não sabe o que dizer), manda cá para fora uns "dados" e, mesmo que estes não tenham rigor, deixarão seguramente os jornalistas mais incautos a comentálos durante alguns dias. O que é que isto acrescenta à eficácia da prevenção e combate à corrupção? Nada. Que lições daqui se tiram para reforçar esse combate? Nenhuma.

No fundo, não se trata de avaliar e melhorar políticas públicas. Trata-se apenas de "mostrar serviço". Não é por isso de estranhar que o mesmo relatório apresente também um "balanço" da "evolução do número de notícias publicadas pela comunicação social relativamente ao CPC". É no fundo isso que lhes interessa. Só é tolo quem quer...

Luís Sousa, Politólogo, Universidade de Aveiro | Público | 20-04-2014

Comentários (3)


Exibir/Esconder comentários
...
O Oliveira Martins não é aquele senhor que foi ministro das finanças do camarada gueterres, que entre rendimentos mínimos e quejandos ajudou e muito a levar o País à falência?
Sun Tzu , 20 Abril 2014 - 16:41:18 hr.
...
combate à corrupção?
então não se sabe que os legisladores - deputados - inviabilizam a punição do enriquecimento ilícito, argumentando com a violação do princípio da presunção de inocência - esquecendo-se da valorização processual da prova de primeira aparência?
e não foram os partidos do "arco do poder" - psd, cds e ps que inviabilizaram há dias a exclusividade para ser deputado, que, como se sabe, muitos, de manhã fazem as leis de acordo com os negócios que á tarde vão cozinhar na vida privada ou ao serviço das empresas que beneficiam para ao voltar à vidinha privada irem ocupar os seus quadros ?
foi para isto que se fez o 25 de abril?
Que miséria neste meu Portugal.....
miro , 20 Abril 2014 - 20:00:20 hr.
...
fartar vilanagem
velhinha , 21 Abril 2014 - 15:41:12 hr. | url

Escreva o seu comentário

reduzir | aumentar

busy

Últimos conteúdos

O Supremo Tribunal Administrativo fixou jurisprudência a rejeitar providências cautelares contra o novo mapa judiciário,...

O que é uma embaixada? Foi em torno da precisão deste conceito que se decidiu uma das batalhas judiciais em disputa entr...

Um erro das Finanças. Mais de três dezenas de pareceres, relatórios de quatro comissões. Mas só o parlamento açoriano fe...

O banco norte-americano vendeu mais de 4 milhões de ações do BES no passado dia 23 de julho, ou seja poucos dias antes d...

Últimos comentários

Opinião Artigos de Opinião Gato por lebre

© InVerbis | Revista Digital | 2014.

Sítios do Portal Verbo Jurídico