Luís Sousa - Hoje em dia, as políticas da Justiça, tal como em qualquer outra área sectorial, estão cada vez mais sujeitas a dois tipos de escrutínio: um escrutínio interno dos partidos da oposição, dos vários stakeholders (ordens, sindicatos, associações), da comunicação social, da sociedade civil e dos cidadãos em geral; e um escrutínio externo, através de processos de avaliação por pares, instâncias e credores internacionais.
Os governos e as autoridades públicas estão cada vez mais pressionados a encontrar maneiras de avaliar os resultados conseguidos através de indicadores de desempenho mensuráveis e comparáveis no espaço e no tempo.
A monitorização e avaliação de resultados ganha relevância à medida que as políticas se vão complexificando e que os níveis de literacia dos cidadãos aumentam, exigindo um saber técnico e uma fundamentação especializada mais cuidada das opções tomadas. Se a capacidade de admitir publicamente o insucesso das políticas continua a exigir uma verticalidade por parte dos decisores que ainda escasseia, já as explicações simplistas sobre os alegados sucessos tornaram-se insuficientes. Nem o povo é estúpido, nem os avaliadores externos andam a dormir.
Nos últimos dias, a comunicação social tem mostrado o que de melhor e pior pode fazer em matéria de acompanhamento das políticas públicas. Como denunciara uma vez Mark Twain, "se um indivíduo não lê o jornal, fica ignorante; se o lê, fica mal informado". Em democracia, a escolha entre ignorância e desinformação pende para a segunda sempre que for possível a pluralidade de posições e que o cidadão entenda que aquilo que se lê, vê ou ouve é apenas uma de várias representações possíveis da realidade. A fiabilidade da informação publicitada sobre factos de corrupção dependerá em muito do pluralismo de emissores e da capacidade cognitiva dos receptores.
O problema é que em matérias de Justiça, e sobretudo no que concerne o combate à corrupção, nem o entendimento das pessoas é consistente, nem o pluralismo de informação se faz sempre sentir: vezes sem conta, os jornais replicam as baboseiras que as autoridades lhes impingem. O "balanço" recentemente publicado pelo Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) sobre a evolução do volume de processos de corrupção e criminalidade conexa de 2008 a 2013 é disso exemplo.
O dito relatório foi objecto de ampla difusão mediática. Porém, poucos foram os jornalistas que se deram ao trabalho de verificar se "a bota batia com a perdigota", como se diz na gíria. Não só o documento não explicita as fontes de informação utilizadas, como apresenta um conjunto de "conclusões", que para além de serem contra-intuitivas, não têm qualquer base de sustento empírico. Bastaria uma leitura cruzada com os dados oficiais que constam do Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça (SIEJ), para perceber que a informação prestada não é fidedigna e a sua leitura acaba por ser enganosa.
Mas para o presidente do CPC, cumulativamente presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d'Oliveira Martins, essas "limitações dos dados" são um mal menor, porque as conclusões extraídas acabam por ter bastante utilidade.
E que utilidade é esta? Justificar a existência de um organismo inócuo, ora pois! Sempre que o CPC não tem mais nada para dizer (ou quando não sabe o que dizer), manda cá para fora uns "dados" e, mesmo que estes não tenham rigor, deixarão seguramente os jornalistas mais incautos a comentálos durante alguns dias. O que é que isto acrescenta à eficácia da prevenção e combate à corrupção? Nada. Que lições daqui se tiram para reforçar esse combate? Nenhuma.
No fundo, não se trata de avaliar e melhorar políticas públicas. Trata-se apenas de "mostrar serviço". Não é por isso de estranhar que o mesmo relatório apresente também um "balanço" da "evolução do número de notícias publicadas pela comunicação social relativamente ao CPC". É no fundo isso que lhes interessa. Só é tolo quem quer...
Luís Sousa, Politólogo, Universidade de Aveiro | Público | 20-04-2014
Comentários (3)
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então não se sabe que os legisladores - deputados - inviabilizam a punição do enriquecimento ilícito, argumentando com a violação do princípio da presunção de inocência - esquecendo-se da valorização processual da prova de primeira aparência?
e não foram os partidos do "arco do poder" - psd, cds e ps que inviabilizaram há dias a exclusividade para ser deputado, que, como se sabe, muitos, de manhã fazem as leis de acordo com os negócios que á tarde vão cozinhar na vida privada ou ao serviço das empresas que beneficiam para ao voltar à vidinha privada irem ocupar os seus quadros ?
foi para isto que se fez o 25 de abril?
Que miséria neste meu Portugal.....