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REVISTA DE 2014

O ilustre causídico

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Rui Pereira - Seja por necessidade de recorrer a serviços especializados, seja por mera curiosidade, perguntam-me, de vez em quando, quais são os melhores advogados portugueses na área criminal. Sem um esforço especial, avanço o nome de cinco ou seis profissionais cujos conhecimentos jurídicos, qualidades de inteligência e combatividade garantem a melhor defesa do arguido ou, do outro lado da barricada, uma competente representação dos interesses da vítima. Porém, concluo agora que tenho sido injusto: afinal, o melhor advogado de defesa é a famosa prescrição.

Entre os seus triunfos mais recentes, a prescrição exibe o 'apagamento' de duas coimas, no montante global de l 650 000 euros, em que foram condenados ex-administradores do BCP.

Mas, pelos vistos, a procissão ainda vai no adro. Espera-se que a prescrição trate com idêntica competência o caso BPN, em que outros clientes necessitados reclamam já os seus préstimos. E para que não se pense que só aceita as causas prósperas, chega-nos a notícia de que resolveu com proficiência 19 casos relativos a violência doméstica e crimes que envolvem crianças.

A prescrição apresenta uma carreira longeva em prol da paz jurídica. Vem do Direito Romano e nenhuma Ordem Jurídica logra dispensá-la. Só não pode intervir em processos relativos a crimes de guerra e contra a humanidade, da competência do Tribunal Penal Internacional. Mas a sua atitude revela modéstia. Não reclama algum mérito especial. Prefere endossar os louros ao legislador ou a colegas que usam expedientes dilatórios. A sua clientela, mal-agradecida, proclama em público que dispensaria de bom grado os seus serviços, mas venera-a em surdina.

Porém, modéstia à parte, a prescrição merece um salário. Sendo a sua intervenção obrigatória atéporque, sem ela, alguns processos talvez se eternizassem -, quem a contrata deve pagar o preço justo, nos planos da responsabilidade disciplinar, civil (se agiu com dolo ou negligência grosseira) e até mesmo penal (se, por exemplo, preencheu o tipo incriminador da prevaricação ou denegação de justiça). De todo o modo, o fiador do 'negócio' será forçosamente o Estado, que está obrigado a prestar contas dos falhanços do poder judicial perante aos cidadãos.

Rui Pereira Professor universitário | Correio da Manhã | 10-04-2014

Comentários (5)


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nenhuma??
"e nenhuma Ordem Jurídica logra dispensá-la" países da Common Law...
Erga , 10 Abril 2014 - 15:27:15 hr.
...
Não seja modesto. Também tem a sua quota de responsabilidade na atividade dessa causídica.
meu , 10 Abril 2014 - 15:45:41 hr.
Que bem prega
Bem prega S. Tomás. Mas não faças como ele fiz; faz antes como ele faz...
Francisco do Torrão , 11 Abril 2014 - 00:55:49 hr.
...

Tudo tem limites, inclusive a prescrição.
1.
Reproduzo aqui ideias que há já alguns anos escrevi aqui pela primeira vez.
2.
É habitual justificar a prescrição apelando a dois tipos de razões:
Por um lado, o decurso do tempo torna desnecessária a imposição de uma pena.
Por outro, há que responsabilizar o Estado pela sua inacção na aplicação do direito penal.
3.
Mas, tendo havido uma condenação em 1.ª instância, poderá continua a dizer-se que se tornou «desnecessária a imposição de uma pena»?
Fez-se o julgamento e decidiu-se aplicar uma pena para quê?
Que brincadeira é esta?
4.
Tendo havido uma condenação em 1.ª instância poderá continuar a dizer-se que cumpre «responsabilizar o Estado pela sua inacção na aplicação do direito penal».
Então fez-se o julgamento, aplicou-se uma pena e só porque o arguido recorre e provoca o recurso para não ser preso e cumprir a pena, diz-se que o Estado é responsável pela sua inacção na aplicação do direito penal!
Será que andamos a brincar?
5.
Por que razão o legislador não defende o Povo através duma lei que diga que a partir do momento em que o processo entra na fase do julgamento deixa de existir prescrição ou, então, que o prazo da prescrição se interrompe e fica suspenso, só voltando a corre novo prazo se, porventura, o julgamento for anulado?
6.
Ao mesmo tempo procurar-se-iam mecanismos adequados a evitar prejuízos para os arguidos decorrentes da morosidade.
7.
Por que razão não se altera o sistema?
Certamente porque a nosso zelo pelo bem comum é de baixo grau; depois, é sempre difícil mudar uma coisa de lugar, nem que seja uma planta ou uma lâmpada e, por fim, há sempre uns quantos com poder que beneficiam com este estado de coisas.
Alberto Ruço , 11 Abril 2014 - 13:08:18 hr.
Caos necessário
Não foi este senhor que andou a fazer umas alterações no C.P.P. e C.P. à última da hora? Podia ter dito que no penal os recursos suspendiam os prazos de prescrição...
Rocas , 15 Abril 2014 - 00:40:48 hr.

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