António Bernardo Colaço - Já alguém referiu que quando a Justiça falha segue-se a revolução. A afirmação pode reportar-se a qualquer regime ou sistema político. Assume, porém, foros de gravidade tratando-se de um Estado de direito democrático.
Os episódios mais recentes veiculados pela comunicação social neste âmbito não são tranquilizadores. Todavia, é também importante ressalvar que ainda estamos longe, bem longe, daquilo que se poderia referir como de uma falência da justiça para significar que os parâmetros em que deve assentar não satisfazem o desiderato expectante.
É certo que os detalhes de toda a factualidade não são conhecidos. Conhece-se o sucedido topicamente, o que deve ser só por si suficiente para se produzir receios ou ajuizar do rumo que as coisas podem tomar para inocular a confiança que a justiça merece.
Os casos que se têm sucedido no tempo, e não desmentidos, são suficientemente demonstrativos de que se o problema não é de pessoas, é então seguramente do sistema. Mas se assim é, então as soluções para alterar o sistema são, ao fim e ao cabo, também de pessoas, pessoas responsáveis pela dinâmica e pela produtividade que o sistema tem de realizar e não dá mostras de o fazer.
O caso mais recente é de uma procuradora de República que terá sido afastada da Unidade Especial de Combate ao Crime Violento por uma questão que não aparenta ter algo que ver com a capacidade ou a competência para chefiar uma tal unidade. Ponto é que a repercussão do sucedido, da diversidade de motivações apresentadas para o feito e dos presuntivos melindres que a situação comporta, não é seguramente salutar no relacionamento entre organismos selectivos como o Ministério Público e as polícias.
O resultado do notório julgamento de "submarinos" em que a acção penal envolvendo o libelo acusatório de dez arguidos resultou numa absolvição de todos eles dá que pensar. Na verdade, ou se trata de uma acusação mal dada, ou ocorre erro de julgamento. Independentemente da verdade que venha a ser apurada, não se pode escamotear a gravidade da situação, precisamente por dizer respeito à credibilidade de instituições com projecção pelo menos ao nível da justiça europeia.
O escândalo social que representou a "prescrição" das contra-ordenações no valor de um milhão de euros da dívida de Jardim Gonçalves é outro caso que o vulgar cidadão não deixará de ponderar. Fica-se a aguardar o resultado do inquérito que foi mandado instaurar pelo Conselho Superior de Justiça.
Neste quadro, não deixa de merecer menção a indisponibilidade revelada pela senhora procuradora-geral de República para suscitar o pedido de fiscalização sucessiva de inconstitucionalidade do Orçamento do Estado 2013 acompanhando assim as outras três entidades, entre elas o senhor Presidente da República, que haviam procedido neste sentido.
Como é óbvio, não se tratava de mais uma intervenção que se solicitava, mas do envolvimento de um órgão institucional na defesa da constituição. É uma omissão que fica registada.
Este reduzido quadro e meramente exemplificativo de casos de justiça suscita indagações no sentido que um mais e melhor envolvimento se impõe, sobretudo institucional e das inerentes personalidades para que a justiça seja digna do povo que nela continua a acreditar.
António Bernardo Colaço, Juiz-conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (jubilado) | Diário de Notícias | 07-04-2014
Comentários (4)
Exibir/Esconder comentários
...
A continuar assim temo que chegaremos lá muito depressa....
Infelizmente, o que vejo é cada vez mais desonestidade intelectual e depois culpa-se a lei e o legislador.
Estado de Direito?
Como pretende um soberano fazer justiça não tendo tribunais judiciais soberanos para exercê-la? O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA é uma ficção. Chama-se supremo, mas tem um tribunal superior! Diz-se de justiça, mas esta está capturada pelo poder político. É uma impossibilidade!
Como consegue um povo ter direitos, quando a soberania os não protege e garante? Pelo contrário, os seus órgãos sacrificam de forma arbitrária os direitos de uns a favor de interesses e delitos de outros. A soberania alega e proclama que os direitos estão em conflito e confronto uns com os outros. Rouba a uns para benefício de outros. Proclama-se o direito de roubar!
De que serve a uma sociedade criar direitos para lhes atribuir as características do arbítrio? Nos conflitos e confrontos, os direitos dos mais fracos serão sempre destruídos.
Como quer um povo uma democracia assente num estado de direito, se não tem juristas capazes de lidar com o direito sem arbitrar (entortar)? Descaracterizam o direito, introduzindo a conflitualidade no seu seio. Depois, relativizam e arbitram. Necessitam ser reciclados.
E o «funcionamento» da justiça! Santo Deus!
Tanto cidadão jurista dando palpites e nada de novo! Sobressai um Bastonário Bocas Bronco cuspindo asneira para o ventilador. Pergunta o aldeão de novo:
Por que é que um dirigente político das oligarquias reinantes, mesmo fraco condutor, conduz o seu carro e consegue chegar a tempo ao seu destino porque o sistema de transporte individual é eficaz, enquanto um juiz competente não consegue concluir um processo onde é arguido um tal dirigente político porque o sistema de justiça não é eficaz? A explicação é simples:
Um sistema activo só funciona se comandar o subsistema regulador da acção. O comando do sistema regulador jamais será exterior ao sistema activo nem a regulação da acção poderá superar e anular a acção final. Um líder político escolheria um rival para seu motorista, com o poder de controlo do veículo. Sujeitava-se a chegar atrasado porque o sistema regulador estaria sujeito a outra vontade. O sistema de transporte individual falharia. Tornar-se-ia ineficaz. Nos sistemas de fiscalização concreta concentrada substitua-se o recurso para o Tribunal Constitucional pelo levantamento de incidente pelos Tribunais Judiciais. Haverá julgamentos e sentenças para todos. O Sistema judicial passará a eficaz. Fácil e barato, como em Espanha.
O «funcionamento» da justiça e dos motores dependem da aferição do direito para a obtenção do justo. Então por que é que eles funcionam e ela não? A explicação também é simples:
O mecânico endireita (rectifica) o torto (empenado) e só depois ajusta. Não dá lugar a folgas. O jurista arbitra (entorta) o direito que, ao ajustar, fica apertado para uns e folgado para outros. Se os mecânicos empenarem (entortarem) as peças direitas, estas ficarão apertadas nalguns pontos, mas com folgas noutros. Deixa de haver compressão e os motores não funcionarão. Se os juristas considerarem o direito direito, os juízes poderão ajustar e a justiça poderá funcionar. A soberania não pode transferir para os direitos a conflitualidade de deveres. Só Deus escreve direito por linhas tortas! Mas, cuidado! Com o modelo português haveria recurso para o Diabo que poderia anular. O Juízo Final passaria a Juízo Perpétuo.