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REVISTA DE 2014

Ave, Teodora!

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Os que vão ser esmifrados te saúdam! E mais te agradecem por os teres ajudado a ver o túnel ao fim da luz, a compreender a sua imensa irrelevância perante o infinitamente misericordioso e omnipotente Estado! Atiraste-nos à cara com o ovo de Colombo: obrigatoriamente, os ordenados dos cidadãos portugueses serão depositados nos bancos em contas-poupança e, por cada levantamento que fizerem, terão de pagar um imposto ao Estado.

Claro que já todos sabíamos que aquilo que recebemos em troca do nosso trabalho pertence ao Estado. E à banca, naturalmente. Mas só tu, ó Teodora, foste capaz de sugerir publicamente que o Estado continue a deixar-nos utilizar esse dinheiro que Lhe pertence. E só a troco de uma pequena remuneração, taxa ou imposto, suavemente cobrada de cada vez que tivermos um impulso despesista. Custa a acreditar em tanta generosidade. São verdadeiros arrepios de prazer que sentimos ao imaginar este futuro radioso que nos auguras.

E estamos todos certos que esta tua ideia, que, modestamente, classificaste como interessante e que, com inteira justiça, consideramos como genial, vai ser lembrada pelos vindouros como o começo de uma era de felicidade e de paz entre os povos.

Ave, ó Teodora, porque nos fizeste ver, a nós que andávamos absurdamente preocupados com o crescimento descontrolado do Estado e a sua sistemática invasão da nossa privacidade, que, afinal, nós é que nos estávamos a pôr em bicos dos pés, nós é que estávamos a ser arrogantes, cegos e mesmo, porque não dizê-lo, estúpidos.

Nós que, por exemplo, ao lermos as notícias sobre a actuação da NSA e os programas de vigilância electrónica utilizados pelos EUA para espiarem a população norte-americana e de todo o mundo, pensámos que o Estado, na sua luta contra o terrorismo, estava francamente a exagerar, temos de reconhecer humildemente, agora e graças a ti, que quem estava a exagerar éramos nós.

Nós, que seríamos capazes de censurar com veemência os tribunais egípcios por condenarem à morte 529 muçulmanos por terem participado em manifestações das quais resultou um polícia morto, compreendemos, agora e graças a ti, que estaríamos a errar e que, por cada polícia, por cada representante de um Estado que morre, o extermínio de mil cidadãos não é suficiente.

Porque a Verdade, e só tu, ó Teodora, a revelaste, é esta: no princípio, era o Estado. E só depois, não ao sétimo dia mas ao fim do mês, o Estado segregou os cidadãos, um a um, para O servirem e para O glorificarem até ao fim dos tempos.

Nós, que não somos mais do que míseros grãos de areia perante a imensidade do Estado, tivemos, até segunda-feira passada, a estultícia de considerarmos que as nossas vidas eram nossas e que o nosso dinheiro era nosso. Não são e não é. Como é meridianamente claro, tudo vem do Estado e tudo vai para o Estado!

Nós – só agora o entendemos – mais não somos do que precários utilizadores dos bens do Estado. E isso conforta-nos, sendo mesmo um verdadeiro agasalho para os espíritos perturbados e iludidos que fomos até terça-feira passada. A nossa gratidão ao Estado por, segundo as tuas sábias palavras, só nos vir a cobrar uma parcela dessa imensa riqueza que nos cede mensalmente – mais a uns do que a outros, é certo –, é incomensurável, sem dúvida.

Mas uma dúvida nos atravessa a mente e a tua ajuda pedimos, ó Teodora.

Como fazer com aqueles a quem o Estado cedeu o dinheiro e se viram obrigados a colocá-lo em offshores? Como proceder com aqueles que guardam o dinheiro do Estado nos seus colchões e enxergas? Como proceder com aqueles que a sua vida é "chapa ganha, chapa gasta"? Ou, ainda, como assegurar que os arrumadores de carros ou os meros pedintes controlam as suas despesas quando utilizam o dinheiro – muito ou pouco, tanto faz – que ao Estado pertence? E será que os 25% dos cidadãos portugueses que, segundo as estatísticas, estão em risco de pobreza serão sensíveis à necessidade de combater o despesismo?

Estas dúvidas, que rapidamente se podem tornar em angústias e mesmo em crises de fé, exigem respostas urgentes. Tenho, contudo, a certeza que, se não tu, ó Teodora, qualquer outro dos sacerdotes que decerto te acompanham, sejam eles ex-ministros das Finanças, jornalistas económicos ou governantes encartados, no dará as respostas certas e exactas que nos farão descansar de novo. Porque, agora que já vimos o túnel, não mais queremos ser abandonados num mundo de incertezas e de interrogações. Na verdade, desde terça-feira passada, tudo se tornou tão claro e luminoso que se nos torna insuportável a sombra sequer da dúvida.

Porque, agora sim, percebemos que, quando o Estado gasta em submarinos ou em estádios de futebol, mais não está do que a gastar o que é Seu. Mais não está do que a fazer o que Lhe cabe. E a nós, o que nos cabe é pagar, devolver-Lhe o que Lhe pertence, para que possa viver em paz e sem défices.

Obrigado, ó Teodora!

Francisco Teixeira da Mota, Advogado | Público | 28-03-2014

Comentários (11)


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...
Só pode ter sido um tentativa de momento RAP (Ricardo Araújo Pereira).... Quando ouvi as declarações em causa nem sabia se rir gritar de terror.
!!! , 29 Março 2014 - 22:16:11 hr.
...
O melhor artigo de jornal que li nos últimos anos.
juiz pouco social , 29 Março 2014 - 23:21:22 hr.
...
A mim apeteceu-me gritar de terror.
A mulher estava cá uma cara !
Parecia um zombie.
Ai Ai , 30 Março 2014 - 02:00:28 hr.
Ooops!
Ah! E até a mim surgiu agora uma ideia ainda melhor!
Depois do imposto para se levantar o dinheiro, inventava-se outro para se gastar o mesmo! Podia-se chamar IVA por exemplo!
E para evitar que os que não quisessem gastar nada e ficassem com o dinheiro depositado inventava-se ainda outro! Sugiro que se chame imposto sobre capitais!
Baron Hubert Von Trak , 30 Março 2014 - 08:52:36 hr.
...
Nunca pensei viver numa república da estroinice que glorifica a chapa ganha/chapa gasta. Mas o pior é que a quarta idade já está pelo mesmo. O nome correto para isto é "orgia", uma grande orgia, uma orgia maior do que as cheias do Tejo do último inverno. Para isto existem os internamentos compulsivos em clínicas especializadas. Onde é que estão os homens com tomates neste país?
José Paga-Tudo , 30 Março 2014 - 12:50:06 hr.
Saladas e frascos...
"Onde é que estão os homens com tomates neste país?"

Questão pertinente!
Os tomates nacionais são fundamentalmente usados para o fabrico de polpa!
Após a colheita, são transportados .lavados, prensados, e feitos em polpa !
Concluindo: Os homens com tomates neste país têm-nos esmagados, triturados e feitos em polpa!
PS:
Quanto aos tomates que vendem por aí são regra geral de produção estrangeira!
Baron Hubert Von Trak , 30 Março 2014 - 17:45:13 hr.
...
A velhinha

A ideia de ter uma velhinha
Que usam sem sentido e despudor
No banco que é de todos o maior
Nessa supervisão da panelinha

A vir para os jornais, engraçadinha,
Falar com olhos lassos de langor
E roupas de p******o bicolor
Como pobre a pedir a moedinha

É triste, muito triste e até chocante.
Porque andam a gozar essa pedante
Em vez de a deixarem ir embora?

Reforma-te velhinha não te importes
Que a reforma do banco não tem cortes
E já não fazes rir, ó Teodora













miro , 30 Março 2014 - 18:40:17 hr.
GOLD
Não tinha lido o artigo mas concordo que é excelente.
Claro que a Teodora se terá esquecido de um pormenor.
Os levantamentos feitos com determinados cartões GOLD, a conceder pelo Banco de Portugal, a quem tenha contas superiores a 1 milhão, estão isentos do imposto.
Justinho , 31 Março 2014 - 11:58:19 hr.
Isto nada chega...
Acho que a reforma do Estado deveria começar pelo Conselho das Finanças Públicas que, ao que parece, custa cerca de 3,2 milhões de euros ao Zé Pagante.

E, ainda por cima, para dar visibilidade a estas personagens é algo de insólito.

Há uns anos atrás, o dia da libertação (ou seja, aquele dia do ano em que os contribuintes deixavam de entregar o seu rendimento ao Estado e passavam a ganhar para as suas despesas e encargos) ocorria em meados de Maio.

Depois passou para Junho e, por agora, devemos estar muito próximo do final desse mês.

Mas, se a isso adicionarmos os cortes sofridos pelos funcionários e servidores públicos, então o dia da libertação, quanto a estes, só ocorre em data próxima de Setembro.

Ora, ver alguém a ter a distinta lata de alvitrar mais dias até à libertação é, no mínimo, desconcertante.

Lá dizia o Santo que não se podiam pagar muitos impostos pois, em tal caso, o Rei faria a guerra. Só que agora, não se deviam pagar muitos impostos pois, em tal caso, os políticos gastam o dinheiro dos contribuintes, entre outras coisas, em "submarinos avariados" e em "auto-estradas de aluguer".
, 31 Março 2014 - 16:25:55 hr.
...
O Conselho das Finanças Públicas, os assessores, os contratos com as grandes sociedades, tudo isto existe porque os políticos são cada vez mais incompetentes. Tudo começou depois do 25/4. Desde MSoares e PPCoelho, esta gente vive do Estado e dos amigos não tendo saber ou mérito em coisa alguma. Onde é que o ministro Antunes Varela, por exemplo, precisava de assessores ou de conselhos para lhe explicarem o que era competência sua saber?
Alice de Marvila. , 31 Março 2014 - 18:54:05 hr.
...
Desculpem lá, mas quem é esta Teodora?
Indignado , 31 Março 2014 - 21:17:10 hr.

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