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REVISTA DE 2014

PGR não limita acesso a registos de telefonemas

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Decisão. Tribunal da União Europeia declarou ilegal a entrega de dados telefónicos às autoridades por parte das operadoras. Polícias podem usar como prova mas arriscam anulação de processos, enquanto lei nacional não for alterada

A procuradora-geral da República admitiu ao DN não saber ainda se polícias e Ministério Público (MP) podem investigar telefonemas feitos há um ano ou se estão proibidos de usar a informação dada pelas operadoras como meio de prova. Embora nada a impeça de fazer uma recomendação sobre o assunto, Joana Marques Vidal diz que não o fará, porque "ainda é cedo e estamos a refletir". Por agora, a decisão de utilizar registos telefónicos como prova caberá a cada um dos magistrados, que poderão, inclusive, solicitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que se pronuncie sobre casos concretos. O DN questionou o Ministério da Justiça sobre se iria tomar uma decisão em relação a este tema, mas até ao final do dia não obteve qualquer resposta.

Desde 2008 que as operadoras de telecomunicações portuguesas, cumprindo uma diretiva europeia, guardam os registos telefónicos de todos os cidadãos nacionais, durante um ano, para o caso das autoridades necessitarem destes no decorrer de uma investigação. Porém, em abril deste ano, o Tribunal Europeu da União Europeia (TJUE) declarou esta entrega ilegal.

Os dados permitem averiguar onde mora, com quem fala ou onde se encontra qualquer cidadão. Em causa, dizem os juizes da instância cujas decisões prevalecem sobre as legislações dos vários Estados membros, estarão direitos fundamentais como o da privacidade e do sigilo.

Perante esta decisão, o MP, a PJ e juizes encontram-se num 'impasse' jurídico, sem saber como agir no terreno. "A lei nacional foi feita com base numa diretiva europeia que agora é posta em causa por este acórdão", explicou ontem Joana Marques Vidal, na sede da PJ. A titular da investigação criminal falava à margem de um encontro que juntou procuradores do MP e elementos da PJ - "Prova Digital em Processo Penal: velhos limites e novas necessidades" - com o objetivo de encontrar a solução para esta questão. "Não temos nenhuma resolução nem vou emitir nenhuma recomendação nesse sentido, estamos ainda no início da reflexão", explicou.

Certo é que vários processos, já transitados em julgado (sem mais nenhuma hipótese de recurso) podem vir a ser anulados com base no argumento de prova proibida e, com isso levar a uma revisão de sentença. Mais ainda quando esta decisão do TJUE tem efeitos retroativos para todos os processos desde 2008 até ao momento.

Ou seja: em 2009, numa das mais de 500 sessões de julgamento do processo Casa Pia, Ferreira Diniz refutava a informação obtida pela PJ através da TMN que revelava contactos telefónicos entre ele e Jorge Ritto. Os telefonemas reportavam-se a 2001, quando ambos haviam declarado só se terem conhecido em 2003, no início do processo. Esta prova obtida pela polícia - que veio a revelar- se fundamental para a condenação dos arguidos envolvidos - pode vir a ser considerada inválida e pôr em causa a condenação, devido à decisão do tribunal europeu.

David Silva Ramalho, advogado, presente na conferência, disse ao DN que "a conservação de dados dos cidadãos enquadra-se nos fundamentos deduzidos pelo TJUE para a declaração de invalidade da diretiva e, como tal, impõe que os tribunais se abstenham de aplicar as normas correspondentes, ou, em caso de dúvida, devam suscitar a mesma questão junto das instâncias europeias".

CASA PIA:Chamadas entre arguidos reveladas
Ao longo dos vários anos de julgamento do processo mais mediático da Justiça portuguesa, vários dados de tráfego de telemóveis dos arguidos foram revelados pelas operadoras. Um dos casos chegou inclusive a ser refutado em plena audiência de julgamento. O médico Ferreira Diniz, que acabou por ser condenado a sete anos de prisão efetiva, sublinhava em 2009 que nunca contactara com o arguido Jorge Ritto, afirmando que dados no processo que indicam contactos entre telemóveis de ambos só poderiam estar errados. Numa das sessões, de 2009, Ferreira Dinis referiu-se a uma ata da juíza presidente Ana Peres que indica três chamadas em 2001 entre um número de telemóvel que lhe pertencia e o do embaixador Jorge Ritto.

ARGUMENTOS a favor
Milhões de cidadãos terão a sua vida privada mais protegida, já que determinados dados relativos à sua localização ou contactos telefónicos feitos, serão proibidos de ser usados, se tiverem mais de um ano.
Fica mais protegido o respeito pela vida privada e a proteção de dados pessoais, os direitos fundamentais invocados pelo Tribunal de Justiça da UE.

contra
Magistrados e órgãos de polícia criminal estão num "limbo" jurídico, enquanto a nova diretiva não esclarecer a questão. Cada juiz de instrução criminal, em cada processo, terá de avaliar a situação. Podem ainda ser postos em causa inúmeros processos - com pedidos de revisão de sentença- com base no argumento de prova proibida, do artigo 449.° do Código de Processo Penal.

Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 28-06-2014

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