Maus tratos. O Ministério Público aceita cada vez mais não levar a julgamento acusados de agressões domésticas, mesmo quando as provas são muito fortes. Quem paga multas garante até a manutenção de um cadastro limpo
A justiça que criou meios para garantir que vão a tribunal os suspeitos de violência doméstica- tornando-a crime público - permite que parte deles escape. Basta que paguem uma multa. No ano passado, 1170 aproveitaram.
Mais de mil agressores domésticos conseguiram "escapar" ao julgamento ou a uma condenação através de um mecanismo legal que lhes permite pagar uma multa e assim nunca terem esta mancha no cadastro. Mesmo que assumam a culpa ou que o Ministério Público (NP) considere as provas evidentes para os condenar. "O que pode ser uma contradição, já que este crime é público, não sujeito a queixa", explicou ao DN Elisabete Brasil, diretora executiva da União das Mulheres, Alternativa e Resposta (UMAR). Um flagelo social que já atingiu mortalmente 16 mulheres este ano {ver números em cima) e em que o Ministério Público (MP) registou 22 928 ocorrências em 2013.
Segundo dados da Procuradoria-Geral da República (PGR), avançados ao DN, "as suspensões provisórias do processo aplicadas em crimes de violência doméstica contra cônjuge ou análogo devem rondar 5% do total". Feitas as contas -já que só no ano passado foram aplicadas 23 417 suspensões provisórias do processo a todo o tipo de crime-1170 são relativos a casos de violência doméstica Esta forma simplificada de processo aplica-se a arguidos com grandes possibilidades de serem considerados culpados em julgamento, e que passam a estar obrigados apenas a cumprir a chamada injunção (uma multa na maioria dos casos), ainda que depois, em tribunal cível, possam ter de indemnizar as vítimas, num processo distinto. E os arguidos terão sempre de concordar.
Uma medida que pode ser aplicável a todos os crimes com pena inferior a cinco anos, mas que nos casos de violência doméstica, o suspeito não pode ser reincidente e a vítima terá sempre de aceitar, depois de esclarecida pelo MP.
Este ponto foi reforçado, em janeiro, por Joana Marques Vidal, numa diretiva enviada para o MP. E em que era pedido expressamente um reforço no esclarecimento às vítimas.
Em Lisboa, dos 231 processos desta natureza que. foram suspensos, de janeiro a dezembro do ano passado, a maioria foi pedida pela própria vítima. Já no Porto o cenário é outro. A Procuradoria-Geral Distrital do Porto, no seu relatório anual, publicado há duas semanas, regista 1748 diligências relativas a distúrbios e agressões conjugais. Desses, em apenas 93 dos casos foi aplicada a suspensão provisória do processo.
"A experiência vem mostrando que estas vítimas, ainda que estejam de acordo com a suspensão provisória, não a requerem por entenderem que ao fazê-lo transmitem ao agressor sinais de fraqueza que as penalizarão no futuro", explicou Raquel Desterro, responsável pelo distrito judicial que perfaz 30% do território nacional.
Joana Marques Vidal, através da Diretiva n.° 1/2014, recomendava aos procuradores que se recorra mais vezes a este mecanismo legal em casos de violência doméstica e de abuso sexual de menores "não agravados pelo resultado".
Raquel Desterro defende que esta diretiva pode vir a "fazer decair os casos de aplicação da suspensão aos casos de violência doméstica", ao contrário do que seria de supor. Porque as vítimas só aceitam depois de um longo processo de persuasão por parte do MP
O valor das injunções a pagar é avaliado pelo procurador do MP.
"O limite é a proporcionalidade relativamente à infração, adequação e necessidade. Em suma, o limite é o bom senso", adiantou ao DN Maria José Morgado, diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa." E há que ter em conta a condição económica do arguido. Injunção económica a um desempregado não tem sentido, evidentemente", concluiu.
Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 10-05-2014
Comentários (8)
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Violência doméstica: Justiça? Onde?
É impressionante!
A senhora jornalista ignora por exemplo que não é por a prova ser "sólida" que o caso tem de ir para julgamento; pois que se a prova não for sólida para julgamento também não o é para a suspensão provisória do processo. Depois, não se trata de "multas", pois estas são sanções de natureza criminal convertíveis em prisão. Do que se trata é de entrega de uma dada quantia a título injuntivo (conceito que a dita cita mas que não faz a mais pálida ideia do que significará).
Finalmente , o que verdadeiramente a impressiona é o tipo de ilícito em causa! tratando-se de outro qualquer a "bojarda" do "bom senso" ainda seria digerida, mas num crime "de género" é que não pode ser!
É assim que vão as coisas neste jardim à beira mar plantado: os jornalistas só conhecem a «caixa alta» dos temas sobre os quais escrevem (carecem de formação e por isso são incapazes de crítica assertiva); e certos magistrados fariam melhor em ficar calados quando não são capazes de ter um intervenção formativa e informativa, logo legitimadora.
Sem pachorra

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Recentemente sou denunciado pelas ditas e tornado num criminoso pelo MP-os crimes cometidos relatados pela queixosa estyão na responsabilidade da separação dos pais e nas ofensas graves a sua pessoa e à mãe- pessoas indefesas. Ora se isto fosse verdade, deveria ser perpetuada a queixa há mais de meia-dúzia de anos e porque agora?Como pode um Tribunal constituir-me como arguido se o insulto ou a ofensa à queixosa (se tivesse havido) e aceitar uma queixa que julgo já prescreveu e porque a sua defesa não instruiu as pseudo-vítimas de o não terem feito na hora.
Quanto à responsabilidade na separação dos pais - será que um deles não comunga com as minhas razões? É que eu comunicava à vizinhança de que havia música alta na fração e conversas até as 5 da madrugada e o pai confirmava, mas logo a mãe contrapunha que o meu filho também punha música alta. Resposta do pai - mentira. Na casa do vizinho não se ouvem ruidos musicais ou conversas... etc.etc.
Tenho medo dos Tribunais portugueses...
Que medo tenho dos Azimutes deste país
Brrr que medo que eu tenho destas pessoas!!!
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Para quem achava que as mulheres viriam trazer uma lufada de ar fresco à Justiça, aí está a lufada; aí está o ar fresco.
Imaginem se fosse um Sr. Procurador-Geral da República, homem, a recomendar aos Srs. Procuradores que aplicassem este "mecanismo legal" (eu chamar-lhe-ia m***ice legal (auto-censura)) a casos de violência doméstica e de abuso sexual de menores. Caía o Carmo e a Trindade (e muito bem!). Assim como vem de uma "Senhora", não há problema, a avaliar pelas poucas vozes que se levantaram contra.
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