A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, emitiu esta sexta-feira uma directiva onde proíbe os procuradores de realizarem acordos em sentenças penais, uma solução rara que foi esta semana sugerida por alguns advogados no âmbito do processo Remédio Santo. O tribunal suspendeu por uma semana o julgamento dos 18 arguidos acusados de burlar o Serviço Nacional de Saúde em quatro milhões de euros, para dar tempo às defesas de negociarem com o Ministério Público.
Na quinta-feira, a Procuradoria-Geral da República já divulgara uma nota em que esclarecia que "a hierarquia do Ministério Público considera que o simbolismo do caso, as finalidades de política criminal envolvidas na sujeição dos arguidos a julgamento, bem assim como a circunstância de haver posições divergentes no seio desta magistratura quanto à questão dos acordos sobre a sentença" determinam que esse não deve ser o caminho, "até que se proceda a uma reflexão mais aprofundada sobre a matéria, que permita ao Ministério Público, no seu conjunto, assumir uma posição unitária".
Os advogados deste processo que defenderam o acordo, Dantas Rodrigues e Artur Marques, lamentaram esta sexta-feira a directiva da PGR. "Foi um golpe profundo numa solução que não devia ser excluída por via administrativa", critica Artur Marques.
Esta sexta-feira, Joana Marques Vidal, a responsável máxima dentro da estrutura hierárquica do Ministério Público, inviabilizou esta solução em qualquer caso, pondo fim às orientações contrárias por parte da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa e da de Coimbra, que, em 2012, recomendavam aos magistrados a ponderação deste tipo de acordo. Estes implicavam que os arguidos confessassem em julgamento os crimes que lhes eram imputados após negociar com o Ministério Público o limite máximo da pena a aplicar. Ao juiz competiria controlar e comprovar a validade e a credibilidade da confissão e determinar a pena concreta, dentro dos limites acordados.
Sem se referir ao processo Remédio Santo, a procuradora-geral diz que "está em causa saber se, não existindo norma expressa no nosso ordenamento jurídico-penal, é admissível e válido o acordo celebrado com o arguido".
E argumenta: "Aceitando que os acordos de sentença em processo penal poderão constituir uma forma alternativa de resolução dos conflitos penais adequada à prossecução de objectivos de justiça, celeridade, simplificação e economia processual, certo é que não existe no nosso ordenamento jurídico norma expressa, geral e abstracta, que os preveja e da qual possam resultar requisitos e pressupostos conformadores da sua aplicação que respeitem princípios constitucionais estruturantes do processo penal, designadamente os princípios da legalidade e da igualdade".
Joana Marques Vidal lembra ainda as divergências entre posições assumidas por professores em direito penal e os tribunais superiores sobre a admissibilidade dos acordos de sentença. "A complexidade jurídica da questão, sugerem a necessidade de aprofundamento da reflexão sobre a mesma, designadamente quanto à posição a assumir pelo Ministério Público no âmbito das suas atribuições no exercício da acção penal", lê-se na directiva.
Esta questão tem sido discutida nos meios judiciais após, em 2011, o reputado professor catedrático, já jubilado, Figueiredo Dias, ter publicado o livro "Acordos sobre a sentença em processo penal – O Fim do Estado de Direito ou um Novo Princípio". Pelo menos dois tribunais, o de Ponta Delgada e o de Vouzela, homologaram acordos deste tipo, tendo este último sido anulado pelo Supremo Tribunal de Justiça. Num longo acórdão, no qual analisam este tipo de acordo em vários sistemas jurídicos europeus, dois juízes conselheiros acabam por considerar que o "direito processual português não admite acordos negociados de sentença".
Costa Andrade, catedrático de Direito Penal na Universidade de Coimbra, considera "seguro que não há lei que permita acordos de sentença", mas considera "inevitável" que se adopte este tipo de solução num futuro próximo. "Este é irremediavelmente o caminho do futuro. A justiça penal é um bem escasso, que tem que se cometer ao mais importante ", afirma o universitário.
Mariana Oliveira | Público | 21-02-2014
Comentários (18)
Exibir/Esconder comentários
...
Está de parabéns a Sra. Procuradora-Geral da República
http://www.inverbis.pt/2014/mp/pgr-limpar-cadastro-agressores
(partindo do pressuposto de que o dito na notícia é verdade)
, dou agora os parabéns à Sra. Procuradora por esta posição, que entendo ser de louvar.
...
Não existe qualquer base legal que permita, de forma explicita ou subjacente, tal "acordo".
Na fase de julgamento um qualquer acordo só pode passar pelas partes envolvidas (arguido e ofendido - O MP não é para aí tido e muito menos o Juiz) e nos termos em que tal seja legalmente permitido.
Só conheço uma decisão de um Tribunal que defendeu tal inexistente figura juridica e que foi prontamente revogada pelo STJ.
Proibir o que por lei já é proibido é, no minimo, sui generis.
Enfim.... uma perda de tempo.... tudo isto.
...
Aliás esta proposta de acordo apresentada pelos arguidos, neste caso recente, certamente tem água no bico, senão ficavam calados como ratos.
Paternidade
Lembrem-se que houve quem, no MP fosse contra, mas esses eram os velhos do Restelo.
O meu receio é que, com 23 Comarcas nasçam 23 espécies de Distritais, cada uma com as suas inovações... é bom que a PGR esteja atenta e os cidadãos tenham o mesmo tratamento de Sul a Norte.
Inevitável só o fim desta vida
Repito a última frase:
"A justiça penal é um bem escasso, que tem que se cometer ao mais importante"
Sim, o furto de um cacho de bananas num hiper-mercado por um sem-abrigo. (Não é piada contra o Autor, acreditem; é contra o que o MP tem por várias vezes feito, à vista de todos.)
Quanto ao inevitável (aqui sim, dirijo-me ao Sr. Professor Costa Andrade), a única coisa que julgo ser inevitável nesta a vida é o fim dela. Que possamos ter todos uma morte doce (contemplando uma vida passada na procura da dignidade, mais do que na estrita felicidade) é o que desejo.
Já sobre aquilo que não sabemos ser ou não inevitável, o melhor mesmo, entendo, é guardar silêncio, como aconselhava Wittgenstein.
Legalidade, finalmente!
Como a lei da gravidade!
O tema da justiça negociada é actual e incontornável, só não surpreendendo os comentários anteriores pela ignorância que mostram acerca do mesmo.
A justiça penal negociada constitui hoje uma prática em praticamente todos os países da Europa e da América. Lembro que o caso dos submarinos já foi julgado na Alemanha há algum tempo e com condenações, e só agora se conhecendo a decisão portuguesa, com absolvições, em razão de naquele país o processo ter terminado com um acordo penal…
Há já em Portugal vasta literatura sobre o assunto. Só não o conhece quem não se deu ao trabalho de o estudar. Desde o livro “Acordos sobre a sentença penal”, de Figueiredo Dias, a «Uma proposta de reforma da justiça penal”, da associação dos juízes, a um estudo recente do procurador Moreira das Neves, na revista do MP n.º 135, entre vários outros…
Não há no CPP um instituto típico respeitante à justiça penal negociada. Mas há o artigo 344º, respeitante à confissão do arguido, a partir do qual se podem estruturar os acordos.
Num Estado de Direito há criação judicial de direito. O instituto do crime continuado, por exemplo, é de criação jurisprudencial, como o é a actual pena de prisão suspensa com regime de prova (na sua versão original o regime de prova era ele próprio uma pena autonoma com características singulares, que o aproximam da actual suspensão provisória do processo, mas numa fase já judicializada.
Na Alemanha, por exemplo, os tribunais criaram e desenvolveram os acordos em matéria penal. E durante mais de 30 anos assim foi, até que o legislador recentemente lá plasmou em letra de lei o que era uma prática consolidada e protegida pelo Supremo e pelo Tribunal Constitucional.
A PGR situou-se no «estado de legalidade», de má memória, secundando um acórdão do STJ do mesmo jaez. Mas da mesma maneira que nenhuma Diretiva pode revogar a lei da gravidade; também esta estará condenada ao fracasso.
Nota final
A posição da PGD de Lisboa, assim como a de Coimbra, estão muito à frente da Directiva ora emanada. São posições instruídas, reflectidas e não meras percepções, como as que estão implícitas na infeliz Directiva.
Eu estou de acordo com os acordos
A PGR é que esteve mal. Muito mal.
Vamos ver agora o desfecho que terá o caso... (seguramente muitas sessões de audiência... e resultado incerto).
À atenção da senhora Ministra
Podre MP que a tão pouco se atreve...
...
Só não percebo pq demorou tanto tempo a definiar a sua posição.
...
Essa questão dos acordos, a existirem, terá que ser devidamente definida por lei para que se delimitem modos de actuação e para que o MP actue devidamente legitimado e não de modo voluntarista à vontade de cada um dos distritos judiciais.
By the way
O processo penal português é outra coisa, completamente diferente.


Aí Aí - Passos e pernas
...
...
a) sendo o processo penal direito público, não valendo o princípio da autonomia privada, inexiste norma que preveja estes acordos e, como tal, são proibidos?
b) os magistrados têm de trabalhar com as leis que existem - às vezes, de qualidade bem duvidosas e de objetivos bem obscuros... - e não com aquelas que acham que deviam existir?
E ainda é preciso a PGR vir proibir isto?????
Escreva o seu comentário
< Anterior | Seguinte > |
---|