Em todos os casos que estiveram em segredo de justiça, os magistrados não avisaram as partes. Maria José Morgado considera" impossível e ilegal" omitir essa informação
Nos quase sete mil processos que estiveram vinculados ao segredo de justiça, os procuradores do Ministério Público (MP) não advertiram os respetivos intervenientes (arguidos, testemunhas, vítimas e assistente). Este aviso deveria ter sido registado nos autos de interrogatório ou inquirição, mas isso nunca aconteceu.
A conclusão consta do relatório elaborado pelo inspetor do MP João Rato, encomendado pela procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, no âmbito da auditoria realizada à fuga de informação. "A decisão do Ministério Público e do juiz respeitante à imposição do segredo de justiça nunca foi notificada aos sujeitos processuais", revela o documento que analisou 6696 processos, relativos aos anos de 2011 e 2012.
"Apenas nalguns processos das comarcas de Olhão e Portimão foi consignado no expediente", alerta João Rato. "Porém, em caso algum dos examinados pela auditoria os intervenientes processuais foram advertidos de que ficavam vinculados ao segredo de justiça."
Apesar das conclusões enunciadas no relatório, Maria José Morgado, diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal, garante que "a comunicação da sujeição do inquérito a segredo de justiça é sempre feita aos intervenientes processuais, nomeadamente arguidos e assistente, e sujeita a contraditório e controlo do prazo".
Segundo a procuradora-geral adjunta do departamento que englobou 1409 processos confidenciais, a obediência a essa regra "corresponde à prática no DIAP de Lisboa e no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa", e "é praticamente impossível (mesmo ilegal) omitir essa informação aos intervenientes e sujeitos processuais. São todos notificados do despacho e do prazo, evidentemente."
No entanto, Eurico Reis, juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, sublinha que "tal como este, há muitos procedimentos cuja legalidade é questionável" -"E não encontro uma justificação racional para isto, confesso, porque os procedimentos supostamente são para cumprir", conclui aquele magistrado.
O relatório - que se reporta aos anos de 2011 e 2012 - assume ainda que, com a remessa eletrónica dos processos entre os serviços, "alargava-se o leque dos que, pelos menos potencialmente, lhe podiam aceder". Como solução, uma das medidas preventivas propostas pela equipa de João Rato é a da "clara identificação e a comunicação formal a todos os intervenientes processuais".
A auditoria - tornada pública a 10 de janeiro - revela um cenário de impunidade: do total de 6696, apenas 83 inquéritos criminais foram instaurados por fuga de informação num universo de 1528 casos suspeitos. Desses, apenas nove resultaram em acusações (seis em que os arguidos são jornalistas, dois contra agentes de justiça e um não especificado).
Inquérito da PGR só teve 23 respostas
Do total de 40 entidades e várias personalidades a quem a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou um questionário para revelar casos que conhecessem de violação do segredo de justiça, apenas 23 responderam. "Ao desafio responderam 23 daquelas entidades e personalidades, umas por escrito, outras oralmente, mediante entrevista pessoal ou telefónica", explicou João Rato, o procurador responsável pela auditoria feita ao tema, em 2013.
Assim, cinco dos inquiridos consideraram que "quando há sinais de violação, nem sempre se determina a abertura de inquérito e, quando aberto, não se realiza uma verdadeira investigação", denunciaram três procuradores do Ministério Público (MP). "O que levou ao esmorecimento das participações mesmo quando há conhecimento de evidentes violações do segredo", como referem duas respostas dadas por advogados e procuradores do Ministério Público.
Porém, uma larga maioria considerou globalmente positiva a atuação do MP na gestão e imposição da confidencialidade dos processos. E a maioria dos inquiridos mostrou-se favorável ao regime atual da publicidade.
Esta lista de 20 perguntas foi enviada em dezembro pela PGR a todos os representantes das profissões jurídicas e a alguns jornalistas, depois de terminado o trabalho de campo realizado pela equipa de João Rato.
Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 20-01-2014
Comentários (2)
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Ora, no estado actual das coisas, é evidente que o segredo não proteje nem vítimas nem arguidos, resumndo-se, quando muito, a protejer a investigação - desde que esta não seja a interessada em fugas cirurgicas.
Assim, melhor seria que se acabasse com o actual segredo de justiça, criando um novo conceito, em sua substituição - na liinha do que refere Ai Ai - de segredo da investigação.
Os obrigados ao segredo seriam os investigadores já que o segredo só existia em benefício da investigação.
Não se bulia com pessoas chamadas a depor sobre alguma coisa ou sobre coisa nenhuma e que não deviam ser obrigadas a esconder, inclusivamente da família ou dos colegas de emprego, as razões pelas quais foram chamadas à polícia ou ao tribunal.
Não se chateava ninguém que não tivesse efectivo interesse para a investigação para não colocar em perigo a investigação.
Só se prendia alguém quando a investigação estivesse suficientemente sedimentada para que se pudesse saber, sem perigo, o que se investiga, quem se investiga e para que se investiga.
Assim, se houvesse fugas, só podiam nascer na investigação.
Claro que isto tem um contra: a investigação é mais trabalhosa, não pode ser por palpites, não podem ser feitas buscas com mera intenção de pescar o que vier à rede, inclusive em escritorios de Advogados. A investigação tem de ser séria e secreta até poder deixar de ser secreta, cabendo aos investigadores saber se e quando o secretismo pode deixar de existir.
Não se pode é continuar a falar-se em segredo de justiça e ter, na televisão, como hoje sucedeu, reportagens em directo sobre as diligências que estão a ser feitas em vários pontos do país relativamente a uma investigação em curso, partindo do princípio que foram outros - que não os investigadores - que puseram a boca no trombone. Até podem ter sido mas, então, a investigação não foi suficientemente discreta para depois se poder exigir segredo seja a quem for, seja à jornalista (por sinal a envolvida nas notícias sobre o caso) seja ao cliente do café em frente que percebeu o que se passava e telefonou a alguém a dar a pista. Para mim, certo ou errado, tudo indica que foram os investigadores a avisar a jornalista como contrapartida dos palpites recebidos. E, nisto como em muitas outras coisas, o que parece... é.
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