O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decretou esta segunda-feira a suspensão provisória da nomeação de seis juízes designados para presidir às novas comarcas, criadas ao abrigo da reforma do mapa judiciário. Em causa estão as comarcas de Lisboa, Coimbra, Setúbal, Beja, Évora e Faro.
Em duas decisões datadas desta segunda-feira e assinadas pelos mesmos sete juízes, o STJ decretou a "requerida suspensão provisória" das nomeações, suspendendo assim a eficácia da escolha de seis dos 22 presidentes aprovados pelo plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) na sessão do passado dia 9 de Abril. Foi realizada uma votação autónoma para cada comarca, tendo os membros do CSM escolhido, por voto secreto, um entre vários candidatos, após uma avaliação feita por uma comissão interna composta por oito vogais da instituição. A comarca de Leiria foi a única que ficou sem presidente por falta de candidatos.
Contactada pelo PÚBLICO, Albertina Pedroso, do CSM, confirma que o órgão já foi notificado das decisões, mas recusa-se a explicar que efeitos estas terão, nomeadamente se vai levar ao adiamento da tomada de posse dos juízes-presidentes prevista para esta quarta-feira, no salão nobre do STJ, em Lisboa. Albertina Pedroso remete mais esclarecimentos para esta terça-feira, altura em que o plenário do CSM volta a reunir, devendo tomar uma posição sobre esta polémica.
Após a leitura das duas decisões do STJ, a que o PÚBLICO teve acesso, parece claro que a suspensão afectará apenas a nomeação dos juízes-presidentes nas seis comarcas visadas pelos procedimentos cautelares. Ambas as decisões citam a declaração de voto feita pelo vice-presidente do órgão, Joaquim Piçarra, que lançou suspeitas sobre o trabalho da comissão interna que avaliou as candidaturas e sugeriu nomes para presidir às novas comarcas.
Na declaração, Joaquim Piçarra diz discordar frontalmente da método utilizado pela comissão, não se revendo "na generalidade das escolhas", que considera "manifestamente pré-preparadas, trabalhadas e condicionadas pela dita comissão, não deixando também de revelar feição marcadamente pessoal e de resquícios de acentuada proximidade com determinado núcleo, há muito dominante na magistratura e estruturas coadjuvantes". Sobre alegados telefonemas feitos a dois juízes por membros da comissão propondo-lhes a aceitação de lugares para os quais nem sequer haviam concorrido, Piçarra acrescenta: "Tenho sérias dúvidas sobre a regularidade desse procedimento, o qual considero envolver um claro tratamento preferencial, para não dizer desigual, para outros candidatos, que em nada abona este órgão e contra o qual sempre me bati".
O vice-presidente do CSM tinha defendido a definição prévia de critérios objectivos, do conhecimento de todos os interessados, justificando tal opção pelo facto de em "certos circuitos da capital" se dizer que ele "já teria escolhido os presidentes de comarca".
Há juízes que referem a hipótese do CSM alegar o interesse público na manutenção da sua decisão de 9 de Abril, o que retiraria efeito prático às suspensões provisórias. Esta solução até já foi adoptada no âmbito de uma impugnação da nomeação de juízes militares, mas pode ser difícil de concretizar neste caso. É que é manifesta a divisão existente dentro do próprio CSM, um órgão composto por 18 elementos, uma parte nomeada pela Assembleia da República e pelo Presidente da República e outra eleita pelos juízes. A cisão ocorreu após a divulgação da declaração de voto feita por Piçarra, que não agradou aos membros da comissão que viram o seu trabalho e a sua idoneidade posta em causa. Houve quem também tenha ditado declarações de voto para acta, mas no site do CSM só foi publicada a de Piçarra.
Se a tomada de posse dos juízes-presidentes for adiada parcial ou totalmente, tal poderá comprometer o arranque do novo mapa judiciário, marcado para 1 de Setembro. É que os presidentes das novas 23 comarcas ocupam um lugar de enorme relevância no novo modelo, já que lideram os órgãos de gestão destas unidades em parceria com o procurador-coordenador e o administrador judiciário.
Estes conselhos de gestão das comarcas é que deverão preparar a transição do antigo para o novo modelo, estando previsto na lei que entrariam em funções seis meses antes do arranque da reforma. Tal, contudo, já não pode ocorrer já que faltam pouco mais de quatro meses para a entrada em vigor do novo mapa judiciário e ainda só foram empossados os procuradores-coordenadores. Faltam tomar posse os juízes-presidentes que, por sua vez, terão de nomear os administradores judiciários.
Mariana Oliveira | Público | 28-04-2014
Comentários (10)
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Parabéns ao Vice-Presidente do CSM, Conselheiro Piçarra.
Lamentável
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você não deve ser jurista.
Na Adm.Púb. toda a escolha está sujeita aos arts. 266º e 268º/3 da CRP e aos arts. 3º ss, 100º e 124º ss do CPA!
O CSM é Adm. Púb.
Finalmente, o STJ ainda nada decidiu.
Recomendo vivamente ao STJ
- da 2ª ed. do "C.P.A. Comentado" de Mário Esteves de Oliveira e Outros,
- da 2ª ed. do "D. Admin. Geral" de Marcelo Rebelo de Sousa e Outro,
- da 2ª ed. do II Vol. do "Curso..." de Freitas do Amaral,
- do "Manual de Processo Administrativo" de Mário Aroso de Almeida.
Talvez se evite uma vergonha!
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Marcello Caetano, esse grande administrativista português, não merecia que tenha utilizado o nome dele como pseudónimo para dizer as patacoadas jurídicas que aqui diz.. Ele, Marcello Caetano, que já nesse tempo, ainda muito antes da CRP e CPA, defendia que:
"A fundamentação exerce , no acto resultante do exercício de poderes vinculados, o mesmo papel que na sentença: mostra como os factos provados justificam a aplicação de certa norma e a dedução de determinada conclusão, escalarecendo o objecto do acto.
Mas se o poder exercido é discricionário tem ainda maior importância, pois vem revelar as razões que levaram o órgão a escolher uma solução em vez de outra, de entre as que lhe estavam facultadas."
Manual de Direito Administrativo, 10ª edição., Vol. I, pág. 47

Comentários aos comentadores
V.exas serão juristas melhores que eu. Não discuto isso. Quero discutir apenas o critério legal e a natureza jurídica do ato. Aceitar que se trata de uma decisão final num concurso público é algo que não aceito! Reconhecendo, com humildade, que V.exas. é que são os especialistas...
Pergunto eu
A "febre" adminstrativista nesta matéria faz-me lembrar a igualmente febril tendência higienista noutros domínios que nada têm que ver (perícias sobre "o interesse do menor", a "velocidade do veículo", etc); ou a pressa em "atirar" psicólogos para os locais de grandes sinistros. São, em todos os casos, equívocos que o tempo e a razão esclarecerão, para vergonha de nós todos.
...
Os Conselhos Superiores não são órgãos do poder político.
Na segunda metade do séc. XX, a criação de conselhos superiores visou, precisamente, subtrair ao poder executivo a matéria administrativa que mais pode contender com a independência do poder judicial - a gestão e disciplina.
Subjacente aos vários ordenamentos constitucionais - estou a pensar no italiano e no espanhol, no francês após a década de 90 - esteve a intenção de consagrar órgãos autónomos de garantia de independência colectiva e externa do poder judicial.
O que não se compadece com qualquer paralelismo com critérios decisórios de natureza política.
Acresce que a evolução do estatuto destes órgãos, nos referidos ordenamentos, tem sido no sentido de uma cada vez maior vinculação a critérios de legalidade - veja-se, designadamente, a tipificação das infracções disciplinares - o que corresponde a uma preocupação manifestada pela esmagadora maioria a doutrina, porquanto a existência de tais órgãos sempre envolve um risco para a vertente interna da independência - garantia da imparcialidade.
É nesta lógica de preservação da independência e de gestão autónoma, para mais agora ampliada à "gestão processual", que se explica que os tribunais continuem a ter juízes presidentes - e é por isso que, para ser juiz presidente, é preciso ser juiz.
E é por isso que se impõem/impunham procedimentos que sejam/fossem o mais transparentes possíveis.
A aparente, mas conveniente, pouca importância que o poder político vota ao assunto - a tal ausência de fixação legal de critérios - não pode virar-se contra os próprios juízes, politizando as decisões dos conselhos superiores.
Até para que não fique, para os cidadãos a suspeita de que os juízes que decidem os processos são funcionários de um órgão liderado por alguém que é nomeado segundo critérios políticos, o que poria em causa a própria imagem de imparcialidade dos tribunais - que devem ser e aparecer como independentes e imparciais; porque decidem sobre direitos essenciais das pessoas, que não são objectos ou números, devem actuar de acordo com "princípios", não em obediência a "objectivos", como já dizia o saudoso Dworkin - perdoe-se-me o pedantismo, certamente "higienista".
Porque, se o propósito fosse meramente utilitarista - escolher pessoas com capacidade de liderança, dinamismo, charme pessoal ou seja lá o que for -, bastava que existisse um "gestor do tribunal", contratado ou escolhido de entre a generalidade dos cidadãos - v. g., com experiência no mercado empresarial, que é um meio concorrencial e que tendencialmente selecciona de acordo com os aludidos critérios.
Haverá, talvez, quem pense que os seus talentos são desperdiçados a despachar processos ou a ter que tomar decisões de acordo com critérios objectivos, constitucionalmente vinculados.
Quem acha tem um bom remédio: prescinda do vencimento certo ao fim do mês e vá para o sector privado, mostrar o que vale.
Quem gosta da política e ache que até tem "um certo jeito", inscreva-se num partido e submeta-se ao voto dos cidadãos - e, se perder, não volte para o tribunal, por favor: a judicatura não pode ser um poiso de ocasião, enquanto se espera por maiores vôos.
Os conselhos não são órgãos políticos
É gratificante ler posts que evidenciam sólidos conhecimentos do comentador.
Fossem os conselhos das magistraturas judiciais órgãos políticos, e legitimamente nos questionaríamos sobre o conteúdo prático do princípio constitucional da separação de poderes.
Essa é uma realidade tão evidente, que quase dispensaria a alusão ao histórico dos ditos, que consta do seu esclarecido (e esclarecedor) post.
Mas o que é verdadeiramente arrepiante, é ler outros comentários, postados por (tudo me leva a crer) juízes que defendem o contrário!
Na perspectiva da criação de um cargo de presidente de comarca, com poderes de duvidosa constitucionalidade, lançam-se foguetes onde o puro bom senso e a noção elementar do que é ser juiz, imporia no mínimo, uma prudente desconfiança!
Mas não.
Com pesar, verifico mais uma vez que, perante a criação de uma figura que na prática, poderá significar uma instância de controlo da judicatura, não querida nem consentida pela CRP, alguns juízes lançam foguetes sobre o que verdadeiramente poderá vir a ser o início da sua própria sepultura! E com tal veemência, que defendem até "contra natura", que o seu órgão de disciplina e gestão tem natureza política!
Saberão o que dizem? Terão ideia dos efeitos que acarretariam para os próprios o absurdo do que defendem?
Admirável mundo novo este, em que há juízes que defendem a aplicação de um modelo semelhante ao que até aqui só existia para uma Magistratura hierarquizada (do MP) a uma Magistratura independente!
Com juízes assim, a independência da judicatura começa realmente a parecer uma miragem..
Enfim! Está tudo louco (menos eu, obviamente



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