Responsável do Conselho Superior da Magistratura denuncia favoritismo e proximidade pessoal na origem das escolhas feitas por uma comissão do próprio órgão.
O vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM), António Joaquim Piçarra, considera que a nomeação recente dos juízes-presidentes das comarcas poderá colocar em causa o novo mapa judiciário. Em causa está o modo como a nomeação ocorreu na dependência de uma comissão do próprio CSM. Numa divulgação recente daquele órgão à qual o PÚBLICO teve acesso, o juiz conselheiro lança suspeitas sobre a comissão que escolheu os novos presidentes das comarcas alertando para relações pessoais entre os escolhidos e os membros da comissão e para irregularidades na selecção. Alguns juízes foram escolhidos sem sequer se terem candidatado.
Perante a situação, o vice-presidente do CSM teme que este desenlace ponha em risco a nova organização judiciária. "Registo, com a maior mágoa pessoal e funcional, o ocorrido, o que não deixará de ter reflexos bem negativos no futuro funcionamento do órgão, temendo ainda que a implementação da nova organização judiciária tenha sido posta em causa, de certo modo, em risco", aponta.
António Joaquim Piçarra acusa mesmo a comissão de ter apresentado e votado propostas "trabalhadas", "condicionadas" "pré-preparadas a preceito", as quais "não augurarão bom futuro para a implementação da nova estrutura judiciária".
Para o responsável, esta metodologia revela nas escolhas uma "feição marcadamente pessoal e de resquícios de acentuada proximidade com determinado núcleo há muito na magistratura e estruturas coadjuvantes". Não revela, porém, pormenores que identifiquem os eventuais membros desse "núcleo".
Juízes escolhidos sem "critérios credíveis"
O juiz conselheiro assume-se ainda surpreso como alguns procedimentos da comissão. "A comissão procedeu de imediato à escolha de candidatos, tendo ainda contactado telefonicamente pelo menos dois deles, propondo-lhes a aceitação de lugares para os quais nem sequer haviam concorrido", diz o vice sublinhando que todos os membros daquela comissão votaram naqueles nomes e que, face a este cenário, os chamou a atenção para "o facto haverem excedido o mandato". António Joaquim Piçarra questionou-os ainda sobre a "ausência de critérios credíveis fundantes das escolhas".
Sobre estes dois casos, o vice - que discorda "frontalmente da metodologia utilizada pela comissão" apesar desta ter tido acolhimento maioritário" - diz mesmo que tem "sérias dúvidas sobre a regularidade desse procedimento" no qual considera estar em causa "um claro tratamento preferência, para não dizer desigual, para outros candidatos".
Durante esta discussão, o responsável do CSM tentou contrariar as nomeações tendo exigido à comissão uma proposta escrita e fundamentada. A exigência, porém, apenas adensou as suspeitas que já tinha. "Foi-me me remetido um relatório elaborado pelo menos por dois dos membros da comissão em que vi superiormente enaltecidas as qualidades de determinados candidatos, curiosamente próximos do seu núcleo. Manifestei a minha discordância quando à metodologia e resultados".
No CSM, António Joaquim Piçarra, que não integrou a comissão, viu-se limitado a "fazer a opção de voto no candidato" que considerou "mais habilitado para a gestão das comarcas" e alertou para as "circunstâncias conhecidas de relacionamentos pessoais ou familiares que desaconselham a nomeações para o cargo".
CSM nomeou comissão face a suspeitas já existentes
Este ano, o CSM decidiu nomear uma comissão para a escolha dos novos juízes-presidentes das comarcas. Neste contexto, não há um concurso mas uma selecção de nomes por voto naquele conselho. O vice considerou que eram necessárias "as maiores cautelas" na definição dos "critérios objectivos" e para que houvesse ainda "total transparência e credibilidade nas escolhas.
Na divulgação, António Joaquim Piçarra salienta a preocupação com "favoritismo para pessoas mais próximas de qualquer um dos vogais" e revela que "pelo menos em certos circuitos da capital" circulava a informação, que refuta, de que ele próprio já teria "escolhido os presidentes". Face a isto propôs que se definisse uma "grelha de critérios". Os restantes elementos do CSM discordaram e nomearam uma comissão.
Pedro Sales Dias | Público | 11-04-2014
Actualização:
Comunicado da ASJP:
A Direcção da ASJP foi surpreendida pela publicação no sítio electrónico do Conselho Superior da Magistratura (CSM) do extracto da sessão de dia 9 do seu plenário sobre a nomeação dos juízes presidentes.
Nesse mesmo extracto dá-se conta de duas declarações do Exmo Senhor Vice-Presidente do CSM, Juiz Conselheiro António Joaquim Piçarra, em que este suscita dúvidas sobre a regularidade e a lisura dos critérios e procedimentos assumidos para a escolha e nomeação dos Juízes Presidentes das Comarcas da nova Organização Judiciária.
A Direcção da ASJP, que tem acompanhado de perto e com preocupação a implementação da nova organização judiciária, sempre entendeu e referiu ao CSM em momento oportuno, a indispensável consideração de critérios pré-determinados, claros e objectivos, para a escolha e a nomeação dos Juízes presidentes, bem como da abertura de um concurso necessariamente circunscrito aos candidatos que frequentaram com aprovação o curso de direcção de comarca ministrado pelo Centro de Estudos Judiciários.
A situação agora tornada pública demonstra a opacidade do processo de nomeação, retirando legitimidade ao procedimento e por via disso às concretas nomeações, independentemente dos méritos pessoais de cada um dos juízes escolhidos.
Um processo com esta relevância exigia uma decisão absolutamente transparente e fundamentada na escolha daqueles que vão ser os principais responsáveis pela gestão das novas comarcas, não se permitindo qualquer suspeita sobre os critérios utilizados (ou a sua ausência).
Para além de se lamentar esta situação agora criada, impõe-se que a situação seja totalmente esclarecida, divulgando-se os critérios utilizados, de acordo com o princípio da transparência e com o respeito que merecem não só os colegas juízes envolvidos como também as instituições judiciais implicadas nesta reforma. É esse o sentido institucional que terão de assumir todos os que exercem funções de responsabilidade nas instituições judiciais, sobretudo aquelas que têm por atribuição a organização e a gestão do sistema judicial.
A Direcção Nacional
(in asjp.pt | 11-04-2014)
Comentários (28)
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Será que vamos ter mais do mesmo? Isto é, nada e, no fim, tudo fica na mesma....
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A lei diz apenas que o CSM nomeia o juiz presidente da comarca.
Do ponto de vista do cidadão, quando se trata de administrar coisas públicas há procedimentos que servem melhor que outros a implementação da confiança nas instituições e a própria tomada de decisões.
2.
Por exemplo, tudo o que é aberto e conhecido é salutar, pois, nestas condições, o que passará a ser relevante será apenas isto: ter razão e mostrar que se tem razão.
3.
Surge-me neste momento a seguinte hipótese: será que o juiz presidente da comarca não poderia ser eleito por um colégio eleitoral, por voto secreto, formado, por exemplo, por 48 pessoas, 12 juízes e igual número de procuradores, advogados e funcionários da respectiva comarca ?
Proibir-se-ia a campanha eleitoral, pois estamos a falar de pessoas (candidatos e eleitores) que se conhecerão minimamente umas às outras.
Prever-se-ia apenas uma só sessão de perguntas e respostas entre candidatos e eleitores.
Será que isto suscita alguma objecção séria?
Seria assim tão difícil de realizar ou oneroso?
Será que tudo tem de estar concentrado em Lisboa?
Começa a acorrer-me com alguma frequência esta ideia: o problema de Portugal é Lisboa.
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deve agir de acordo com o c.p.a.!
a melhor forma de ser imparcial é abrir concursos com critérios pré-fixados e pré-publicitados!!!
o resto são tachos, a que o ps+psd querem reduzir alguns juízes.
Faça-se luz
A democracia e um sistema de regras que pressupõe a aceitação pelos intervenientes. Quando alguém quebra as regras viola esse compromisso e não merece credibilidade nem respeito.
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Guerrinhas de juízes...
Fala-se em dividir para reinar e o povo é que sofre com decisões retardadas em dezenas de anos e prescrições e prejuízos consideráveis no património do Estado.
Ninguém confia na justiça e nos seus funcionários.
Finalmente surgem a público essas guerrinhas internas (que no tempo do outro estavam subtilmente escondidas, sob pena de aposentação compulsiva ou ostracização para quem se atrevesse..., e que lhe permitiu o acesso ao STJ): já não bastava o compadrio nas classificações (quantos foram protegidos pelos inspectores quando não faziam nenhum durante anos e eram os auxiliares a despachar os processos), cursos de formação, comissões de serviço, serviço em Timor, comissões de arbitragens, mestrados para uns e não para outros, etc., agora é o mal-estar de colocação de pessoas-chave, facilmente manipuláveis num local restrito, para lixar quem só quer fazer o seu trabalho como magistrado ou quem é da facção contrária.
Quem não é da asjp ou do outro movimento e só quer fazer o seu trabalho está tramado com estas guerrinhas inúteis e sem sentido e apenas para nada fazerem como magistrados.
Estas guerrinhas já ocorriam com a eleição para a asjp e o csm, movimentadas por ideologias partidárias e aventais...
É uma vergonha ser-se juiz actualmente...
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concurso
O resto são deculpas rascas. que envergonham os juízes presidentes
Assim, assado, cozido...
Mas a opção política vertida na Lei deixou tudo isso para trás. A lei fixou que o CSM escolhe e nomeia... E, portanto, havendo votos livres e maioria nesse órgão é não apenas o necessário como o bastante.
Juiz Presidente ou Presidente Juiz
Um tribunal é um órgão de soberania onde não podem existir divisões pois representa o Soberano - o Povo - em toda a sua unidade, legitimidade indiscutível e majestade. Cada juiz com a beca enfiada no pescoço também o representa. Não pode andar a ser minado por facções ou partidos.
Se me permitem uma analogia que tal olhar para o processo de escolha do Papa. Cada tribunal faria o seu conclave.
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Pois, pois, é tudo muito bonito mas a conta da mercearia não se paga a ela própria!
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Um esclarecimento que se deixa, a bem da verdade.
A explicar ao "concurso"
leia bem o art. 24º do C.P.A. e lembre-se da pré-fixação de factores e critérios.
Qual é a parte do "concurso" que não percebe?
Esta "rapaziada" das opiniões, que naturalmente são legítimas, deveriam primeiro conhecer a peixinho que regula será matéria. Fazer alusão ao CPA é, no presente contexto, simplesmente absurdo.
Simples: os juízes presidentes foram nomeados pelo órgão competente e através de procedimento que esse órgão considerou adequado para fazer a sua escolha.
Claro: houve quem pretendesse fazê-lo de modo diverso; mas a maioria dos outros membros não concordou!!! Parece-me legítimo discordar; mas é totalmente ilegítimo imputar irregularidades!!! Quais?
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Mas os telefonemas aconteceram, os favoritismos não podem ser negados e a comissão decidiu mais do que o mandato lhe permitia.
E não se pode falar de "irregularidades"????
Pois não, vamos falar verdade e então, falando politicamente correcto, temos tráfico de influências.
BONITO!!!!!!
Aliás no curso ministrado para o efeito, os aprovados foram-no porque sujeitos a avaliação com a respectiva nota, ou, como consta, por mera frequência????
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Politiquices à parte - há tantos anos que o ar tresanda a politiquice... - parece-me que não.
Uma lei aprovada pelo parlamento pode ser inconstitucional, precisamente porque, num Estado de Direito, a regra maioritária não chega.
"Democracia" e "Estado de Direito" também significam procedimentos transparentes - v.g., com publicidade - e critérios sindicáveis.
O mal está, parece-me, em a lei conceder ao órgão decisor uma tão ampla margem de livre apreciação numa matéria que exigia outro cuidado. O que, de resto, é um mal antigo, quando se trata do estatuto dos juízes.
Isto sem colocar em causa, claro está, o acerto das escolhas - até porque, sem conhecimento dos critérios e dos procedimentos que levaram às mesmas (fora as generalidades que estão na lei), sobre isso só poderia falar de cor.
Pese embora o inopinado de tudo isto - que até foi antecipado em notícia de jornal, o que também já vem sendo hábito -, fica a esperança. A esperança de que as duas facções - a que agora parece ter por inimigo jurado as notas de rodapé nas sentenças (!?) e a outra, que já "enfiou a carapuça" - passem da guerra de palavras à guerra propriamente dita e, assim, se aniquilem mutuamente.
Reservado o direito de admissão
ramos de oliveira
O CSM não é uma empresa privada, nem dá tachos a granel.
O CSM é uma entidade administrativa SUBMETIDA ao C.P.A.
O C.P.A. aplica-se a TODOS os actos administrativos!
O C.P.A. aplica-se a todas as entidades administrativas!
Pode não se chamar CONCURSO, mas não se pode NUNCA fugir aos arts. 3º ss do C.P.A. e 266º da CRP!!!
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Nem LOFJ.
Nem o EMJ.
Nem o CPP.
Nem a CRP.
Nem a lei da gravidade.
Só se aplica o que a "iluminada" maioria do CSM decidir.
E o STJ sempre lavará as suas mãos, como Pilatos.
O sistema funciona, como também têm dito os senhores da ASJP.
A recente chuva de comunicados e "junk mail" afim, descansem, é só para consumo dos próprios e tudo acabará em paz, com uma revoada de licenças sabáticas e comichões de serviços em "pontos de contacto" europeus ou coisa que o valha.
E nós caladinhos, não vá acontecer tirarem-nos o nosso "pratinho de lentilhas".
Manda quem pode!
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e já agora
Que vergonha!...
Dois presidentes
Não mandariam as mais elementares regras da prudência prever um impedimento?
Qual a lógica de presidir a uma comarca onde exerce funções o seu cônjuge ou companheiro?
Que garantias de imparcialidade poderão ter os demais colegas? Uma coisa é certa, por nomeação dos pares nunca lá chegaria(m).....
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