A nomeação dos 23 juízes que vão presidir às novas comarcas de base distrital está a causar mal-estar na magistratura judicial. Pouco mais de 40 juízes foram considerados aptos para poderem gerir as comarcas, mas apenas 23 serão nomeados e os juízes não sabem os critérios que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) vai seguir para fazer esta escolha.
O Diário Económico sabe que a ausência de critérios para esta fase final do processo está a causar mal-estar entre os juízes e o CSM e até dentro do próprio órgão de gestão e disciplina dos magistrados existe controvérsia, uma vez que alguns membros propuseram, sem êxito, que fossem criados critérios objectivos.
Estes são os juízes que vão presidir às 23 novas mega-comarcas e que vão ajudar no terreno à implementação do Mapa Judiciário, a grande reforma de Paula Teixeira da Cruz, que arranca a 1 de Setembro. A nomeação dos 23 juízes devia ter ocorrido em Março - como diz a lei - para que pudessem preparar a entrada da reforma seis meses antes mas o processo de formação atrasou-se.
Em relação a estes juízes-presidentes a única condição que a lei da reorganização judiciária exige é que frequentem um curso de formação. Entre as disciplinas estão contabilidade, finanças e gestão.
Para poderem frequentar esta formação, o CSM impôs dois critérios: juízes com mais de 15 anos de serviço e uma avaliação de Muito Bom. Dos que frequentaram, 44 obtiveram aptidão e será deste bolo que sairão os 23.
É a fase final deste processo que está a indignar os juízes porque até à data, segundo apurou o Diário Económico junto desta magistratura, o Conselho não explicou como vai escolher. O Diário Económico perguntou ao órgão de gestão e disciplina dos juízes quais são os critérios que estarão na base da nomeação, mas o Conselho respondeu apenas com o critérios de acesso à formação, não referindo qualquer critério na fase final. Uma das possibilidades podia ser o recurso à nota final do curso de formação, mas os magistrados não foram avaliados quantitativamente, tendo apenas recebido "aptidão".
O mal-estar não existe apenas entre juízes e CSM mas prolonga-se ao próprio órgão de gestão. O Diário Económico sabe que alguns vogais levaram a plenário a recomendação de serem adoptados critérios previamente mas a proposta não teve vencimento.
O Diário Económico questionou o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) sobre a polémica mas Mouraz Lopes escusou-se a comentar, tendo apenas admitido que desconhece a existência de quaisquer critério para a nomeação.
Os 23 novos juízes-presidentes vão ter funções de gestão e responsabilidade acrescida na condução da comarca e respectivos tribunais. Terão a coadjuvá-los coordenadores do Ministério Público mas é aos magistrados judiciais que compete as principais competências de liderança.
Inês David Bastos | Diário Económico | 07-04-2014
Comentários (7)
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Os que estão no terreno desconhecem os verdadeiros critérios que vão presidir a toda a reforma...
Até agora, só se ouvem rumores ......
Naturalmente, a ausência de esclarecimentos não é inócua.... quando se desconhece como é que as coisas vão, de facto, acontecer, não há forma de, legitima e fundadamente, se apontarem falhas.....
Enfim, aguardando para ver como pára o baile!!!!!!
Tordesilhas I
Até recentemente, no interior da Magistratura Judicial pensava-se que existiam duas tendências, uma que representava o “antigo regime” (que nada tem a ver com o 25 de Abril, pois tudo isto se passa nos anos 80), de que foi o último arauto o Conselheiro Noronha do Nascimento, com uma visão mais conservadora, dos juízes mais velhos, dirigida por uma elite “aristocrática” e defendendo o resguardo e a preservação da essência da função de julgar e outra, que nasceu por oposição àquela, com a sua génese no movimento “Justiça e Democracia”, defendendo a participação de todos os juízes (com a tónica da abertura desta participação aos juízes mais novos) na discussão dos assuntos da classe e o ocaso imediato e radical da “promiscuidade” reinante entre o Conselho Superior da Magistratura (CSM) e a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), assente na blindada (a quem não pertencesse à elite) distribuição alternada dos lugares dirigentes das duas instituições, distribuição essa levada a efeito pela acima referida “aristocracia” da primeira tendência tranquilamente ao longo dos anos. (era a altura em que os juízes de círculo da mencionada 1ª tendência propunham aos juízes novos do seu Círculo Judicial a inscrição da ASJP e arregimentavam os respectivos votos sob a sua “tutela”, votando nas assembleias gerais com 10, 20 e 30 procurações)
O “Movimento” (chamemos-lhe assim), sem uma estrutura montada como a que a 1ª tendência já dispunha, começou por ser copiosamente derrotado nos primeiros actos eleitorais (para o CSM e para a ASJP) mas, paulatinamente, começou a ter maiores votações, até que, finalmente, conseguiu ganhar as eleições para a ASJP primeiro e depois, não de imediato mas após algumas eleições, para o próprio CSM.
Os mais ingénuos pensaram que, a partir dessa altura, as coisas iriam mudar e que, finalmente, os juízes teriam no CSM e na ASJP uma participação verdadeiramente democrática.
Foi sol de pouca dura, pois o que mudou foram, tão-só, as pessoas, não o sistema, que continuou com trocas de pessoas da ASJP para O CSM e vice-versa.
Tordesilhas II
A escolha dos próximos juízes presidentes das comarcas veio tornar claro que, afinal, as diferenças entre as referidas “tendências” são inexistentes e o que interessa é o exercício do poder ou, na perspectiva dos apaniguados das mesmas, a distribuição dos “tachos”.
É certo que o modelo que o poder legislativo escolheu para a gestão das comarcas sempre teve o perigo da instrumentalização dos juízes presidentes ao serviço de interesses inconfessáveis. Por isso, uma escolha destes juízes presidentes assente em critérios absolutamente objectivos e transparentes era um imperativo categórico.
Contudo, ao invés, as duas tendências de sempre, numa “União Nacional” histórica e inédita de “interesses comuns”, decidiram escolher previamente os seus próprios Dirigentes (basta, para o efeito, comparar a lista dos escolhidos com os corpos directivos da ASJP, MJD e Associação Fórum Justiça Independente para descobrir tais Dirigentes, sendo alguns, inclusive, ex-vogais do CSM e até candidatos não eleitos para tal órgão) e alguns amigos íntimos dos mesmos para cada uma das presidências, repartindo, não o Mundo, como no Tratado de Tordesilhas, mas o mundo das presidências das futuras Comarcas.
Claro que para “escolher” os respectivos Dirigentes e Amigos não poderia ser adoptado qualquer critério que não fosse a respectiva qualidade (e essa é inconfessável), pois o critério que servisse para um, não servia para outro e alguns deles nunca seriam de todo escolhidos, fosse qual fosse o critério adoptado.
Assim, quando a nova “União Nacional” ouviu o Conselheiro António Piçarra propor a adopção de “critérios” para a escolha, rejeitou de imediato a proposta com um eloquente vade retro satana...
Os Dirigentes e Amigos “escolhidos”, assim geneticamente fragilizados pela escolha sem critério e “pré-preparada a preceito” e com uma legitimidade mais do que duvidosa, serão os lídimos “representantes” das Associações que os designaram, controlando ferreamente o seu “colégio eleitoral” (os juízes sob sua tutela) para que o mesmo vote na Associação do seu presidente.
Se, até aqui, a conquista dos juízes de círculo era uma importante correia de transmissão para as mencionadas Associações dominarem eleitoralmente os juízes das comarcas, então no figurino da nova lei, em que os juízes presidentes virão a tutelar dezenas de outros juízes, tais Associações não poderiam desperdiçar a oportunidade histórica de controlar estes últimos através dos juízes presidentes que convenientemente “escolheram”.
Está, pois, montado o cenário para um remake da “caça às bruxas” do senador McCarthy na América dos anos 50, sendo aqui as “bruxas” não os comunistas mas os juízes que não pertencem à Associação do(a) Sr.(a) Presidente. Por outro lado, qualquer juiz que apenas queira fazer condignamente o seu trabalho, sem prestar vassalagem ao seu “Presidente” e à Associação que o “escolheu” verá a sua carreira em perigo com distribuições de serviço ad hoc, com inspecções “pré-preparadas”, com afastamento das escolhas nos concursos curriculares, etc...
Vamos entrar numa nova Idade das Trevas da magistratura.
Claro que neste “Admirável Mundo Novo” (ou seá 1984?) dificilmente haverá lugar para pessoas íntegras e com sólida espinha dorsal, como o Conselheiro António Piçarra.
Como nos diz Miguel Real, o derradeiro vencedor do jogo do mundo é invariavelmente o mal...
...
É tudo igual.
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