Ganhou a eleição para a presidência do STJ com uma votação recorde, mas garante que nunca lhe passou pela cabeça conquistar o lugar. E gosta pouco de aparecer
Dantes, assim que se entrava no site do Supremo Tribunal de Justiça, aparecia o rosto sorridente de Noronha do Nascimento, o anterior presidente, que se jubilou depois de ocupar quase todos os cargos na magistratura.
Agora, há uma cadeira vazia atrás da secretária do presidente. "Houve uma reformulação da página e eu não quis a minha fotografia lá", admite o primeiro procurador a chegar à presidência do Supremo.
Natural de Pampilhosa da Serra (no distrito de Coimbra), que continua a visitar religiosamente uma vez por semana e que descreve com evidente orgulho, Henriques Gaspar aceitou a entrevista ao Expresso, a primeira desde que chegou ao cargo, com uma condição: "Não falo da minha vida pessoal." Porquê? "Porque envolve outras pessoas que não querem que se fale e eu tenho de aceitar."
Discreto e talvez até tímido, este magistrado, que já representou Portugal na ONU e no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, foi apontado como futuro procurador-geral da República pelo menos três vezes.
"Comigo nunca houve nada, zero", garante. "Aparece o meu nome nos jornais, perguntava-me como é que aquilo aparecia, porque nunca houve rigorosamente nada." Eleito à primeira volta com um número de votos esmagador, Henriques Gaspar jura que nunca pensou ser presidente do Supremo. "Foram organizações e desorganizações do acaso. Nunca me passou pela cabeça tal coisa. No último ano houve um grupo de colegas que me fez sentir que gostaria que me disponibilizasse, alguns com uma intensidade que me comoveu, e foi assim que me disponibilizei. E submeti-me à decisão."
Sem muita apetência para a exposição mediática, o magistrado que quer pôr a Justiça a explicar as decisões que toma saiu do quase anonimato quando, em abril de 2006, assinou um acórdão que, mantendo a condenação de uma ama que maltratou crianças deficientes, afirmava que "uma bofetada a quente não se pode considerar excessiva" e questionava: "Qual o bom pai de família que não dá palmadas no rabo de um filho que se recusa a ir para a escola?" Ainda hoje não quer falar do caso. "Não era o relator, mas assinei a decisão e por isso não quero explicá-la."
Sócio da Académica de Coimbra com lugar cativo no estádio, onde no entanto ainda não foi esta temporada, Henriques Gaspar não consegue "qualificar-se" de esquerda ou de direita e diz que vota "conforme a leitura" que faz "em cada situação".
Pescava, mas desde que emprestou as canas a um amigo nunca mais voltou ao mar ou a um rio. "Gostava de ter um hobby".
Anda a ler "A Humilhação", de Philip Roth, a história de um ator que de um dia para o outro perde a autoconfiança e a capacidade de representar personagens.
Expresso | 25-01-2014
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