Justiça. Ministério não atualizou no sistema o aumento da taxa de retenção na fonte em vigor desde 2013, por falta de verbas. Valor que terá de ser 'devolvido' por advogados poderá chegar a 1,6 milhões de euros cobrados em sede de IRS
Os advogados oficiosos - que são pagos pelo Estado para defender em tribunal os mais carenciados pagarammenos impostos do que o legalmente previsto devido à ausência da atualização do sistema informático por parte do Ministério da Justiça (MJ).
Em causa a taxa de retenção na fonte - em sede de IRS -, que foi atualizada de 21,5% para 25% a 1 de janeiro do ano passado. Porém, nessa altura o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), organismo do MJ responsável pelo apoio judiciário, deveria ter feito a atualização dos 3,5 pontos percentuais a mais na tabela de retenção. Mas não chegou a fazer por falta de dinheiro. "O IGFEJ reconheceu que não teve verba para adaptar a plataforma informática de forma a fazer a adaptação à alteração legislativa de janeiro de 2013 que alterou a tabela de retenção na fonte", explica a bastonária da Ordem dos Advogados (OA), Elina Fraga. O DN tentou obter uma reação do gabinete da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, mas sem sucesso.
De forma a ultrapassar este bloqueio e as divergência dos valores declarados por advogados e os definidos eletronicamente pela Autoridade Tributária, é feito um acordo em março do ano passado entre o MJ e a OA no sentido de que os advogados emitiriam os recibos a 25% e que o IGFEJ debitaria na conta-corrente do advogado os 3,5 pontos percentuais que este tinha recebido "a mais".
"A Autoridade Tributária foi informada que era este o procedimento e que as divergências estavam explicadas à luz da falta de adaptação da plataforma do IGFEJ", disse a representante dos 28 mil advogados portugueses. Mas até 31 de dezembro do ano passado esse valor ainda não tinha sido reembolsado ao próprio Estado. "O que me faz pensar que as contas que o Instituto tem de apresentar ao Tribunal de Contas nem devem estar certas", explica a bastonária. "E quem suportou esse valor?... não se sabe", acrescenta.
Segundo está explicado no site da OA, "o Conselho Geral da Ordem dos Advogados está a envidar esforços junto da Autoridade Tributária e em especial junto dos Serviços de IRS, com o intuito de evitar futuros incómodos para os colegas inscritos no Sistema de Acesso ao Direito aos Tribunais, decorrentes de uma situação para à qual não contribuíram e são completamente alheios", explica a nota. Por ano, o Estado paga aos advogados oficiosos cerca de 46 milhões de euros. Ao que o DN apurou, o valor que agora terá de ser "cobrado" pelo MJ em sede desta atualização de retenção feita por advogados poderá ascender aos 1,6 milhões de euros. Embora a OA admita que essas contas não se possam fazer de forma linear "porque nem todos os advogados fazem retenção na fonte", explicou fonte do Conselho Geral da Ordem dos Advogados. "Isto até parece que somos nós os faltosos e que estamos a fugir ao fisco", explica o advogado Pedro Morais, em declarações ao DN. "A verdade é que isto é um absurdo porque gerou-se aqui uma confusão de números e valores por omissão do Governo...", concluiu o jurista com escritório em Lisboa.
Só de janeiro a 2 de abril deste ano foram feitas 85 mil oficiosas, no valor total de 26 milhões de euros. Este ano, o Ministério da Justiça já pagou 17,5 milhões de euros em honorários de advogados em sede de apoio judiciário. No total, estão inscritos mais de 12 mil advogados no sistema, gerido pela Ordem dos Advogados através da plataforma informática SINOA.
DADOS
OFICIOSAS FEITAS
> Desde janeiro até à semana passada (dia 2) foram realizadas 68 417 defesas oficiosas por advogados para representar arguidos que recorreram ao Estado.
PAGAMENTO
> No dia 2 deste mês, o Ministério da Justiça tinha pago 17 495 821,75 euros em honorários de advogados em sede de apoio judiciário.
DENÚNCIAS
> Das 17 mil denúncias feitas pelo Ministério da Justiça em 2011, relativas a irregularidades nos pedidos de pagamentos de advogados, só 424 seguiram para investigação. Até agora, foram decididas 140 queixas (116 já estão arquivadas). Só seis casos foram a julgamento.
DESPESA
> O Estado gasta cerca de 46 milhões de euros por ano nos pagamentos em sede de apoio judiciário atribuído aos mais carenciados.
20 milhões em falta por honorários atrasados
O Ministério da Justiça deve aos advogados oficiosos mais de 20 milhões de euros por 67 mil defesas oficiosas feitas desde 2008 até ao dia 2 deste mês. Segundo dados avançados ao DN pela Ordem dos Advogados (OA), apesar da fatia mais significativa dessa dívida ser relativa a serviços prestados já este ano (52 mil pedidos que contabilizam um total de 16,5 milhões de euros), a verdade é que ainda existem valores em falta que remontam a 2008 e 2009 (13mil euros). No total estão por pagar 26 mil euros por 85 672 oficiosas feitas por advogados inscritos no Sistema de Acesso ao Direito, sendo que 20 mil já estão vencidos (ver tabela ao lado). O DN tentou junto do Ministério da Justiça confirmar este valor, mas sem sucesso.
Em 2011, a ministra Paula Teixeira da Cruz mandou efetuar uma auditoria a 17 mil alegados pedidos fraudulentos referentes ao apoio judiciário. Mas, dois anos depois, só seis destes casos foram alvo de acusação por parte do Ministério Público. Segundo dados oficiais avançados ao DN, em maio do ano passado, apenas 424 queixas acabaram por ser investigadas. Desde então que o MJ institui um sistema de confirmação dos pedidos dos advogados a cargo dos secretários judiciais nos tribunais.
Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 07-04-2014
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