Os advogados da área tributária, mandatários de acções contra o Fisco estão a ser surpreendidos com uma inesperada informação: na sua página pessoal do Portal das Finanças, na área reservada ao contencioso tributário, aparece uma listagem exaustiva de todos os processos em ° que intervêm, incluindo os que estão em curso e os findos, bem como o objecto, os fundamentos, a situação, o valor e o nome dos mandantes. Ásurpresa é maior porque, dizem os vários fiscalistas contactados pelo Negócios, nunca foram notificados de tais procedimentos e não entendem a sua utilidade.
António Jaime Martins, presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem advogados, admite que não fazia ideia de que essa listagem existisse. "Nunca recebemos qualquer oficio ou notificação de que tal passaria a acontecer", afirma, considerando que "não faz sequer sentido numa página pessoal, reservada a informação sobre a situação fiscal do advogado, aparecer também informação de natureza profissional".
Para o presidente do Conselho Distrital, esta opção das Finanças "é absolutamente inadmissível", além de que configura "uma situação de controlo daquele contribuinte advogado perante a Administração Fiscal". E, acrescenta, "um controlo discriminatório", uma vez que apenas abrange os advogados que litigam com o Fisco. "Não sei se o objectivo é esse, mas não vejo que a utilidade possa ser outra", conclui.
Advogados "estupefactos"
Entre os vários advogados da área fiscal contactados pelo Negócios, a expressão mais repetida foi "estou estupefacto". Samuel Fernandes de Almeida, da Miranda, não descortina, à partida, nenhuma ilegalidade, mas diz não perceber o objectivo, uma vez que toda aquela informação já está disponível no sistema informático dos tribunais, a que os advogados têm acesso. "Este Portal é para uso pessoal, não é para eu praticar a minha actividade", contrapõe Serena Cabrita Neto, da PLMJ. Além disso, acrescenta, "os próprios clientes não sabem que esta informação vem para a nossa página pessoal". Por outro lado, salienta Samuel Fernandes de Almeida, o mais preocupante será mesmo a possibilidade de uma violação do sigilo fiscal.
A Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é também o sigilo o que mais preocupa. Porque, afirma, "o facto de todos os funcionários da Administração tributária (cerca de 12.000) passarem a ter acesso a esta informação privilegiada na área pessoal do advogado contribuinte do portal das Finanças, permite, ou pode permitir, a transmissão e fuga de informação privilegiada". Por outras palavras, "consubstancia invasão (inadmissível) na esfera pessoal do contribuinte e do advogado, o que poderá culminar na quebra (involuntária que seja) do sigilo profissional". Já Nuno Oliveira Garcia, da Morais Leitão, lembra que "esta informação potencia um controlo da actividade, isso sem dúvida". Afinal, concretiza, o Fisco percebe perfeitamente quais são os advogados que têm mais processos contra o Fisco. "A intenção, legitima, do combate à fraude e evasão fiscais não podem justificartudo",conclui Rogério Fernandes Ferreira "Os avanços registados, e os que ainda se esperam, poderão dar azo a verdadeiro clima de "bigbrother" tributário", afirma o exsecretário de Estado.
É um serviço para os advogados, diz o Fisco
Apesar de a grande maioria dos fiscalistas desconhecer a existência da listagem e de nunca lhe ter dado uso, o Ministério das Finanças explica que esta está disponível desde 2010, com acriação do Sistema Informático de Contencioso Judicial Tributário. "O único objectivo", explica fonte oficial, é o de "prestar um melhor serviço aos contribuintes e respectivos mandatários e evitar deslocações desnecessárias aos serviços de finanças, disponibilizando neste Portal a mesma informação que o contribuinte, ou o seu mandatário, obteria no serviço local de finanças".
Esse acesso, sublinha a mesma fonte, "só ocorre mediante prévia autenticação com senha individual de acesso, aos processos em que os contribuintes são parte, ou em que os advogados são mandatários". As Finanças também reconhecem que "o acesso à informação dos processos está também disponível no SITAF [sistema informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais] para os advogados constituídos nos processos" de onde vem, aliás, a informação que depois é incluída nas páginas pessoais dos advogados.
Filomena Lança | Jornal de Negócios | 26-03-2014
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