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REVISTA DE 2014

Polícia proibida de investigar telefonemas feitos há um ano

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A Procuradoria-Geral da República e a Polícia Judiciária estão a discutir o impacto em Portugal de uma decisão tomada em abril pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que considerou"inválida"aconservação, por um ano, dos registos de chamadas telefónicas e de comunicações pela internet.

A polícia habitualmente solicita estas informações às operadoras de telecomunicações, que as entregam, como ainda ontem a Vodafone confirmou ao revelar que Portugal está na lista de 20 países cujos serviços secretos (que não têm mandato legal para o fazer) pediram dados dos clientes. Os juristas consultados pelo Diário de Notícias concordam que a decisão da justiça europeia impede as autoridades de aplicar a lei portuguesa que, até agora, tem permitido esse tipo de investigação.

Dados. Tribunal de Justiça da UE considera que diretiva, que permite conservar informações telefónicas e da internet durante um ano, se "imiscui" de forma "especialmente grave" nos direitos fundamentais

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) considera "inválida" a conservação de dados móveis e de internet pelas empresas de telecomunicações, que segundo alei portuguesa têm de o fazer duranteo período de um ano. Está agora por esclarecer o impacte do acórdão em Portugal, que poderá assim estar em situação ilegal ao violar o direito europeu. Em causa, dizem os juizes do TJUE, estão os direitos fundamentais quanto à privacidade e ao sigilo.

O acórdão suscita, desde já, reações diversas por parte de especialistas do direito e investigadores da Polícia Judiciária (PJ). Ora, o crime deixa pistas na tecnologia usada no dia-a-dia, e, ainda ontem, o grupo de telecomunicações mundial Vodafone revelou que Portugal está entre os 20 países cujos "serviços secretos" pediram dados de clientes. Contactadas as três operadoras nacionais, nenhuma comentou o acórdão até ao fecho desta edição.

Perante esta complexidade, a Procuradoria-Geral da República, em colaboração com a PJ, organiza, dia 27, através do Gabinete Cibercrime, um workshopem que se discutirá, designadamente, a retenção de dados de tráfego após este acórdão do TJUE. A obtenção de prova eletrónica é, aliás, crucial para as polícias.

A Lei 32 /2008 obriga as empresas de telecomunicações a entregar àpolícia os registos relativos a chamadas telefónicas e acessos à net, incluindo os dados pessoais dos assinantes e/ou utilizadores das redes públicas de comunicações. Esta lei transpôs uma diretiva comunitária que, em abril, o TJUE declarou "inválida" a pedido do Supremo Tribunal da Irlanda e do Tribunal Constitucional daÁustria. O TJUE assume que a diretiva se "imiscui" de forma "especialmente grave" nos direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais e é "suscetível" de gerar a sensação de que a vida privada é objeto de vigilância constante, pois a conservação e posterior utilização dos dados é feita sem que o assinante seja informado.

Francisco Pereira Coutinho, especialista em direito europeu e docente no Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, não tem dúvidas: "A partir deste momento, os tribunais e a Administração portuguesa não podem aplicar a lei porque ela viola o direito da União Europeia e, em concreto, a Carta dos Direitos Fundamentais." E refere que a questão é "bizarra" uma vez que a lei portuguesa continua em vigor embora a diretiva europeia tenha sido revogada. "A decisão do TJUE não implica a revogação da lei nacional."

Mas o Estado, acrescenta, arrisca uma "cascata de processos" uma vez que qualquer arguido poderá agora invocar que está a ser condenado com base em prova obtida de forma "inválida" à luz do direito europeu. "Os tribunais portugueses têm a obrigação de não aplicar esta lei na parte em que o Tribunal de Justiça da União Europeia considera que são violados os direitos fundamentais dos cidadãos". "Nem sequer vale a pena olhar pára os problemas constitucionais portugueses. Esta é uma questão de direito da União Europeia que também protege os nossos direitos fundamentais", refere. Também o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, ex-presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, reconhece que a decisão do TJUE "terá de ter implicações" na nossa lei. "Se a diretiva não é válida, se é considerada ilegal, isso pode obrigar à sua não aplicação."

Posição diferente tem Carlos Cabreiro, coordenador de investigação criminal da Polícia Judiciária, segundo o qual a decisão da Justiça europeia "não terá consequências" ao nível jurídico português. "Temos uma lei que atribui incumbências aos operadores de comunicações e estabelece regras de acesso aos dados. [O facto de] a diretiva ser considerada inválida não tem consequências para a aplicação da lei em Portugal", disse Carlos Cabreiro, no V Simpósio de Segurança Informática e Cibercrime, realizado recentemente no Instituto Politécnico de Beja.


ENTREVISTA: FELIPE PATHÉ DUARTE
Porta-voz do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo o professor universitário, a manutenção dos dados de comunicações móveis e neté um assunto pertinente na luta contra a cíbercriminalidade. Tem de se encontrar o equilíbrio entre a investigação e os direitos dos cidadãos: "Criminalidade vê-se potenciada pela sociedade em rede"

- Que importância tem para a investigação criminal que as operadoras conservem os dados de comunicações móveis e net?
- Qualquer iniciativa de cooperação no combate à criminalidade é louvável. No caso específico da cibercriminalidade, revela-se altamente pertinente, sobretudo se tivermos em conta que a prática forense requer evidência de provas cujo primeiro rasto poderá ser encontrado nesses mesmos dados.

- O Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que essa medida viola os direitos dos cidadãos. O que pode pesar mais, esses direitos ou a investigação criminal?
- O jogo de equilíbrio entre segurança e liberdade é marca indelével de uma sociedade aberta. O peso em cada prato dependerá do contexto, da dimensão do problema, assim como da sua valorização política. Resta a sapiência de uma maturidade democrática que pode garantir segurança sem pôr em causa direitos dos cidadãos.

- O conhecimento destes registos de comunicações, por parte das polícias, são mais relevantes em que tipo de criminalidade? .
- E preciso lembrar que vivemos, numa sociedade em rede muito marcada pelas tecnologias de informação e comunicação (TIC). Ou seja, se por um lado as TIC constróem realidades, por outro também podem intensificar realidades que já existiam. Há aspetos nas TIC que poderão criar novos elementos ou caracterizações específicas aos que já existiam. Como tal, este campo de atuação abrange todos os tipos de criminalidade, que, no geral, se vê potenciada por este tipo de sociedade.

- As polícias podem aceder a estes dados diretamente?
- Possivelmente deverão seguir a prática da lei geral. Em conceito, a ação não difere das outras formas de investigação criminal, variando apenas o campo de atuação. Além disso, os órgãos de polícia criminal só podem aceder aos dados quando estão autorizados por um juiz no âmbito de um inquérito em curso.

RELATÓRIO - ONU denunciou escutas a mais em Portugal

>A Organização das Nações Unidas (ONU) denunciou, em maio, que Portugal é um dos países que mais fazem escutas telefónicas, em sede de investigações criminais. Segundo a organização, "devido à natureza desta técnica de investigação [as escutas], mesmo nas situações de cooperação internacional e quando haja suspeita de crime, o recurso a agentes encobertos e escutas telefónicas tem de ser decidido caso a caso e apenas quando necessário". O relatório, divulgado pelo Ministério da Justiça, faz parte de uma avaliação feita pela ONU no combate à corrupção nos vários países. Nesse documento, Portugal foi ainda notificado para a necessidade de criminalizar o enriquecimento ilícito, a imunidade que deve ser dada a quem denunciar e ajudar as autoridades na investigação e a especialização de juizes que tomam decisões sobre os crimes de cariz económico. Todos os anos, em média, são feitas 13 mil escutas telefónicas.

Snowden pode ter menos do que se julga espionagem Primeiras denúncias foram feitas pelo antigo analista há um ano. Responsável admite que danos foram "profundos"

O analista informático Edward Snowden pode ter menos documentos confidenciais da Agência de Segurança Nacional (NSA) do que a administração norte-americana calculou inicialmente, afirmou ontem o diretor dos serviços de informações dos Estados Unidos ao The Washington Post.

"Ainda estamos a investigar, mas pensamos que muito do que viu não conseguiu tirar", disse James Clapper, acrescentando que, embora menores do que o esperado, os danos provocados pela fuga de informação são "profundos".

Snowden, que trabalhou como analista para a NSA, revelou milhares de documentos confidenciais que expõem a existência de sistemas de espionagem em massa de comunicações de cidadãos.

As escutas feitas pelos serviços de informação dos Estados Unidos atingiram também líderes políticos, como a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, ou a chanceler Angela Merkel, que fizeram duras críticas aos EUA. Esta quarta-feira, a justiça alemã anunciou a abertura de uma investigação às escutas ao telemóvel de Merkel.

Barack Obama prometeu reformar o sistema de vigilância da NSA e que os telemóveis de líderes dos países aliados não voltariam a ser escutados. "Exceto se a nossa segurança nacional estiver em jogo", ressalvou o Presidente dos Estados Unidos.

Um ano depois das primeiras revelações, a 5 de junho de 2013, no jornal britânico The Guardian, novos dados sobre a NSA continuam a ser publicados.

No domingo, o TheNewYork Times noticiou, citando documentos de Edward Snowden, que a NSA recolhe diariamente milhares de imagens pessoais intercetadas em comunicações eletrónicas para usar em programas de reconhecimento facial.

LUÍS GODINHO e PAULA CARMO | Diário de Notícias | 07-06-2014

Comentários (3)


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Caso de Polícia
«... conservar informações telefónicas e da internet durante um ano, se "imiscui" de forma "especialmente grave" nos direitos fundamentais»

E as escutas efetuadas no âmbito de processos INVENTADOS por aqueles outros, dotados de um hiper mega giga mérito, com o intuito de cuscar a vida privada de pessoas honestas - que vivem do seu trabalho - e fazê-las pagar pelas suas frustrações e recalcamentos m£rdosos?...
Giulia , 07 Junho 2014 - 19:35:00 hr.
...
«Tribunal de Justiça da UE considera que diretiva, que permite conservar informações telefónicas e da internet durante um ano, se "imiscui" de forma "especialmente grave" nos direitos fundamentais».

Não conheço a fundamentação do acórdão, mas, à primeira vista, parece ser uma decisão desproporcionada, pois esta decisão beneficiará, sem dúvida e muito, os criminosos.
Digo isto porque, pessoalmente, pouco me importa que os meus dados electrónicos fiquem retidos um ano ou dois ou três.
Mas admito que mais valha prevenir que não poder remediar; que haja razões para uma tal decisão que escapam ao conhecimento comum dos cidadãos.
Alberto Ruço , 09 Junho 2014 - 00:35:49 hr.
luz estelar
Como é que uma criatura envolvida, até à medula, nas teias do crime [crime do mais esc@broso que há] consegue passar pelo crivo [pretensamente fino, do mais fino e criterioso que há] supostamente conducente à seleção dos melhores perfis, em termos técnicos e humanos, para o exercício de funções que envolvem algo tão importante e determinante para a paz social, como a administração da Justiça?!...

O que terão, de tão embaraçoso, os rituais de certas sociedades secretas, digo, discretas, que comprometem, de forma tão gravosa, a acuidade visual dos seus praticantes na deteção de falhas na conduta ética / moral dos candidatos a cargos de tão elevada responsabilidade, como... [refiro-me a patamares intermédios]... ... ?...
Giulia , 13 Junho 2014 - 16:33:07 hr.

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