Em dez anos, os secretários judiciais baixaram de 9446 para 7180. Reforma ou mudança de carreira na função pública explicam quebra. Nos últimos cinco anos saíram 700. Ministra espera aval das Finanças para 400 contratações
Os funcionários judiciais são a única carreira jurídica - comparando com juízes e procuradores - que têm perdido profissionais de ano para ano: de 7839 em 2008 passaram para 7180 em 2012, agravando uma redução que começou em 2003 e que aumenta a lentidão dos tribunais. A sua atividade é indispensável, pois podem marcar julgamentos, redigir inquéritos ou despachar processos.
A ministra da Justiça já assumiu a gravidade da situação, tal como a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. Paula Teixeira da Cruz prometeu um concurso para 400 vagas, mas espera o aval das Finanças. Sindicato dos Funcionários Judiciais garante que são precisos já 500 a 600 profissionais.
Dois mil funcionários judiciais deixam tribunais em dez anos
Condições de trabalho pouco aliciantes levam a saídas, o que causa bloqueios no andamento dos processos. Ministra garante 400 colocações em breve, mas depende das Finanças
Nos últimos dez anos mais de dois mil funcionários judiciais deixaram a carreira seja por reforma ou porque optaram por pedir transferência para outro setor da função pública. Concretizando: em 2003 estavam 9446 profissionais a despachar processos e em 2012 eram 7180. Ou seja, menos 2266. Os dados - avançados pela Direção-Geral de Política de Justiça - mostram que de 2008 a2012 desistiram da profissão quase 700 profissionais, cerca de 10% do universo de oficiais de Justiça.
O que contribui para o arrastamento de processos nos tribunais e a cada vez maior lentidão na justiça. Sendo que o ministério de Paula Teixeira da Cruz aguarda o aval das Finanças para a abertura de concurso para 400 vagas.
Contas feitas, esta torna-se a única profissão jurídica - comparando com juizes, procuradores, advogados e agentes de execução - que tem vindo a perder elementos de ano para ano. Atividade que desempenha tarefas indispensáveis como marcar julgamentos, redigir inquéritos de arguidos ou despachar processos dentro do prazo. Em inquéritos-crime chegam a interrogar arguidos, substituindo assim alguns magistrados do Ministério Público.
O Tribunal de Vila Real de Santo António, no Algarve, espelha esta realidade. Dos mais de 15 oficiais de Justiça responsáveis pelo andamento da secção criminal que existiam em 2003, atualmente sobram seis. Isto num departamento que tem seis mil inquéritos-crime pendentes. Porém, segundo avançou Fernando Jorge, do Sindicato dos Funcionários Judiciais, o Conselho Superior da Magistratura colocou recentemente nesse tribunal quatro novos magistrados. "Não faz sentido que o número de funcionários seja apenas seis, menos d o que os juizes", explica o sindicalista ao DN. Feitas as contas, os 7839 registados em 2008 desceram para 7180 no ano passado. Já os magistrados - quer judiciais quer do Ministério Público - aumentaram 5,4% e 16,4%, respetivamente.
Queixas da PGR
Apesar de o número de juízes (1803) e procuradores (1474) ser menor do que o de funcionários a trabalhar nas secretarias judiciais, a carência destes profissionais já foi apontada pela ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, e a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, como um grave problema na Justiça. Há dois meses, no Parlamento, afirmou que "a falta de funcionários está a transformar-se num problema grave que pode impedir, de uma forma gravosa, que o Ministério Público exerça as suas funções".
A ministra da Justiça também admitiu, em abril, que "a necessidade de recurso humanos na Justiça é gravosa mas estamos na situação financeira que estamos e portanto não temos muito a fazer". Há quatro semanas, Paula Teixeira da Cruz prometeu a abertura de 400 vagas.
No final de 2012, cada funcionário tinha, em média, 270 processos para despachar. Quase o dobro dos atribuídos aos procuradores do Ministério Público (143). "Todos os dias esta fatia cresce e nós acabamos por fazer muitas horas extraordinárias que nem nos pagam, por uma questão de brio profissional", explicou ao DN Tiago Silva, funcionário da comarca de Lisboa.
A falta de condições aliciantes para exercer a atividade e a falta de vontade política na abertura de concursos (ver entrevista) estão na origem desta descida. Ao contrário da carreira da magistratura em que todos os anos o Centro de Estudos Judiciários lança novos cursos. Mesmo os concursos lançados recentemente têm estado envoltos em polémica (ver caixa).
Nos últimos cinco anos, o Estado já foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a pagar 17 milhões de euros por atrasos na Justiça
300 profissionais com lugar em risco
Em 2007, um concurso colocou mais de 300 funcionários públicos a desempenhar funções essenciais nos tribunais como despachar processos. Nessa lista constavam ex-cozinheiros, polícias, militares, motoristas ou assessores de autarcas que passaram a marcar julgamentos, redigir inquéritos de arguidos e despachar processos nas secretarias dos tribunais, após um período de formação de três meses, Porém, a saída de profissionais da carreira levou o Sindicato dos Oficiais da Justiça (SOJ) a levar o concurso, alegando não ter bases legais, ao Tribunal Administrativo de Lisboa, obtendo uma decisão favorável no final de outubro. Agora, estas três centenas de profissionais da administração pública estão com o lugar em risco devido a esta sentença que já foi confirmada em segunda instância.
4 PERGUNTAS A...
FERNANDO JORGE - Sindicato dos Funcionários Judiciais
"Precisamos de uns 600 oficiais para os tribunais"
- Porquê esta descida acentuada?
- O desempenho das funções de funcionário de Justiça deixaram de ser aliciantes. Há uns dez anos, as contrapartidas eram aliciantes, agora não são. Basta ver que agora há funcionários que pedem transferência para a Polícia Judiciária ou Finanças mal podem. No último concurso que abriu para colocações nas repartições de Finanças foram 300 oficiais de Justiça que pediram transferência...
- E há falta de iniciativa política para abertura de concursos?
- Claro que sim, já sabemos que sim. Porque é que há vagas todos os anos para o Centro de Estudos Judiciários - que forma juizes e procuradores do Ministério Público - e não há para os funcionários? O Ministério da Justiça sabe que faltam, já o assumiu e tem vontade política de mudar a situação mas as Finanças é que têm a última palavra.
- Quantos funcionários fazem falta nos tribunais?
- Há dez anos existiam quase mais dois mil do que os que existem atualmente nas secretarias judiciais. Para não ser acusado de demagogo, não vou dizer que agora precisamos desses dois mil mas pelo menos 500 ou 600.
- Quais as comarcas mais dramáticas?
- Isso é difícil de dizer... a verdade é que hoje faltam funcionários no País todo. Mas talvez Lisboa seja um caso preocupante porque há uma pendência processual muito alta. A Direção-Geral da Administração da Justiça tem remendado nos sítios mais dramáticos. Tira dali para pôr acolá e isso acaba por resultar apenas a curto prazo.
Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 02-01-2014
Comentários (4)
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Veja-se o ultimo movimento de funcionários, em que na mesma cidade havendo dois lugares para a mesma categoria para os tribunais atrás mencionados, foi preenchida a vaga no tribunal adminstrativo, ficando a vaga do tribunal judicial por preencher.
É caso para perguntar se uma Técnica de Justiça Adjunta, com mais de vinte anos de serviço e sempre com experiencia nos tribunais judiciais, faz mais falta no Tribunal Administrativo ou no Tribunal Judcial, sabendo-se que no TAF, a função daquela senhora funcionária será de tirar fotocópias e elaborar uma meia duzia de oficios por dia.
Bom ano novo
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