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REVISTA DE 2014

Um tribunal em questão

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Passos Coelho não chamou ao Tribunal Constitucional "força de bloqueio", como em tempos fez o atual Presidente da República quando era primeiro-ministro, englobando-o entre outras entidades. Nem pediu a sua extinção, como fizeram alguns dos seguidores de Cavaco Silva, por essa mesma época. Tão pouco se queixou, como outro seu antecessor, Durão Barroso, de que este tribunal era "pior do que o Conselho da Revolução". Mas foi feroz e controverso.

Depois de no ano passado reclamar "bom senso" aos juizes do TC, o primeiro-ministro veio agora considerar que estes devem ser sujeitos a "um escrutínio muito maior do que é feito até hoje", sem todavia especificar com que critérios ou se estaria a relançar a ideia de uma eventual revisão constitucional. Questionou-se como numa "sociedade com transparência e maturidade democrática" se podem conferir "tamanhos poderes a alguém que não foi escrutinado democraticamente" e reclamou "melhores juizes". Algo que, explicou mais tarde a vice-presidente do PSD, Teresa Leal Coelho, passaria não só pelos candidatos terem bons currículos, como também "noção da realidade" ou darem "valor ao princípio da sustentabilidade".

A coligação conformou-se mal com com o chumbo do Constitucional e disparou em vários sentidos. Não disse que não cumpriria, mas alegou que o acórdão apontava no sentido dos impostos como única via alternativa ao corte dos salários, citando uma passagem do texto. E suscitou um mal esclarecido pedido de aclaração, uma figura inexistente juridicamente, que foi aprovado na Assembleia da República pela maioria, ao arrepio da vontade das partes no pedido de fiscalização ao tribunal, isto é, os deputados do PS, PC e Bloco.

Passos Coelho interrogou-se sobre a eventual falta de escrutínio democrático dos juizes do tribunal, mas desde que se tornou líder do PSD, em março de 2010, já ratificou a escolha de quatro, três da área política da coligação e outro do PS. A maioria dos juizes é escolhida pelo Parlamento (ver texto abaixo), por maioria de dois terços, depois de ouvidos na primeira Comissão. "Se não foram mais escrutinados, é porque os partidos não quiseram", sublinhou ao Expresso o constitucionalista Tiago Duarte. Jorge Miranda indignou-se e perguntou se o primeiro-ministro pretenderia a unanimidade.

A maioria acusa o tribunal de ter uma "agenda política", de ter "decidido politicamente", acolhido e usado argumentos políticos, num acórdão que devia conformar-se ao estritamente jurídico, em suma, acusa-o de "ativismo judicial". A discussão dos limites entre as esferas do político e do jurídico no âmbito dos tribunais é velha de séculos entre os juristas e, aparentemente, sem solução. Num órgão que tem por missão escrutinar normas ou medidas do poder político, é difícil estabelecer fronteiras e ninguém nega a dimensão política da ação do TC. Mas as opiniões dividem-se.

Inevitável contaminação

A Constituição, de que o tribunal é o suposto "guardião", "é o estatuto jurídico do sistema político", dizia ao Expresso o deputado socialista e também constitucionalista Vitalino Canas. "É uma área melindrosa e é quase inevitável a contaminação, a partir da altura em que o tribunal avalia o orçamento, expressão máxima da reserva do político", afirmou por sua vez Pedro Bacelar Vasconcelos, que acentua a inexistência de clivagens político-partidárias entre os juizes, como se verifica pela maioria de 10-3 que votaram a inconstitucionalidade da medida mais contestada, relativa aos cortes salariais da função pública.

"O TC por natureza não é ativista, é passivo", diz a também socialista e constitucionalista Isabel Moreira, "que só pode apreciar normas que lhe submetem". A deputada vê em todo o processo uma "manobra política de afronta ao TC, independente do acórdão" que supostamente lhe deu origem. "Se o Governo tivesse realmente dúvidas não envolveria o Parlamento e a seu tempo enviaria discreta e informalmente ao tribunal um pedido de esclarecimento", sublinha. Só o facto de a maioria levar ao Parlamento o pedido de aclaração já representa, em si, a politização que ela própria condena. Outra é a ideia da maioria, que chama à colação a declaração de voto de vencida da vice-presidente. Maria Lúcia Amaral afasta-se "radicalmente" da decisão, alegando que o tribunal "invadiu um campo que pertencia ao legislador", não seguindo um "controlo de evidência". Acusa-o de dar um "passo de gigante" na interpretação do princípio da igualdade, "não deixando para o futuro qualquer bússola orientadora sobre o conteúdo da sua própria jurisprudência".

O constitucionalista Vieira de Andrade concorda, considerando que o TC devia ser mais claro e que entrou em "terreno resvaladiço". Cita o exemplo do princípio da razoabilidade a que o tribunal apela, o qual na sua opinião é tendencialmente político. Questiona, como outros, a decisão sobre a constitucionalidade da suspensão dos complementos de pensão, que no seu entender fere claramente o princípio da proteção da confiança. Quanto ao seu colega Luís Pereira Coutinho, não tem dúvidas: o TC trilha um caminho de ativismo desde a fiscalização do orçamento de 2012, quando inverteu a linha de contenção que até aí o norteou.

Luísa Meireles | Expresso | 07-06-2014

Comentários (6)


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Curioso. Apesar de todas as deisões do Tribunal Político (vulgo TC), os 10% da retmenração nunca voltaram e desconfio que nunca voltarão... Princípios da confiança e da igualdade, para esses senhores, só valem até 1.500 euros, daí para a frente não. Por exemplo, o senhor gerente do Millennium BCP qque ganha muito mais que eu, leva um corte agora e será reíntegrado com juros dentro de 3 anos; eu, pela minha parte, vou ali e já volto!
inconstitucional , 09 Junho 2014 - 01:45:12 hr.
Partidocracia

"... poderes a alguem que não foi escrutinado democraticamente..."

Ora aqui está a introdução de um conceito deveras interessante: Acaba-se com a designação e passam os cidadãos a eleger por voto directo os residentes do palácio Ratton!
Insanojuridico , 09 Junho 2014 - 17:19:21 hr.
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É curioso, pois não existe uma eleição para primeiro ministro, para presidente da AR, para PGR, para chefe EMFA, para ministro...
Li , 09 Junho 2014 - 22:05:54 hr.
...
A capa do DN é, em si mesma, assunto de notícia.
De um lado tem "Passos diz que última tranche depende do TC". No meio tem a perna do Ronaldo. Do outro lado tem "Estado paga 20 milhões todos os anos por erros da Justiça".

Já agora, se compararmos os erros dos três poderes soberanos do Estado - Justiça (tribunais), Legislativo (AR) e Executivo (Governo) -, gostava de saber quais são os erros que nos saem mais caros... Os erros da Justiça pedem meças, pela positiva, aos custos dos erros do Governo (incluindo os custos de demissões irrevogáveis) ou da AR. E também podem por os erros do PR no pacote...
Frescas , 10 Junho 2014 - 10:30:11 hr.
...
Está aqui: http://www.dn.pt/DNMultimedia/DOCS+PDFS/CAPAS 2014/Capa10junho.pdf
Frescas , 10 Junho 2014 - 10:31:48 hr.
quem tem mais poderes?
Já agora: quem tem mais poderes, os bancos centrais ou o TC?
E qual a origem democrática e o escrutínio democrático do BCE ou do BP?
ABC , 10 Junho 2014 - 17:06:09 hr.

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