Falta acesso a deficientes, ausência de ar condicionado, casas de banho com mau cheiro, Hirtos no próprio tribunal. Retratos de uma justiça em tempos de austeridade.
Em Outubro de 2013, o quadro da electricidade do Tribunal Judicial de Sesimbra começou inesperadamente a deitar fumo. Os equipamentos eléctricos estalaram, as luzes e os computadores apagaram-se, o segurança correu a ver o que se passava e lá se desligou tudo antes que o estrago fosse maior. Era um dia de manhã, com muito pouca gente ainda por lá, chamou-se à pressa o electricista, o quadro, que ainda era daqueles manuais, foi substituído, e a vida continuou. Não haveria aqui grande história se, seis meses depois, o ar condicionado do tribunal, uma das vítimas do curto-circuito, não continuasse desligado, com os magistrados e funcionários a prepararem-se para um inicio de Verão difícil no edifício, localizado na falésia da baía de Sesimbra e com uma bela vista de mar.
Susana Ferreira, juíza presidente, já se habituou aos problemas, tal como o restante pessoal. No seu gabinete, com uma grande varanda, as portas raramente se abrem e estão vedadas com fita-cola, para não deixar passar o vento, que por ali é forte. As fichas dos computadores não podem estar no chão, porque quando chove entra água e há o risco de se molharem, por isso estão devidamente arrumadas dentro de caixas, ao lado das mantas que já passam lá o ano e que servem para absorver a água que vai entrando.
"Estamos aqui provisoriamente desde 1985", explica a magistrada, com um toque de humor, e como quem diz que "o que não tem remédio, remediado está". Estão prometidas obras, mas serão faseadas e só lá para o final de Agosto estarão concluídas. E serão apenas obras de manutenção. Mudança de caixilharias, chão, fissuras e, esperam reparação do ar condicionado.
Sesimbra é talvez um dos piores casos, mas está longe de ser caso único, lamenta Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses (ASJP). Se é certo que há instalações muito boas, reconhece, estes casos são sinais da austeridade, mas "uma dimensão de austeridade que não se encontra na própria administração pública em institutos, nos reguladores... nada disto se compara, a nível de instalações, com os tribunais, que são claramente o parente pobre", afirma.
A esperança do novo mapa judiciário
Mouraz Lopes tem uma longa lista de tribunais com problemas. A ASJP tem acompanhado a questão e feito levantamentos por todo o País. Espera agora que a instalação do novo mapa judiciário venha resolver pelo menos uma parte. O Ministério da Justiça tem várias obras programadas, muitas já em curso e a previsão é gastar 39,6 milhões de euros até 2015. Mas uma parte substancial destina-se a adaptar os edifícios que precisam de intervenção no âmbito do novo mapa judiciário, que entrará em vigora 1 de Setembro. Esses são agora o alvo prioritário, o que deixa para os outros as intervenções mais rápidas e só para as coisas urgentes.
Sesimbra não é prioritário, tal como Lagos, no Algarve, também não é, até porque nenhum deles será sede de comarca e vão até perder parte das competências que agora têm. Lagos é outro caso de "graves problemas, sem perspectivas de mudança nos tempos mais próximos", afirma Luís Filipe Leonor, o juiz presidente. O seu rol de queixas é grande e inclui coisas como escadas sem luz, ausência de elevador - pessoas com mobilidade reduzida têm se ser levadas em braços - humidade, fissuras nas paredes e instalações sanitárias - no caso as dos magistrados - que não podem ser usadas, sob pena de provocar infiltrações no andar de baixo. Também não há ar condicionado e há mau cheiro na canalização das casas de banho dos utentes "que até já apresentaram queixa no livro amarelo", relata o magistrado.
Tribunal e veraneantes no mesmo prédio
Em Sesimbra, como em Lagos, a segurança é outra preocupação. No primeiro caso, o tribuna] ocupa um andar num edifício de habitação com 16 andares. Muitos apartamentos são casas de férias e no Verão os moradores de calções de banho e toalha às costas, partilham o 'hall' de entrada com os utentes do tribunal. Recentemente foi colocado um pórtico que detecta objectos metálicos, mas também ele foi afectado pelo curto-circuito. A sala de audiências deve ser uma das que tem a vista mais bonita do País, mas falta uma sala de testemunhas e há um longo corredor para onde dão todas as portas e onde é frequente os autores dos processos cruzarem-se com os ofendidos. Em Lagos também não há sala de testemunhas e os gabinetes são de fácil acesso. "Uma juíza até já lhe desapareceu um telemóvel", relata o juiz presidente. O edifício foi construído de raiz, mas há muito que se desactualizou. A Direcção-geral da Administração da Justiça já lá esteve, "mas não há movimentações no sentido de se mandar reparar alguma coisa".
Filomena Lança | Jornal de Negócios | 15-04-2014
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