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REVISTA DE 2014

1/4 dos cidadãos nomeados juizes sociais faltam a julgamentos

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Dos 1500 cidadãos escolhidos pelas autarquias para exercer a função de juiz social - sentando-se lado a lado com magistrados judiciais nos julgamentos de família e menores - cerca de 25% são canalizados para os tribunais de Lisboa e do Porto, os maiores do País. Mas, nestas duas comarcas, a maioria acaba por não comparecer às audiências de julgamentos, não apresentando justificação e sem avisar previamente. Apesar de esta função estar definida na lei como serviço público obrigatório.

A denúncia é feita ao DN por alguns magistrados judiciais que exercem funções nas referidas comarcas. Uma realidade que tem vindo a piorar, desde que o Ministério da Justiça reduziu as ajudas de custo atribuídas a estes "ajudantes da Justiça". Há sete anos, por exemplo, por cada audiência de julgamento, um juiz social recebia 84 euros e atualmente recebe apenas 46 euros. Valor esse que é reduzido para metade (23 euros), caso a sessão seja adiada. A magistrada Lídia Renata, no Campus de Justiça de Lisboa desde 2007, admite que "infelizmente já estou habituada em fazer os julgamentos sem os juizes sociais, já que aqui nunca aparecem". Oficialmente a comarca de Lisboa tem 50 cidadãos efetivos e mais 50 como suplentes. "Mas as pessoas que são escolhidas não têm noção que é um serviço público obrigatório", queixa-se a magistrada que acrescenta que não há penalização para estes casos. "Apenas não recebem as ajudas de custo."

Um magistrado do Porto, que preferiu não referir o nome, admite "que há uns cinco anos a situação era bem melhor já que ainda conseguia fazer os julgamentos sempre acompanhado. Agora desisti... as pessoas estão saturadas de fazer alguma coisa pelo Estado, com todos estes cortes", sublinha.

Processos só de menores
Estes "cidadãos juizes" são nomeados por dois anos, sendo que o mandato pode ser renovável de forma ilimitada. Ajudam juizes de carreira nos processos específicos de adoções de crianças e de menores de 16 anos que tenham praticado qualquer tipo de crime. A maioria são mulheres com carreira na área do ensino, assistência social, psicologia ou mesmo funcionárias das autarquias. Não recebem qualquer formação por parte do Estado mas muitos magistrados acabam por fazer uma visita guiada com os juizes sociais aos centros educativos.

Apesar deste quadro negativo revelado ao DN, em algumas comarcas estes juizes já ganharam um lugar inequívoco na sala de audiência. O Tribunal do Barreiro, Amadora ou Sintra são casos de sucesso. "Não temos tido falhas aqui no tribunal mas compreendo que nas comarcas maiores seja mais complicado", explica o juiz António Fialho que trabalha com os mesmos 24 efetivos e suplentes há alguns anos, no Tribunal do Barreiro. Jacinta Jerónimo, professora aposentada, é umas das cidadãs que todos os meses se dirige ao tribunal para prestar serviço público. "Acho que estes cidadãos ajudam muito a Justiça porque trazem para a sala de um tribunal o que a sociedade sente", explica. "A maior dificuldade passa por perceberem a diferença do que é uma pena de prisão e uma medida de internamento de um menor", concluiu. Por vezes, estes cidadãos podem ser menos brandos a decidir. Exemplo disso é a decisão relativa ao menor de 16 anos, que esfaqueou colegas numa escola em Massamá (ver fotolegenda): dois anos de internamento em regime fechado.

O que são juizes sociais?

A Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais prevê - desde 1978 aintervenção de juizes sociais nas causas que chegam aos tribunais de menores. Mais concretamente questões de adoção e de crimes cometidos por menores de 16 anos.

- Quanto dura o mandato de um elemento destes?
- A nomeação dos juizes sociais faz-se por períodos de dois anos, com início a 1 de outubro.

- Quem pode ser escolhido?
- Os juizes sociais são escolhidos entre os cidadãos residentes na área do município do respetivo tribunal. Têm que ser cidadãos portugueses com mais de 26 e menos 65 anos, saber ler e escrever português, estar no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos e não podem ter cadastro criminal.

- É obrigatório aceitar a nomeação?
- O exercício do cargo constitui serviço público obrigatório. O Estado paga 47 euros por cada ida a uma sessão de julgamento.

- Estes juizes têm alguma formação específica?
- Não. Podem ser juristas, psicólogos, professores e até cidadãos sem nenhum grau de licenciatura. O Estado também não lhes garante qualquer tipo de formação, nem sequer jurídica. Os magistrados é que podem ajudar os juizes sociais nesse sentido.


ENTREVISTA: JACINTA JERÓNIMO Juíza social no Tribunal de Menores do Barreiro há sete anos
"Na decisão da pena a aplicar pedem a nossa opinião"

- Sabia o que era a função quando a convidaram há sete anos?
- Não. Tenho uma sobrinha advogada e outra procuradora e então tentei saber com elas o que fazia um juiz social num tribunal.

- Não teve receio de serem questões muito sensíveis, já que são relativas a crianças?
- Não, porque a verdade é que não temos grande intervenção no processo, só conhecemos as crianças já na audiência de julgamento e ainda por cima acaba por ser só uma, pelo menos nos processos relativos a adoção. Não ficamos com uma ligação às crianças, não há grande tempo para isso.

- De que forma intervém um juiz social?
- Perguntam sempre a nossa opinião, o que achamos. Mas não somos nós que decidimos. Nós depois do julgamento vamos sempre conferenciar com o magistrado e ele aí pergunta-nos a nossa visão, o que achamos que deve ser decidido. Apesar de a decisão final ser dele, porque ele é que percebe de leis.

- Mas acha que ajuda de alguma forma?
- Sim. Contribuímos muito, por exemplo, quando são casos de crianças para adoção. Muitas vezes pedimos uma segunda oportunidade para as famílias biológicas.

- Acha que os juizes já são demasiado mecânicos na decisão e precisam de um olhar de fora?
- Sim. Mas a decisão continua a ser sempre do juiz. Perguntam-nos sempre se queremos fazer alguma pergunta, durante o julgamento. Mas as coisas são tão explícitas que normalmente não temos dúvidas. Na decisão da pena pedem a nossa opinião.

- Já "levou" para casa estes processos?
- Sim. Tive conhecimento de uma realidade que não conhecia e penso sempre se as nossas decisões serão a melhor solução...

Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 20-03-2014

Comentários (2)


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...
"Um magistrado do Porto, que preferiu não referir o nome..."

Olha o medo do CSM !!!

Além de mal pagos, ainda por cima estão amordaçados!!!
Contribuinte espoliado , 21 Março 2014 - 11:19:14 hr.
...
devia ser em todos os julgamentos as decisões deveriam ser de acordo com as decisões dos juizes sociais.

O zé da espiga , 21 Março 2014 - 20:39:24 hr.

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