No regime das contraordenações não foram alteradas as regras da prescrição. Só novo tribunal da Concorrência poderá trazer alguma rapidez a estes casos.
Sem que seja revisto o regime geral das contra-ordenações, situações como a do caso Jardim Gonçalves, cuja prescrição foi recentemente reconhecida pelo tribunal, vão continuar a acontecer. É esta a convicção dos especialistas ouvidos pelo Negócios, segundo os quais as alterações recentes à lei penal não foram suficientes para resolver o problema. "Quando o Governo se preocupou com as prescrições dos crimes, essa preocupação devia ter levado também a preocupar-se com a prescrição das contra-ordenações e isso não aconteceu. Aí não houve alterações", explica Nuno Coelho, juiz da secção criminal da Relação de Lisboa e vice-presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP).
Porque, no caso Jardim Gonçalves, o que estava em causa era, cisamente um caso de contra-ordenações, que foi investigado pelo Banco de Portugal (BdP) - que aplicou multas de mais de um milhão de euros - e depois transitou para o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, onde são julgadas as contra-ordenações. O processo ficou cinco anos no BdP e depois, já no tribunal, foi atribulado e chegou a ser declarado inválido, uma decisão depois anulada pela Relação. Aí se demorou por dois anos e meio até ser reconhecida a prescrição pelo próprio juiz por terem já passado oito anos desde a prática dos factos pelo ex-presidente do conselho de administração do BCP.
Reforma penal não evitaria casos destes
A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, sempre se recusou a comentar o caso, mas tem afirmado que a luta contra as prescrições foi uma das suas bandeiras. Nomeadamente aquando da recente reforma penal, que passou a prever que quando há uma condenação na primeira instância, então suspende-se a contagem do prazo de prescrição, para que sucessivos recursos não tenham como consequência, precisamente, a prescrição.
Porém, quando estão em causa contra-ordenações, aplica-se o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social, um diploma de 1983, que tem regras próprias nesta matéria e que não teve até agora qualquer alteração. De resto, mesmo que tivesse, "neste caso não houve sequer uma condenação na primeira instância", afirma Pedro Garcia Marques, professor de direito Penal da Católica.
Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), recusa pronunciar-se sobre o caso de Jardim Gonçalves, mas, em abstracto, sublinha que "ao regime geral das contra-ordenações aplica-se subsidiariamente o Código Penal, mas apenas se existir uma lacuna, o que não é o caso". Ou seja, a reforma penal em nada interferiu com o regime das contra-ordenações, segundo o qual, para coimas do valor que estava em causa, a prescrição ocorre ao fim de cinco anos, ou, caso tenha havido suspensões deste prazo, ao fim de cinco anos mais metade (2,5 anos).
Este regime, refere Paulo Farinha Alves, especialista em contencioso da PLMJ, tem, além deste, vários outros problemas. Desde logo porque foi pensado para casos muito mais simples, como multas de trânsito. E "não está adaptado a casos muito graves e multas realmente elevadas, que podem chegar aos milhões de euros. É demasiado simplificado", tanto que o tribunal responsável é o de pequena instância.
A única alteração que poderá trazer alguma rapidez a estes processos, lembra Pedro Garcia Marques, é o facto de, entretanto, as grandes contra-ordenações, relacionadas com o BdP, Comissão de Mercados dos Valores Mobiliários, ASAE ou da área ambiental, entre outras, passaram a ser competência do novo tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, mais especializado e com menos processos pendentes.
Parlamento vai ouvir Conselho Superior de Magistratura
O Banco de Portugal recusa culpas na prescrição do caso Jardim Gonçalves a quem eram atribuídas nove contra-ordenações e remete para os tribunais e para os incidentes processuais que aí demoraram a tramitação.
O Conselho Superior de magistratura, por sua vez, ordenou a abertura de um inquérito para determinar o que aconteceu, mas já veio dizer que o processo esteve muito mais tempo no Banco de Portugal (cinco anos) do que no tribunal (dois anos e meio). A questão assumiu tal dimensão que o Parlamento - pela mão do PS decidiuchamar o conselho Superior de magistratura para apurar os factos que levaram a prescrição e os magistrados já se dispuseram a ser ouvidos.
Entretanto, o processo continua a correr para os restantes arguidos, Christopher De Beck, António Rodrigues, Filipe Pinhal, António Castro Henriques e Luís Gomes, além do próprio BCP, mas nada garante que não ocorram ainda mais prescrições.
Filomena Lança | Jornal de Negócios | 19-03-2014
Comentários (2)
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Da inércia
Cambada de ineptos!
Aiken
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