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REVISTA DE 2014

TC quer livrar-se da fiscalização das contas dos partidos

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Faz sentido que sejam os 13 juizes do mais supremo dos supremos tribunais portugueses a decidirem se, numa cidade histórica como é a de Óbidos, podem ou não ser colocados cartazes partidários durante a campanha eleitoral?

Ou que seja o Constitucional a certificar as contas dos partidos e, em anos de eleições, a verificar se as dotações do Orçamento do Estado são efectivamente gastas em campanha e não em melhoramentos das respectivas sedes partidárias? E ainda garantir que não há financiamento ilícito pelo meio. Não podia e devia essa matéria ser exclusivamente fiscalizada pelo Tribunal de Contas? E os tribunais administrativos não poderiam, eles, resolver o contencioso eleitoral?

Estas são algumas das competências do TC que, consideram os magistrados, poderiam ser resolvidas noutras instâncias, "libertando recursos para aquilo que são as funções nucleares, ou seja, o controlo da constitucionalidade". Rui Moura Ramos, ex-presidente do TC, admite que nem são "um número significativo de processos", mas "roubam tempo, distraem o TC das suas competências e não deviam lá estar".

Foi, aliás, durante a liderança de Moura Ramos que o TC iniciou contactos informais, designadamente junto do Presidente da República, no sentido de sensibilizar para a necessidade de reduzir o seu catálogo de competências. Uma solução possível seria passar as contas dos partidos para o Tribunal de Contas, e associar à sua esfera a Entidade das Contas dos Partidos (hoje alojada no Palácio Ratton) e remeter a decisão dos recursos eleitorais para os Tribunais comuns. As impugnações, essas poderiam facilmente ficar nos tribunais Administrativos e Fiscais.

Portugal deve ser caso único com um TC com tantas competências, sendo talvez apenas ultrapassado por países como a Croácia. E, refere Moura Ramos, "muito poucos têm as contas partidárias, que ocupam recursos importantes e não fazem parte da matriz que justifica a existência do TC".

Travão de mérito

Há ainda quem defenda que, à semelhança do que acontece no Supremo Tribunal de Justiça, que pode recusar recursos que tenham sido alvo de decisões coincidentes nas instâncias inferiores, o Constitucional deveria dispor de uma espécie de "travão de mérito" que lhe permitisse avaliar se os recursos que lhe chegam têm dignidade para subir ao vértice da magistratura ou se, ao invés, devem ser resolvidos definitivamente nas instâncias inferiores quando não há contradições a montante do processo. Exemplo: uma das mais de 800 decisões sumárias julgadas em 2013 foi a de uma pensionista que reclamou da pensão de velhice, de 4.074,11 euros, e que recorreu ao TC depois de a sua reclamação ter sido sucessivamente chumbada pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pelo Tribunal Central Administrativo Sul e pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Quando lhe chega um processo, o TC já pode fazer uma decisão sumária a dizer que há pressupostos que não se encontram preenchidos. Mas "há problemas que são submetidos ao tribunal e em que não se justifica que tal aconteça", admite Rui Moura Ramos. No entanto, "permitir que o tribunal possa aceitar os processos tendo em conta o mérito das questões seria algo muito difícil de transpor para o nosso sistema", adverte Miguel Nogueira de Brito, professor da Faculdade de Direito de Lisboa e ex-assessor do Constitucional.

Não tem livro de reclamações? Não reclame da multa

O acórdão com "força obrigatória geral" deverá ser em breve publicado em Diário da República, mas a decisão está tomada: quem não apresentar o livro de reclamações terá mesmo de pagar os 15 mil euros de multa previstos na lei, porque não há mais voltas a dar.

O acórdão será emitido pelo Tribunal Constitucional (a pedido do Ministério Público) depois de, no âmbito da fiscalização concreta de decisões dos tribunais, lhe terem chegado três reclamações sobre o valor alegadamente violador do princípio da proporcionalidade previsto na Constituição que significariam os 15 mil euros de coima previstos para sancionar quem não apresenta livro de reclamações. Nos três casos, o Constitucional decidiu de igual modo. Agora não vale mais a pena protestar: é cumprir ou pagar.

COMPETENCIAS

O GARANTE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS E DIPLOMAS
É a competência nuclear: o Tribunal Constitucional é o garante da Constituição e, por isso, da constitucionalidade das normas e diplomas legais do Parlamento, do Governo e dos órgãos legislativos das regiões autónomas. Cabe-lhe também garantir a legalidade das normas das regiões autónomas - a sua conformidade com os respectivos estatutos de autonomia.

PRESIDENTE DA REPÚBLICA
É o TC que tem de verificar a morte e declarar a impossibilidade física permanente do Presidente da República. E verificar impedimentos temporários ou a perda de cargo. Cabe-lhe também julgar os recursos relativos à perda do mandato de Deputado à Assembleia da República ou às Assembleias Legislativas das regiões autónomas

CONTENCIOSO ELEITORAL
É o TC que recebe e admite as candidaturas à Presidência da República, decide recursos, verifica desistências, morte ou incapacidade. Nas eleições legislativas, regionais e locais julga os recursos em matéria de apresentação de candidaturas e de irregularidades ocorridas no processo eleitoral. Nas eleições para o Parlamento Europeu recebe as candidaturas e julga eventuais recursos.

REFERENDOS
O TC fiscaliza previamente a constitucionalidade e legalidade dos referendos nacionais, regionais e locais.

PARTIDOS POLÍTICOS
O TC aceita a inscrição de partidos políticos, coligações e frentes de partidos e aprecia a legalidade e singularidade das suas denominações, siglas e símbolos. Depois, aprecia a legalidade das suas contas, bem como das campanhas eleitorais.

DECLARAÇÕES DE RENDIMENTO
Titulares de cargos políticos ou equiparados devem registar no TC as suas declarações de património e rendimentos, incompatibilidades e impedimentos.

FASCISMO
Cabe ao TC declarar que uma qualquer organização perfilha a ideologia fascista, e decretar a respectiva extinção.

Eva Gaspar e Filomena Lança | Negócios | 03-03-2014

Comentários (3)


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"supremo dos supremos"?
Não me parece. É-o só para a interpretação normativa conforme à constituição.
cristiano reagan , 03 Março 2014 - 14:11:03 hr.
Tem toda a razão o presidente do TC
Tem razão o presidente do TC.
A razão da enorme vastidão de assuntos que foram sendo atirados para o TC tem a ver com a falta de cultura jurídica e política da rapaziada dos partidos políticos, apesar de muitos deles serem advogados...

A expressão «supremo dos supremos» é da responsabilidade dos jornalistas, que têm pouca noção do que dizem... Quando se afastam do que citam... escrevem asneira! Como de costume...
Francisco do Torrão , 03 Março 2014 - 16:45:16 hr.
É uma maçada ter de morder na mão de quem nos dá de comer, ruff, ruff
Já imaginaram se os juízes de comarca se juntassem para dizer que não queriam julgar crimes relacionados com corrupção autárquica? Mas questão do TC é bem pior: o TC não quer saber das contas dos partidos porque quem põe os juízes no TC são os partidos. Só um vesgo não vê isto.
Depois de o TC ter detectado irregularidades nas contas dos partidos, quer agora livrar-se dessa actividade, onde volta e meia encontra situações que tem de denunciar.
Pois é, camaradas, ser nomeado por tipos que pertencem a organizações (de propósitos duvidosos, ou seja, os partidos) que depois têm que ser denunciadas, é uma maçada. É o mesmo que, ter de morder na mão de quem nos dá de comer. É f**d****. E dá trabalho, porque depois de uma pessoa mastigar o bife, já está com os queixos cansados para morder em quem dá a ração.
Uma maçada, pá. Ser juiz do TC não é para todos. Só alguns têm a estaleca para lidar com estes dilemas morais, cuja resolução só pode ser uma: não ter que lidar com tais dilemas. Tá o problema resolvido. Tens uma batata quente nas mãos? Passa-a a outro. Simplex. E na hora. Até vai ser criado um balcão único para estas situações, chamado o Balcão Simplex do Passa a Batata Quente na Hora.

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googlar
TC detectou despesas sem suporte documental na campanha de 2011 (ionline)
E a vergonha, Senhoras e Cavalheiros, onde anda?
E assim, o destino de um tribunal cujos juízes são nomeados pelo poder político é o de ser, cada vez mais, o que vai estando à vista. A 3ª República tem os dias contados.
Bobby, a escrever do Raton Palace Resort , 06 Março 2014 - 19:09:34 hr.

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