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REVISTA DE 2014

Sete mil crimes prescreveram em cinco anos

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Prescrição. São registados quatro casos por dia, em média, em que os arguidos escapam a punição. Mas há uma descida de processos prescritos nos últimos anos. Em 2012 foram 752.

Os tribunais portugueses deixam prescrever mais de quatro crimes por dia No total, segundo dados do Ministério da Justiça (MD, avançados ao DN, mais de sete mil arguidos escaparam a uma eventual condenação num período de cinco anos. Ou seja: entre 2008 e 2012, foram 7005 os arguidos não condenados em processos-crime. Metade dessas prescrições reportam-se a crimes que constam em "leis avulsas" autónomas dos códigos. Como os casos de emissão de cheques sem provisão, a condução sem carta ou os crimes fiscais. Mas há também 428casosde arguidos acusados de crimes contra as pessoas- como homicídio, agressões físicas agravadas ou mesmo violações - em que a decisão judicial não chegou a ver a luz do dia. Porém, o número tem vindo a baixar de ano para ano. Se em 2009 os casos eram de 1489, já em2012 foram apenas 752. O que reflete uma descida de 49%.

A juntar a esta lista acrescem os casos em que a PJ não chega a identificar um suspeito - por falta de provas - e que, com o passar do tempo, a investigação prescreve. O estripador de Lisboa é um dos exemplos mais paradigmáticos dessas situações. O assassino em série matou três mulheres portuguesas entre 1992 e 1993. Quinze anos depois, estes crimes, sem suspeito oficialmente identificado pela PJ, acabaram por ficar sem castigo. Segundo a lei penal, em Portugal, os crimes com pena superior a dez anos, acabam por prescrever ao fim de quinze (ver caixa em baixo). Quando a ministra da justiça, Paula Teixeira da Cruz, assumiu a pasta, admitiu que "os cidadãos não suportam mais processos que se arrastam anos e que muitas vezes prescrevem". Por isso, com a revisão das leis penais, aprovada em fevereiro do ano passado, a ministra acrescentou uma nuance que pode ter sido decisiva para a descida destas situações. Nos casos em que já haja a condenação do arguido, ainda que à espera da decisão de recurso, suspende-se a contagem do prazo.

Segundo o advogado Rui Patrício, ex-membro do Conselho Superior da Magistratura, "esta descida pode passar por um maior cuidado na tramitação dos processos e a diminuição dos casos de desleixo". Porém, o advogado admite que a prescrição nem sempre "é resultado do mau funcionamento do sistema". Segundo o mesmo, "há inúmeros casos em que resulta da própria natureza das coisas, por exemplo: casos em que as suspeitas só aparecem e só se inicia o processo muito tempo depois de os factos terem ocorrido ou em que a investigação demora muito por obstáculos como a demora das perícias ou na resposta de outros países a pedidos de cooperação". Barra da Costa, exinspetor da PJ, defende que "a responsabilidade penal visa não apenas punir quem cometeu o crime bem como repor os valores. Decorrido um tempo sobre o crime, a ação penal deixa de ter efeito porque os valores têm uma determinada atualidade".

PRAZOS PREVISTOS NA LEI

Estado é obrigado a desistir 15 anos depois
O prazo de prescrição de uma dívida ao fisco é de oito anos, se não houver lei especial em contrário. Esse prazo começa a contar desde a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida. Já nos casos de crime, o procedimento criminal extingue-se, por prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 15 anos, quando se tratar de crimes com penas superiores a 10 anos. Pode extinguir-se ao fim de 10 anos quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco. Nos crimes sexuais de menores, o prazo de prescrição do procedimento criminal pode extinguir-se ao fim de 10 anos após a data da prática dos crimes.

CASOS MEDIÁTICOS

'SACO AZUL' DE FELGUEIRAS
Em março de 2011, a Relação de Guimarães considerou prescritos dois dos crimes do processo do "saco azul" - peculato e abuso de poder - em que a ex-autarca foi condenada em 2008 a três anos de pena suspensa. Restou apenas o crime de peculato de uso, que dizia respeito à utilização de um automóvel da autarquia numa deslocação a um congresso do PS. O caso resultou de uma denúncia anónima enviada à PGR de várias irregularidades cometidas durante 14 anos na Câmara de Felgueiras, nas quais se incluíam viagens, utilização dos meios da autarquia e negócios com empresas.

OPERAÇÃO FURACÃO
O balanço das investigações concluiu, em 2008, que mais de 200 milhões em fraudes fugiram à Operação Furacão. Embora o Ministério Público tenha descoberto irregularidades entre 1998 e 2001, essas dívidas fiscais já tinham prescrito. Dinheiro que o Estado perdeu. À data em que começaram as buscas, Outubro de 2005, os crimes fiscais cometidos antes de 2001 estavam prescritos.

FRAUDE DE SÓCRATES
As suspeitas de fraude fiscal na compra do apartamento de José Sócrates acabaram por não ser investigadas por prescrição do crime. Em 1998, José Sócrates formalizou a compra do apartamento no edifício Heron Castilho.Para isso, declarou 235 mil euros, quando alegadamente o valor era de 351 mil. Toda a documentação relativa ao negócio das casas de Sócrates e da sua mãe foi remetida à PJ de Setúbal, em 2004. Os crimes acabariam por prescrever quatro anos depois, em 2008.

PROCESSO CASA PIA
Os crimes de pedofilia na Casa Pia de Lisboa, denunciados na década de 1980 por Teresa Costa Macedo, na altura secretária de Estado da Família, acabaram por prescrever, nos casos que datam de 1980 e 1981. O tempo de contagem para a prescrição começa a partir do momento em que a vítima tem conhecimento do crime.

ISALTINO DE MORAIS
Em abril de 2013, o Tribunal de Oeiras rejeitou o pedido de prescrição de branqueamento de capitais pedido por Isaltino Morais, condenado a dois anos de prisão. Mas em 2012 já o Ministério Público tinha arquivado uma das acusações por corrupção passiva para ato ilícito por considerar que o crime em causa já tinha prescrito.

Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 05-02-2014

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Barra da Costa, exinspetor da PJ, defende que "a responsabilidade penal visa não apenas punir quem cometeu o crime bem como repor os valores. Decorrido um tempo sobre o crime, a ação penal deixa de ter efeito porque os valores têm uma determinada atualidade"


Os valores do povo português não são esses, caro Barra da Costa, e o senhor sabe-o muito mas muito bem.
... , 07 Fevereiro 2014 - 04:54:16 hr.

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