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REVISTA DE 2014

Fisco teima em imposto condenado ao fracasso

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O Fisco não desiste de aplicar o imposto sobre prédios de luxo aos terrenos em construção, ignorando assim os sucessivos chumbos dos tribunais. Para os especialistas, trata-se de uma guerra perdida que entope tribunais e multiplica despesas para o Estado, obrigado a pagar as custas dos processos que perde. Este imposto, lançado em 2012, está a ser contestado em várias frentes e arrisca-se mesmo a ser declarado inconstitucional.

O Fisco voltou este ano a insistir na cobrança de imposto de selo sobre terrenos em construção, um ensejo que tem sido sucessivamente chumbado nos tribunais, e que, segundo fiscalistas ouvidos pelo Negócios, "está condenado ao fracasso". Esta insistência alimenta litigância, entope tribunais e multiplica despesas para o Estado, que tem de pagar as custas dos processos, consideram.

Em causa está o chamado imposto sobre "prédios de luxo" lançado em 2012 que o Fisco resolveu na altura estender igualmente aos prédios em construção, sem que, contudo, tal estivesse explícito na lei. Os proprietários reagiram de imediato, de tal modo que, no Orçamento do Estado para 2014 o Ministério das Finanças se apressou a alterar a lei prevendo expressamente a situação, um gesto que reconhece implicitamente que, até essa data, não havia norma de cidência que permitisse a sua cobrança.

Quando fez a alteração legislativa, o Governo também não lhe deu carácter interpretativo, desistindo de criar um mecanismo adicional que poderia permitira aplicação desta alteração aos anos anteriores. Chegados a este ano, e numa altura em que já há algumas dezenas de sentenças a dar razão aos contribuintes quanto ao imposto de 2012 que o Fisco tentou cobrar, as Finanças voltam a insistir na cobrança do imposto referente a 2013, em vez de arquivar o assunto, como chegou a ser recomendado pelos próprios serviços dos impostos sobre o património.

Um desperdício de tempo e dinheiro, em que todos perdem, excepto os advogados que continuam a ter muito que fazer, resumem os especialistas ouvidos pelo Negócios. Samuel Fernandes de Almeida considera que estamos perante uma "pura estratégia processual por parte da AT, embora de duvidosa eficácia". Ricardo da Palma Borges está de acordo: "É uma insistência que está condenada ao fracasso".

Fonte oficial do Ministério das Finanças argumenta que "não existe, até ao momento, qualquer jurisprudência firmada dos tribunais superiores sobre esta matéria, sendo que as decisões já conhecidas dos tribunais de primeira instância representam apenas uma percentagem muito reduzida das liquidações emitidas, quer em número, quer em valor". Mas o argumento não é convincente para os fiscalistas. Samuel Fernandes de Almeida considera que não é "muito expectável que o Supremo Tribunal Administrativo possa rever a jurisprudência firmada pelo centro de arbitragem", tal como Ricardo da Palma Borges, que lembra que "o próprio OE 2014 é a demonstração de que as Finanças reconhecem a sua a incapacidade de forçar a tributação dos terrenos". O advogado Pedro Amorim também é de opinião que tudo recomendaria que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais desse ordens ao Fisco para esquecer o caso perdido do imposto nos anos anteriores a 2014. E, perante a insistência das Finanças, comenta que "a tese do professor Casalta Nabais sobre a "produção integrada de litigação" é cada vez mais actual. As únicas entidades que ganham [com estas situações] são os escritórios de advogados.

O Negócios perguntou ainda as Finanças porque não conferiu eficácia interpretativa à alteração introduzida para 2014 mas não obteve resposta à questão.

Imposto de selo chega ao Tribunal Constitucional e faz tremer receita

Tribunal anula sentença por violar a Constituição. É o primeiro caso conhecido e pode por em causa todo o imposto.

Quem tem mais capacidade para pagar impostos: um proprietário com um imóvel no valor de 1,5 milhões de euros, ou um outro que tem dez imóveis de 990 mil euros cada um (9,9 milhões ao todo)? Foi este exemplo ilustrativo que convenceu o tribunal arbitral de que o imposto de selo sobre prédios de luxo lançado em 2012 é discriminatório e viola a Constituição. Trata-se da primeira sentença conhecida que é anulada por vícios constitucionais, forçando o Tribunal Constitucional a pronunciar-se. A ser confirmada, fica em causa todo o edifício do imposto.

Esta linha de argumentação foi validada num processo julgado pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 24 de Fevereiro. O queixoso é proprietário de um imóvel no valor de quase 1,3 milhões de euros e recorreu à arbitragem com o argumento de que o Estado, quando exige impostos, tem de observar o princípio da igualdade fiscal. Isto é, tem de exigir igual imposto a quem tem igual capacidade contributiva. Neste caso, o queixoso, proprietário de um único imóvel foi obrigado a pagar imposto de selo, quando um hipotético proprietário que possa património de 9 milhões de 900 mil euros não suporta um cêntimo que seja, porque o Governo resolveu tributar prédio a prédio e não a totalidade do património imobiliário.

O argumento convenceu o árbitro, para quem estamos perante uma "manifesta iniquidade". Mais, o árbitro também não compreende porque é que a tributação apenas incide sobre imóveis destinados à habitação, deixando de fora os que não estão afectos a essa finalidade (escritórios por exemplo), levantando um problema que já tinha sido suscitado pelo anterior Provedor de Justiça numa carta enviada ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Em suma, diz o árbitro, "o regime de tributação em sede de selo não assegura - bem pelo contrário - uma efectiva igualdade de tributação em função da capacidade contributiva dos cidadãos sujeitos a essa incidência".

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recorreu da sentença e o caso segue agora para o Tribunal Constitucional (TC). Segundo o advogado Pedro Amorim, "caso o TC venha a confirmar a inconstitucionalidade, será uma derrota muito significativa, maior do que as que o Fisco já teve até agora, porque põe em causa o próprio imposto". Ricardo Borges concorda e vai mais longe: "Um imposto feito de forma tão selectiva, tão inepta, de salta de forma abrupta dos 999 mil euros para os 1.001 mil euros tem todas as características para ser declarado inconstitucional". E, se esse cenário se verificar, "todas as pessoas que forem afectadas por isto podem levantar a questão da responsabilidade civil do legislador", considera o advogado.

Os restantes argumentos do contribuinte, que alegava que o imposto viola o princípio da não retroactividade fiscal e da protecção da confiança, pelo facto de ter sido introduzido subitamente em Outubro de 2012 para se aplicar logo a esse ano, não foram acolhidos pelo árbitro.

O Negócios tem perguntado ao Ministério das Finanças qual a receita que espera encaixar com este imposto mas não tem obtido resposta.

AS QUESTÕES POLÉMICAS

O IMPOSTO DE SELO SOBRE PRÉDIOS DE LUXO TEM MENOS DE DOIS ANOS E JÁ ENGORDA A PILHA DE PROCESSOS NOS TRIBUNAIS
O baptizado "imposto sobre prédios de luxo" foi criado em 2012 com o objectivo político de pôr os proprietários ricos a contribuir para a crise. Mas há proprietários ricos que não pagam o imposto porque não estão abrangidos, outros que têm rendas congeladas e não têm rendimentos para o pagar, outros ainda que estão a ganhar os processos em tribunal, seja porque a lei tinha lacunas, seja porque foi mal desenhada.

PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM CAUSA?
A lei começou por prever que o imposto recai sobre cada prédio e não sobre todo o património imobiliário global de cada proprietário. Isto faz com que o dono de um prédio de dois milhões seja sujeito a imposto e um outro que tenha dez prédios de 900 mil euros cada não o seja, o que levanta problemas de igualdade. Este problema foi levantado recentemente e confirmado pelo tribunal arbitrai. Se o Constitucional corroborar o entendimento de inconstitucionalidade, todo o edifício do imposto ficará em causa.

PROPRIEDADE VERTICAL DÁ POLÉMICA
Na hora aplicar o imposto, a Administração Tributária fez interpretações que os tribunais estão a considerar que não estão na lei, não podendo ser levadas à prática. Aconteceu no caso dos prédios em propriedade vertical, com o Fisco a considerar que, na hora de verificar se há incidência de imposto de selo, conta todo o prédio, e não fracção a fracção, mesmo quando estas têm proprietários diferentes (como faria se o prédio estivesse em propriedade horizontal).
Como a lei diz que tudo o que não esteja especificado no Código do Imposto de Selo (onde este imposto foi criado) é regulado subsidiariamente pelas regras do IMI, e, nesta sede, os prédios em propriedade vertical são tratados do mesmo modo que os que estão em horizontal - o imposto é liquidado fracção a fracção - os tribunais têm vindo a dar razão aos queixosos. O Fisco tem recorrido das sentenças para o Tribunal Constitucional, mas recentemente os juizes esclareceram que não se vão meter ao barulho uma vez que a Autoridade Tributária, ao alegar violação do princípio da legalidade, está apenas a usar de um subterfúgio para contestar a sentença (e não a discutir uma questão constitucional).

TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO AO BARULHO
Os terrenos com alvará para construção foram assimilados pelo Fisco a "prédios com afectação habitacional", apesar de nada constar na lei a esse respeito. Os tribunais começaram a chumbar esta interpretação, e a norma foi objecto de alteração no Orçamento para 2014 (OE/2014), naquilo que é um reconhecimento implícito do Fisco sobre a insuficiência da lei original. Contudo, os casos de 2012 (e de 2013, que o Fisco insiste em cobrar) estão a ser perdidos.

HABITAÇÃO DISCRIMINADA
O anterior Provedor de Justiça fez chegar um oficio a Paulo Núncio onde questionou a razão pela qual o imposto apenas se aplica aos prédios para habitação, deixando de fora os outros tipos de imóveis. Esta injustiça foi também questionada recentemente pelo árbitro que reconheceu a inconstitucionalidade por violação do principio da igualdade.

RENDAS CONGELADAS DESCONSIDERADAS
Outra crítica dirigida a este imposto prende-se com os prédios com rendas antigas. A questão foi levantada pelo anterior Provedor de Justiça, que argumentou que há muitos prédios com rendas congeladas cujos donos, podendo ter um património valioso, acabam por dispor de pouco rendimento. Se no IMI os senhorios têm o aumento do imposto condicionado ao montante de actualização da renda, neste caso também o deveriam ter, alegou o antigo Provedor.

Elisabete Miranda | Jornal de Negócios | 21-04-2014

Comentários (3)


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...
Não só os referidos no texto, há outros impostos como o IMT, que não prescrevem nos termos da lei, pois existe outra lei, a da AT, com apoio dos TAF, obrigando o contribuinte ao desespero e a ver vender os seus bens, só porque nada deve, mas não prescreve, não interrompe e nem suspende, assim estamos num país à deriva e
com velas negras.
armando , 21 Abril 2014 - 21:11:12 hr.
Inquê?
Então mas não há pildras para esses tais do " fisco" que se "borrifam para os tribunais?
Se fosse eu já estaria dentro!
Ou em alternativa recordo que ainda há pelourinhos solidamente em pé por esses povoados!
Kill Bill , 22 Abril 2014 - 08:58:05 hr.
iii
e do pessimo funcionamento do tribunais fiscais ninguém tem queixas???
kim , 22 Abril 2014 - 19:27:28 hr. | url

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