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REVISTA DE 2014

25 Abril. As esperanças na justiça penal foram defraudadas

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O 25 de Abril trouxe esperanças no campo da reforma das instituições jurídico-criminais, pela relação estreita com os direitos fundamentais, que a ditadura oprimia, mas hoje verifica-se que as "esperanças foram defraudadas".

Esta é a opinião do advogado José António Barreiros, para quem, se houve progressos significativos em muitos campos, em outros as esperanças foram defraudadas: "o que havia de odioso no campo do especial desapareceu, mas no campo do sistema penal comum houve muito que até piorou".

"Já não existem crimes políticos, nem o Tribunal Plenário, forma que o salazarismo encontrou de corresponsabilizar a magistratura judicial comum na repressão dos processos investigados pela PIDE. Já não existem as medidas de segurança como forma de encarceramento por tempo indeterminado dos 'delinquentes' políticos. Já não existe o Tarrafal", lembrou à Lusa.

Porém, observou, "não se muda um sistema com uma revolução, nem muitas mentalidades por decreto".

"Temos o caos instalado de novo na legislação penal: o Código Processo Penal (CPP) de 1929 só foi substituído por outro em 1987 e este já foi 25 vezes alterado, o Código Penal de 1982, que fora projetado aliás em 1966, sob o salazarismo, embora por este rejeitado, só foi substituído por um novo em 1985, mas este já foi 30 vezes modificado", criticou.

Com a queda da ditadura, gerou-se uma multiplicidade de bolsas de poder, em detrimento do poder político, a serem a fonte do efetivo poder: é o novo corporativismo mais o bloco central dos interesses a ditarem as suas leis, disse.

"Temos a vulgarização das escutas telefónicas, feitas com tal extensão que nenhum juiz pode cabalmente controlar, e que se tornou a forma usual de investigação criminal pela devassa da vida alheia. Prazos de averiguação criminal larguissimamente mais longos do que os que decorriam do CPP de 1929, a rondar o indefinido, a terem atingido dez anos sem que o investigado veja o seu caso acusado ou arquivado", criticou.

Existe - frisou - uma "fortíssima ablação" dos recursos: é a irrecorribilidade total do que for decidido pelo juiz na fase de instrução, a impossibilidade de recurso da pronúncia que receba (...), é a proibição de recorrer quando a Relação confirma a condenação abaixo dos oito anos de pena e agora mesmo quando surpreende o absolvido em primeira instância, condenando-o em pena até cinco anos.

"Temos uma disseminada cultura de prevalência da celeridade e da eficácia do 'despacho' dos processos sobre o conhecimento amadurecido dos casos, as inspeções às magistraturas a valorizaram o tempo gasto em desfavor do mérito. O processo sumário passou a estender-se a casos gravíssimos onde deveria imperar o cuidado no apuramento da verdade", alertou.

A seu ver, Portugal caminha para "uma justiça penal transacionada à americana, em que se mescla a quebra da autoridade do Estado, o jogo dos interesses privados, a falsidade combinada tornada verdade negociada e assim se encerra o processo sem delongas nem escrúpulos".

Temos hoje - notou - o acarinhamento dos "arrependidos", forma de designar os "delatores colaboracionistas que tornam o sistema mais rápido, sem pudor pelos acordos com quem traiu um mundo [criminal] a que, tantas vezes, continua a pertencer".

As coimas "mais ferozes do que as penas, aplicadas em processos com menos garantias de recurso do que os próprios procedimentos criminais" e a "ficção de julgar ausentes como se presentes e sem que possam recorrer ou pedir julgamento presencial", são, para José António Barreiros, outras marcas do Portugal contemporâneo.

Quanto à jurisprudência, lembrou, existe a "incerteza e a imprevisibilidade", havendo "acórdãos de Uniformização do Supremo Tribunal de Justiça que chegam dez anos depois da indecisão e da insegurança".

"Quando o Estado deixou de saber o que quer, a Nação deixou de saber para onde vai. E vale a pena dizer: não foi para isto que se fez o 25 de Abril!", concluiu.

Lusa/ionline | 19-04-2014

Comentários (2)


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A Nação não sabe para onde vai?
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Eu julgo que depois da entrega de tudo o que tinha preto e não era nosso a Nação vai para África, mas só cá dentro...
Lusitânea , 21 Abril 2014 - 14:02:16 hr.
...
Já não existem as medidas de segurança como forma de encarceramento por tempo indeterminado dos 'delinquentes' políticos. Já não existe o Tarrafal", lembrou à Lusa.

Senhor Dr. Em 1973 eu sabia com aquilo que contava, hoje facilmente se constitui arguido um cidadão. Não se esquece que um cidadão esteve na atual conjuntura durante 20 anos em situação de TIR, acabando por ser ilibado do crime de que estava acusado.

Eu por causa do condominio, onde a CM, a PSP ou entidades públicas não me resolviam a situação do ruído, escrevi uma frase que enviada às autoridades, dizendo apenas isto: - alguém será corresponsabilizado se algo de anormal acontecer. Ora , fui acusado pelo crime de ameaças e logo a minha casa foi revistada pela PSP, para me levarem um computador e um sonómetro, que mo devolveram 1 ano depois.

Quantas pessoas de bem, não foram condenadas por inoperância das autoridades? Uma juiza em Oeiras; um professor catedrático em Lisboa, um arquiteto em Barcelos, coisa que anteriormente não aconteceria.
Os casos da policia política eram outros assuntos onde a maioria da população não entrevinha....
Ribas , 22 Abril 2014 - 09:17:04 hr.

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