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REVISTA DE 2014

O direito ao sono fala mais alto do que a música na praia

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Em defesa do sossego noturno de morador, tribunal manda discoteca baixar os decibéis. Ou paga €1000/dia.

Há quatro anos consecutivos que residentes na Praia da Rocha, com casa frente ao areal, na zona da fortaleza, estão durante um mês (para alguns, praticamente todo o período em que estão a banhos em Portimão) privados do saudável vício de dormir pela noite dentro em tempo de férias.

Na hora em que resolvem ir para a cama, ainda as paredes estremecem com as ondas de som da discoteca a céu aberto frente à janela, que lança para dentro dos apartamentos barulheira tal que ninguém prega olho.

A partir de finais de julho, e durante 30 dias, a discoteca de verão Meo Spot Summer Sessions é ponto de romaria para veraneantes habituais da zona e, também, para o jet set nacional que aflui aos eventos especiais lá realizados. É o caso, da noite de hoje, com a festa da TVI — aliás, a promotora das iniciativas naquele espaço é a Media Capital Entertainment (empresa do grupo homónimo, proprietário da estação de televisão).

Moradores e empresários da hotelaria chegaram a ter abaixo-assinados com 80 signatários, queixaram-se ao provedor de Justiça e reclamaram junto da Câmara. Sem êxito.

Os promotores tinham uma licença especial de ruído (o que autoriza barulho acima do permitido em condições normais). Muitas vezes, os níveis de exceção autorizados eram, mesmo assim, superados, garantem residentes. Só uma vez, no final de 2013, a autarquia desencadeou um processo de contraordenação.

Parecia a história condenada à repetição em 2014, quando um dos residentes subiu a parada. Apresentou no Tribunal de Portimão um "processo especial de tutela de personalidade", um procedimento cautelar para evitar ser submetido aos mesmos maus-tratos de anos anteriores.

A decisão do juiz, tomada a 25 de julho, dá-lhe razão no essencial do pedido. A Media Capital Entertainment é condenada a "abster-se de produzir ou reproduzir qualquer tipo de música, atividade sonora ou outro tipo de ruído que seja audível dentro da casa" do queixoso, durante o período noturno (mesmo que esteja dentro dos limites da licença especial). O tribunal indica também a fórmula de cálculo dos valores que têm de ser respeitados. À promotora do Meo Spot incumbe "apurar o nível de ruído" no "interior da casa". Caso desrespeite qualquer destes pontos, terá de pagar uma "sanção pecuniária compulsória" de mil euros por dia, a dividir entre o morador e o Estado.

O juiz considerou que "o direito ao repouso, ao sossego e ao sono são uma emanação da consagração constitucional do direito à integridade física e moral da pessoa humana e a um ambiente de vida sadio". O tribunalnão deixou de reconhecer que a empresa detém uma licença especial. Mas tal direito é preterido face a outro valor mais importante: "O Regulamento Geral do Ruído não tem valor jurídico suficiente para impor uma limitação à proteção resultante (...) do direito ao repouso e ao descanso".

"Direitos absolutos das pessoas"

Luís Pisco, jurista da Deco, explica que o recurso aos tribunais para dirimir estas questões "é menos comum", mas acaba por revelar-se a via "mais eficiente". "Independentemente do licenciamento do espaço, pode haver violações objetivas dos direitos de personalidade, que são direitos absolutos da pessoa humana", acrescenta.

A sentença não é, todavia, a garantia de um tampão neste caso. Fonte oficial da Media Capital quis desvalorizar a condenação, garantindo "haver já um acordo" com o morador queixoso. "Esse é um problema que já não existe", repetiu.

Ao que Expresso apurou, as negociações entre as partes (cujo entendimento seria depois articulado com a sentença) apontariam para um compromisso do promotor do Meo Spot em deslocalizar o evento, já no próximo ano. E o queixoso "taparia os ouvidos" no que resta deste verão. No entanto, segundo fonte próxima do morador, ontem ao início da tarde "não estava garantido qualquer acordo".

O tribunal manda a discoteca tocar mais baixinho, mas os ecos da história ainda podem durar.

Paulo Paixão | Expresso | 02-08-2014

Comentários (4)


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Bom, então se há acordo a Media Capital vai ter que o fazer com os 80 signatários peticionantes do abaixo-assinado.
No meio disto tudo, o jornalista esqueceu-se de referir, mais explicitamente, a vergonhosa actuação do municipío que autorizou tamanha barbaridade.
Ai Ai , 03 Agosto 2014 - 18:41:29 hr.
...
A Praia da Rocha tem vários focos habituais de ruído perturbador do sossego de quem pretenda passar uma noite normal e de sono em vez andar nos copos e gritaria.
Há bares cujo ruído - em especial aos fins de semana e não só no mês de Agosto - é de tal ordem que a polícia é habitualmente chamada a intervir sem que, porém, os resultados dessa intervenção excedam o momentâneo.
A autarquia, responsável pelo licenciamento e pelos horários de funcionamento dos bares de copos nada faz para prevenir ou corrigir os abusos que, alegremente, vão ocorrendo, com os mesmos bares, ano após ano.

Quanto à decisão judicial, correcta na sua essência, creio que será de duvidosa eficácia.
Mil euros por dia - melhor dizendo por noite de negócio - é irrelevante face à receita.
Podem pagar e seguir rindo.
Mário Rama da Silva , 04 Agosto 2014 - 16:45:30 hr.
Que Tal Trocar de Papéis?
«O juiz considerou que "o direito ao repouso, ao sossego e ao sono são uma emanação da consagração constitucional do direito à integridade física e moral da pessoa humana e a um ambiente de vida sadio".»

O Juíz considerou...
E alguém tem opinião contrária?...
Já esperimentaram estar cerca de um mês (ininterruptamente) sem dormir até quase às sete horas da manhã, não obstante as reclamações efetuadas junto da PSP, CMunicipal, Comunicação Social... auditorias independentes efetuadas para a medição de som, que comprovaram a situação de forte irregularidade?...
Já experimentaram a sensação de terem de se ausentar das vossas próprias casas para poder descansar um pouco e não enlouquecer de vez?...
Conseguem imaginar o que é, dois anos depois, ter ainda de tomar medicação para tentar resolver um problema que não se sabe se algum dia vai ter solução?...

Esta gente/gentinha tubarónica abanca e acha que é dona disto tudo...
Não pode ser!...

1000€/dia? É pouco...
Giulia , 05 Agosto 2014 - 17:28:09 hr.
...
E muito bem. A sanção compulsória é que me parece ser baixa, pois os lucros cobrirão perfeitamente os 1000 "aéreos".
Zeka Bumba , 06 Agosto 2014 - 16:01:27 hr.

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