Três economistas, entre eles um perito em contas nacionais, dizem que políticas da crise "expropriaram" rendimentos dos trabalhadores: Entre o início da crise financeira de 2007/2008 e o final de 2013 assistiu-se, em Portugal, a uma transferência de riqueza do factor trabalho para o capital de grandes proporções, indicam vários economistas.
Pedro Ramos, professor catedrático da Universidade de Coimbra e antigo director do departamento de contas nacionais do Instituto Nacional de Estatística (INE), fez os cálculos e apurou que o peso do trabalho por conta de outrem e por conta própria desceu de 53,2% do produto interno bruto em 2007 para 52,2% em 2013.
Já o excedente de exploração (rubrica que reflete a remuneração do factor capital) - apesar da grave crise que se abateu sobre o Estado, os bancos e as pequenas e médias empresas - aumentou o peso na economia de 27,8% para 29,7% do PIB. As rendas, que traduzem grosso modo o valor da remuneração do imobiliário, avançaram de 5,8% para 6,2%.
Cálculos do Dinheiro Vivo com base naqueles dados, evidenciam que, em termos nominais, o factor trabalho (no qual até já está contabilizado o enorme aumento de impostos dos últimos anos) conseguiu perder 3,6 mil milhões de euros. Já o excedente do capital engordou 2,6 mil milhões de euros.
As contas do economista foram apresentadas em primeira mão, esta semana, no colóquio "A transferência de rendimentos do trabalho para o capital", organizado pelo Observatório sobre Crises e Alternativas, ligado à Universidade de Coimbra.
Nesse encontro, Pedro Ramos, especialista em contabilidade nacional, avançou com esta análise "pouco comum": o PIB na ótica dos rendimentos. As abordagens normais publicadas pelo INE (óticas da procura e da oferta) não permitem este tipo de análise mais fina.
O ojectivo, disse o ex-quadro do INE, é tentar dar pistas mais sólidas sobre o que já há muito se suspeitava: a crise, e em especial o programa de ajustamento da troika, permitiu extrair valor ao factor trabalho ao mesmo tempo que enriqueceu o capital. "Estranho", um "fenómeno novo", referiu.
"Sabemos que nas crises económicas as empresas têm prejuízos, as crises atingem os acionistas. Existe portanto perda de valor ao nível dos excedentes de exploração", observou o académico.
Não foi o que aconteceu. "É especialmente estranho que exista, nesta crise, um aumento do peso do excedente de exploração, rubrica que no fundo reflete a remuneração do capital na economia", observou. Mais: também as rendas do imobiliário reforçaram o peso seja em proporção do PIB, sem em termos nominais. O ganho foi de quase 451 milhões entre 2007 e 2013.
O catedrático de Coimbra recuperou também as estatísticas relativas a 2010 para ter uma noção daquilo que aconteceu durante o programa de ajustamento. Os resultados são ainda mais cristalinos: o peso do factor trabalho na economia caiu dois pontos percentuais; o do factor capital subiu dois pontos.
Para Pedro Ramos, todos estes factos reforçam a convicção de que "está a acontecer uma transferência de riqueza do trabalho para o capital".
Como? Através do desenho de políticas com esse objetivo, diz aquele economista, que foi acompanhado no diagnóstico por outros especialistas.
O factor capital está tão imparável que, em 2013 atingiu um peso recorde (29,7% do PIB) na série histórica compilada por Ramos, que remonta a 1995.
José Castro Caldas, investigador do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, e Eugénio Rosa, economista da CGTP, também provam que as políticas seguidas durante os anos do ajustamento extraíram valor ao trabalho de forma pronunciada.
Castro Caldas estima que "as alterações ao Código do Trabalho tenham levado a uma transferência de valor do trabalho para o capital na ordem dos dois mil milhões de euros.
Eugénio Rosa fez contas à função pública e concluiu que este grupo de trabalhadores foi "expropriado" em cerca de oito mil milhões de euros no período em análise por via de cortes remuneratórios, perdas de regalias, aumentos de descontos, etc.
Dinheiro Vivo | 21-06-2014
Comentários (4)
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Falta dar-lhe mais 2,5 000 000 000 de euritos... Uma ninharia ... Os proletas comunas podem pagar! è só cortar mais um pouco nas pensões e nos salários, nos subsídios de desemprego, nos órfãos nas viúvas e nos doentes e o Grupo Espirito Santo poderá salvar-se!
...
Quando é que estas sumidades se encontram com as grandes cabeças que há no MP para que estas, explicadas a fundo sobre economia, possam depois, na defesa da legalidade, fazer qualquer coisa - ou fingir que se faz - pelo Estado, em matéria de PPPs? Toda a gente sabe que a equipa do MP mandada formar para investigar as PPPs só não avança por falta de conhecimentos avançados de Economia...
E o que têm as PPPs que ver com a remuneração do capital? Pois nada, porque tudo o que foi criação socrática é obra de Deus. E pode lá haver inconstitucionalidade (de certa interpretação) das normas ao abrigo das quais se fizeram - nos termos em que se fizeram - certas PPPs?
Qualquer dia estes economistas ainda descobrem três coisas:
- que as viagens de avião não pagam IVA;
- que dois dos principais tributos que se paga em Portugal são regressivos a partir de certo escalão;
- que Keynes não escreveu só sobre política monetária, mas também - oh pasme-se! - sobre fomento do emprego.
É um perigo, se esta gente faz estas descobertas.
A solução para diminuir a remuneração do capital é tirar o dinheiro do banco e juntarmo-nos todos para fazer uma cooperativa. Se a coisa não resultar a cooperativa faz uma PPP com o Estado. De preferência com o Sócrates no Governo, faxavôr. Podemos chamar à cooperativa Mota-Engil, se ninguém se importar.
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