Menos trabalho é mais saúde e mais dinheiro. Há décadas que a teoria é defendida por especialistas, políticos e sindicalistas de várias partes do mundo. Caberá finalmente à cidade sueca de Gotemburgo provar que a redução da jornada para seis horas tem melhores resultados tanto na produtividade como no bem-estar dos habitantes. As cobaias vão ser os trabalhadores da câmara municipal da segunda cidade mais importante da Suécia.
Para metade dos funcionários vai ficar tudo como antes: mantêm as 40 horas semanais. A segunda metade tem mais sorte e ganha um bónus: menos duas horas por dia no escritório e o mesmo salário que os colegas. Ainda não está decidido se a pausa para almoço entra nesta contabilidade, mas está prometido que não haverá queixas nem ameaças de greve. Todos aceitaram previamente o acordo em nome da ciência e, quem sabe, de um novo paradigma do trabalho.
A discriminação, contudo, não será para sempre. Os funcionários da Câmara de Gotemburgo vão manter esta rotina durante um ano. No fim, os resultados da experiência vão ser avaliados para decidir que tipo de horário é mais benéfico para patrões e empregados. "Esperamos que os trabalhadores no modelo com menos horas tenham menos dias de baixa por doença e se sintam melhor física e mentalmente após passar por jornadas mais curtas", contou ao jornal sueco "The Local" Mats Pilhem, conselheiro da autarquia e membro do Partido da Esquerda, que governa a câmara em coligação com os sociais-democratas e os Verdes.
As experiências relacionadas com redução da carga horária são ainda muito irregulares para se obterem conclusões definitivas. Embora Pilhem recorde o exemplo de uma fábrica de automóveis da cidade que terá obtido resultados positivos com menos horas de trabalho, a oposição contrapõe com outro caso, na cidade de Kiruna, que após 16 anos com a jornada reduzida decidiu voltar ao modelo original por não compensar economicamente (ver casos ao lado). O executivo, acusado ainda de promover medidas populistas e eleitoralistas, defende que a experiência, a ser bem-sucedida, poderá não só aumentar a eficiência no local de trabalho como criar mais emprego na cidade.
O principal objectivo do projecto da cidade sueca é favorecer a igualdade entre homens e mulheres. Um dos grandes promotores desta experiência é o partido sueco Iniciativa Feminista. E a meta que ambicionaram passa por mudar o paradigma das leis laborais da Europa: em vez de se adaptar a vida familiar e pessoal ao trabalho, como acontece por exemplo com a extensão dos horários do pré-escolar, fazer o caminho inverso ou pelo menos encontrar um meio-termo.
O tema já não está circunscrito à segunda maior cidade sueca e assumiu dimensão nacional, com o primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt a avisar esta semana que a experiência de Gotemburgo pode custar mais de mil milhões de euros numa economia em recessão. A lei sueca exige 40 horas semanais de trabalho, apesar de as jornadas serem boa parte das vezes determinadas por acordos colectivos de trabalho, tal como em Portugal. Desde que a legislação portuguesa permitiu, em Outubro do ano passado, alargar o horário de 35 para 40 horas semanais, os funcionários públicos portugueses passaram a ter dois modelos.
A lei tem como objectivo, segundo o governo de Passos Coelho, poupar mais de 600 milhões de euros até 2015, mas a maioria das autarquias (195) continua com o regime das 35 horas semanais, enquanto as restantes 113 passaram para as 40. Esta disparidade só é possível porque, quando aceitou a constitucionalidade do diploma, o Tribunal Constitucional admitiu a possibilidade de as 35 horas constarem nos novos contratos de trabalho, usada pelos sindicatos dos trabalhadores da Função Pública.
FAMÍLIA Na base do ensaio sueco, diz o autarca de Gotemburgo, estão as preocupações europeias com consequências das longas jornadas de trabalho na saúde dos funcionários, na vida familiar ou ainda na eficiência das empresas. Inquietações que, em meados de Abril, levaram até sindicatos e patrões do sector da tecnologia e da engenharia em França a assinarem um compromisso que reconhece o direito do trabalhador a desligar os telemóveis e computadores de trabalho durante 11 horas por dia. Ou seja, ficar offline entre o final da tarde e a manhã seguinte para acabar com as intermináveis horas de trabalho.
As tentativas para mudar as rotinas de trabalho são antigas, mas pouco ou nada serviram para mudar as leis laborais do Ocidente. A mais famosa aconteceu em 1930, no auge da Grande Depressão, quando um magnata dos flocos de cereais decidiu fazer uma experiência semelhante à que agora se realiza em Gotemburgo. Substituiu os três turnos diários de oito horas por quatro turnos de seis e aumentou ainda os gastos com a publicidade.
Resultados? A fábrica em Barde Creek, Michigan, nos Estados Unidos, foi obrigada a contratar centenas de novos funcionários e os custos de produção caíram. Os trabalhadores aprenderam a trabalhar de forma mais eficiente, dando mais importância ao lazer e à família. Os vestígios deste modelo permaneceram até 1985. Quase cinco décadas depois, a Câmara de Gotemburgo repete a experiência Há que esperar por 2015 para avaliar os resultados.
Casos
Ficar offline
E se, no fim do horário de trabalho, o funcionário fosse obrigado a recusar os telefonemas do chefe e a desligar o email de trabalho?
Em França, sindicatos e patrões do sector da tecnologia assinaram em Abril um acordo que reconhece o direito do trabalhador de ficar offline. O objectivo é garantir o respeito pelos períodos de descanso previstos na lei. Por enquanto o compromisso é ainda uma declaração de princípios, não entrou em vigor, mas tem o mérito de obrigar os empregadores a encarar o problema.
Em contraciclo
Enquanto os EUA sofriam com a Grande Depressão, em 1930 W.K. Kellogg decidiu duplicar o investimento em publicidade, conseguindo assim aumentar as vendas.
Para ajudar os seus trabalhadores, reduziu ainda as horas dos três turnos diários da fábrica de Battle Creek, Michigan, e criou um quarto turno, dividindo os pagamentos por mais trabalhadores. As mudanças permitiram contratar centenas novos trabalhadores e fazer cair os custos de produção.
Os vestígios deste modelo permaneceram nas fábricas da Kellogg's até 1985.
Desilusão das 6h
Durante 16 anos, a Assembleia Municipal de Kiruna, na Suécia, manteve uma jornada diária de trabalho de seis horas, até regressar, em 2005, ao modelo anterior. O objectivo era promover a eficiência e o bem-estar dos 250 funcionários, mas a autarquia desistiu do projecto após concluir que a medida teve o efeito oposto. A assembleia municipal reconheceu que a produtividade subiu mas, por outro lado, as doenças e as baixas médicas dos funcionários também aumentaram, devido ao stresse e à intensidade de trabalho.
Kátia Catulo | ionline | 03-05-2014
Comentários (1)
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Fiscalização
Até pode haver pouco pessoal para se poderem tomar as diligências de fiscalização necessárias em campo, mas a verdade é que a punição de algumas empresas serve de chamada de atenção para outras...
Não pode é ser o que se tem visto: após denúncias lá aparece uma fiscalização da ACT e que aceita a areia para os olhos atirada pela empresa, nomeadamente a apresentação, a posteriori e sem questionar, de documentos que faltavam (registos de formação, registos de horários de trabalhadores...) e que são prontamente fabricados.
Quanto aos horários de trabalho, bastaria vigiarem a empresa em dias aleatórios, construírem um dossier (mesmo que pequenino!) com essa informação, e depois mais tarde, solicitar uma série de elementos à empresa juntamente com os registos de horário de trabalho... Se a regra for a de abuso e exploração é muito fácil apanhar-se a empresa. Alguns casos assim e o problema acabaria por resolver-se sozinho.
Agora como estão as coisas, reina o sentimento de impunidade e os abusos continuam.
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