O Tribunal de Contas (TC) está "chocado" com a decisão "demasiado apressada e desajustada" do magistrado do Ministério Público que devolveu o processo de auditoria, "barrando assim o caminho para julgamento" dos membros do governo regional da Madeira por omissão de dívidas.
"Só por distracção ou prefixação noutra solução, mais simples e divorciada da factualidade espelhada no processo de autoria, se justifica uma conclusão destas", frisa o despacho do juiz conselheiro da Secção Regional do TC, publicado nesta segunda-feira no Diário da República. "A matéria de facto é realmente muita, assim como a documentação que a suporta", acrescenta José Aveiro Pereira, referindo-se aos resultados desta acção fiscalizadora explicitados no Relatório n.º 8/2012- FS/SRMTC, aprovado a 31 de Dezembro de 2010.
A auditoria concluiu que o Instituto de Administração de Saúde e Assuntos Sociais (IASAUDE) e o Instituto do Desporto da Madeira haviam assumido, respectivamente, encargos omissos de 169,3 milhões de euros e 6,9 milhões de euros, "levando a um valor total que devia ser corrigido em alta para 353,2 milhões de euros".
Apesar disso, "o Ministério Público coibiu-se de acusar os governantes regionais indiciados pelas infracções financeiras que lhe são imputadas, não porque não haja factos e provas em abundância, que tornam os indícios fortes, indeléveis e não escamoteáveis, mas porque optou por uma linha de raciocínio divergente da realidade plasmada na auditoria e no respectivo relatório, eivado de conjecturas e ficções desarmónicas com o dever de objectividade e de legalidade por que se deve pautar a conduta processual do agente do MP", frisa o despacho.
"O Tribunal entende, e com sólida fundamentação, que foram cometidas as infracções", acrescenta o despacho, concluindo que "o MP ignorou a responsabilidade financeira dos membros do Governo e mandou notificar apenas os restantes indiciados".
Jardim enjeita responsabilidades "varridas para debaixo do tapete"
Por outro lado, reitera o despacho, "numa lógica de dissimulação, os governantes ignoraram consciente e voluntariamente os encargos assumidos e não pagos e continuaram a inscrever no Orçamento Regional verbas irrisórias face à dimensão desses encargos acumulados e 'varridos para debaixo do tapete'". "É isto que se indicia abundantemente nos autos e que o MP omite", acusa o juiz, que manifesta a sua "firme e frontal discordância perante a insustentável leveza com que o MP desconsidera e afasta, neste processo, o resultado factual e probatório da auditoria, além de ignorar a obrigação que recai sobre os responsáveis de demonstrarem que geriram e aplicaram bem os dinheiros públicos".
O juiz conselheiro do TC entende que a decisão do MP "impede o Tribunal de Contas de julgar os membros do Governo Regional da Madeira", apesar de "fortes indícios de infracções financeiras sancionatórias graves", não afastando, porém, "a possibilidade de o julgamento vir a ser requerido, pois, a abstenção [do MP] não tem efeito nem autoridade de caso julgado".
Para recusar levar os membros do governo madeirense a julgamento, o procurador da República junto da secção regional do TC alegou que "não existe qualquer prova de que os membros do Governo tivessem tido qualquer intervenção, por acção ou por omissão (...), quer na vertente dolosa, quer na negligente, na violação das normas orçamentais".
Na auditoria em detectou novas dívidas na Madeira, desta vez omitidas pelos institutos públicos regionais da Saúde e do Desporto, o TC concluiu que estes factos consubstanciam infracções financeiras puníveis com multa entre 1530 e 15.300 euros, atribuídas a vários membros do governo e directores dos dois institutos, em relação aos quais se extingue o referido procedimento se a multa for paga. No relatório final, censurou também a Direcção Regional do Orçamento e Contabilidade (DROC) por não ter exercido na "plenitude as suas atribuições e competências" em matéria de fiscalização orçamental e superintendência da contabilidade pública, fazendo com que tivessem sido fornecidos valores "incorrectos de encargos assumidos e não-pagos que puseram em causa a suficiência e credibilidade da informação financeira" reportada.
Em sede do contraditório, Alberto João Jardim enjeitou responsabilidades, alegando que "o presidente do Governo não tem, nem nunca teve, intervenção, directa ou indirecta, na elaboração e tramitação administrativa dos processos que são da alçada dos respectivos secretários". Mas o tribunal entende que "nada do que foi dito invalida a responsabilidade individual dos governantes, advinda da participação na elaboração da proposta de orçamento e na decisão consubstanciada na sua aprovação pelo plenário do conselho do governo regional".
Tolentino de Nóbrega | Público | 29-04-2013
Comentários (20)
Exibir/Esconder comentários
...
...
...
...
Porque diacho é que estamos sob um programa de ajuda depois de uma série de irregularidades que nem 3 PEC - sim, porque a austeridade começou no PEC1 - conseguiram disfarçar, deixando o país na bancarrota?
E não ponham culpas no MP. O mal está no próprio Tribunal de Contas que é capaz de multar chefes de secretaria mas não se mete com membros do governo. Pelo menos para além da mera crítica.
Porquê outro critério só para a Madeira?
...
Como alternativa sempre sobraria a possibilidade de colocar os juízes a fazerem o papel de Ministério Público - opção que, por força (está bom de ver), garantiria a realização das funções e fins que lhe estão cometidos de forma constantemente impecável e sem reparo. À semelhança, aliás, do que sucede - e, naturalmente, sempre sucedeu e sucederá - com a actividade e serviço que, nos tribunais, lhes estão reservados e de que, com unânime aplauso, reconhecimento e vénia, se vêm ocupando.
Estou surpreendidíssimo!!!!
...
Art 2º, nº1
O Ministério Público goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, nos termos da presente lei.
Artº 75º, nº1
A magistratura do Ministério Público é paralela à magistratura judicial e dela independente.
Em face e considerando o conjunto de normas vigentes (muitas vezes desconhecido, outras intencionalmente esquecido) que definem, enquadram e garantem a actividade do Ministério Público, aceita-se, naturalmente, que, em sede e para efeitos de serviço, há quem o endireite e quem, por motivos diversos, o não consiga fazer (de todo ou sequer satisfatoriamente); e que isso possa, de facto, constituir fonte de frustrações de vária ordem - cuja superação, no respeito do quadro legal existente, com simpatia se deseja (a bem do serviço e dos próprios).
ooo
...
Alguém assegura com certeza o que se seguiria, da responsabilidade dos juízes?
Enfim, vejo por aqui uma mentalidade que revela deformação.
MP vs tachos
Iniciativa do MP vs centenas de escândalos financeiros? Resultados quase nulos!
MP vs pilha-galinhas? Grande resultado.
administrativos? Há muitos tachos e por muitos anos.
MP vs promoções? Podem ser promovidos (de PA a Proc) sem mérito por mera antiguidade, ao contrário dos "seus paralelos" juízes.
...
Continua divertido, como sempre - e, honra lhe seja, nunca se afastando do seu campo de eleição: o das nulidades.
...
MºPº- tudo em dia, sem excepções.
Juízos- tudo atrasado e com anos e anos de atrasos. Milhares de processos nas prateleiras e juízes recrutados na administração pública, quase todos, hoje em dia.
É disso que quer falar, ABC?
...
...
José, tenho muito respeito pelo que escreve, mas não nos iludamos: para o MP ter o serviço em dia, 5 letras bastam (num TAF, onde estive, até trabalhei com um PR que dava pareceres, verdadeiros pareceres. Porém, por todo o lado - agora numa Relação - vejo MP a usar as tais 5 letrinhas a torto e a direito; mas, valha a verdade, também gente muito capaz, a emitir verdadeiros pareceres); já os juízes não o podem fazer. Daí que será sempre mais fácil um MP ter o serviço em dia (seja ou não trabalhador) que um juiz (seja ou não trabalhador). Concorda?
...
No entanto, é necessário notar uma coisa importante: os pareceres do MºPº nos TAF´s não são vinculativos de coisa nenhuma e destinam-se a marcar a posição do Estado, particularmente nos Tributários. Estado esse que também é representado ( mal porque é sempre a favor mesmo contra o Direito) pela Administração Tributária. Deve saber por isso mesmo que mais de metados dos pareceres do MºPº nesses locais são favoráveis ao contribuinte, o mesmo sucedendo com as decisões judiciais.
No entanto, o papel do MºPº nesses tribunais, como já o disse mais que uma vez. é primordial e assemelha-se ao do polícia que na rua, pela simples presença, impede a transgressão.
O problema dos juizos ( e disse juizos e não juízes) é de outra ordem de razões. E era dessa ordem de razões que pensava iria falar.
Mas ainda está a tempo...
...
Escreva o seu comentário
< Anterior | Seguinte > |
---|