O TC chumbou o novo regime que cria o sistema de requalificação na função pública porque viola o princípio de protecção de confiança dos trabalhadores do Estado quanto à estabilidade do vínculo laboral.
» Acórdão do TC, de 29-08-2013
A votação feita apenas por sete juízes e não pelos 13 do colectivo, tendo o presidente do Tribunal Constitucional, Joaquim Sousa Ribeiro, citado a lei para justificar que o número reduzido se deveu a férias.
Em causa está o diploma 177.º/XXII, do Parlamento, e a "fiscalização abstracta preventiva" pedida pelo Presidente da República, por dúvida em relação a duas normas. A proposta do Governo foi aprovada pelos partidos da maioria, a 29 de Julho.
Com a nova lei, o Governo pretendia aplicar o regime de requalificação (que substitui a mobilidade especial), no qual os funcionários públicos ficam à espera de colocação durante um período máximo de 12 meses. Terminado este período, os trabalhadores poderiam optar por ficar em lista de espera para uma eventual colocação, mas sem receberem qualquer rendimento, ou optar pela cessação do contrato de trabalho sendo que, neste caso, teriam direito à atribuição do subsídio de desemprego.
Esta medida é considerada pelo Governo como fundamental para a chamada reforma do Estado. Isso mesmo foi afirmado por Pedro Passos Coelho no discurso da rentrée política do PSD, no Algarve, há cerca de duas semanas.
De acordo com o presidente do TC, na decisão conhecida esta quinta-feira estão em causa os novos motivos dados pelo Governo para justificar um processo de requalificação que pode finalizar na cessação de contratos, nomeadamente, "a racionalização das receitas do Estado, a necessidade de requalificação e, depois, o cumprimento da estratégia estabelecida" com a troika.
Joaquim Sousa Ribeiro sublinhou que estas são "causas novas para um processo de requalificação mas que em confronto com o anterior regime pode conduzir à cessação". O TC entendeu que a garantia da segurança no emprego e a manutenção do emprego é central:
"Estava em causa algo de muito mais contundente e agressivo. Sendo esse efeito tão agressivo seria necessário uma definição precisa desse processo de requalificação", disse. Assim, o tribunal "entendeu que os motivos dados pelo Governo não estavam bem esclarecidos".
Sousa Ribeiro disse ainda que o tribunal não diz que não se pode despedir, mas isso não pode acontecer por um "um regime assim estabelecido". A norma teve o voto favorável à inconstitucionalidade de seis juízes em sete.
Quanto ao outro ponto, relativo ao princípio de protecção de confiança, Sousa Ribeiro afirmou que "quando em 2008 se estabeleceu o regime do contrato de trabalho, havia uma norma de salvaguarda quanto à cessação do contrato de trabalho. Entendeu-se que estava criada uma acção positiva do Estado num ambiente normativo em que as preocupações de racionalização de efectivos já se fazia sentir, o Estado entendeu dar essa garantia. Gerou-se uma confiança reforçada dos trabalhadores (...) e este interesse aqui não estava claramente defendido. Era desproporcionalmente afectada a confiança que legitimamente estes trabalhadores tinham". Aqui, não houve dúvidas, e a opção pelo chumbo foi unânime entre os juízes.
Agora, o Presidente da República tem de enviar a lei de volta para a Assembleia da República para que as normas sejam revistas.
Ana Rute Silva | Público | 29-08-2013
Comentários (15)
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Na Cadeia ou no Governo?
As leis estorvam aos tiranos e aos delinquentes!
E em Portugal?
Em Portugal também estorvam aos Governantes!
Porquê?
Porque são as duas coisas!
Apenas em Oeiras o povo tem um político em quem votar. Vive no local adequado.
Incompatibilidade
...
Na minha empresa não os queria ter de certeza, nem que eles me pagassem.
Como será possivel melhorar os serviços do estado se os que têm menos competência não saiem de lá?
Assim, venham de lá mais impostos para eu ter de pagar a essa gente que nada faz e ainda se ri de quem necessita dos seus seviços.
Bom fim de semana.
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Que a terra lhe seja mole!
Quem diz que o funcionário público não tem privilégios? Numa empresa privada, mesmo que o despedimento seja ilegal, a empresa despede de facto, fecha e o trabalhador nada recebe.
...existe o TC !
Não será difícil adivinhar o destino dos empregados...
Alguns com sorte, talvez a empresa os possa admitir num fábrica vizinha, ou requalificá-los para outras funções noutra fábrica do grupo.
Mas esperem...
...existe o TC !
Vão todos continuar com o vencimento e emprego garantido !
José Pedro Faria (Jurista) - Fundamentação exemplar
Na verdade, o conteúdo dos pontos acerca da "inobservância do critério da justa causa na cessação do vínculo laboral", e da "inobservância do princípio da proteção da confiança", mais que fundamentarem um pedido de apreciação de constitucionalidade, constituem uma espécie de esboço de acórdão, deixando o Tribunal Constitucional (TC), não apenas pelo peso político (pelo menos teórico) da entidade da qual provém o pedido, mas também pela sua construção jurídica, que é dificilmente atacável, numa confortável posição.
Ficou, pois, o TC com o trabalho facilitado em termos jurídico e igualmente ficou resguardado no que respeita à parte política.
O TC apresentou uma fundamentação jurídica exemplar. Igualmente interessantes são as declarações de voto, cuja leitura aconselho.
A título de exemplo, a propósito das mencionadas declarações, duas passagens que merecem reflexão:
Da Prof. Maria Lúcia Amaral:
[...] quanto a uma das normas em juízo, o princípio afetado é o da continuidade da ordem jurídica. Se em 2008 o legislador toma a decisão (que o Tribunal, em cumprimento do princípio da presunção de constitucionalidade dos atos legislativos, coonestou) de transformar maioritariamente a relação de vínculo de função pública em relação de emprego público regida pelos cânones contratuais do direito do trabalho, e o faz então com a salvaguarda da manutenção do quadro de estabilidade quanto ao regime de cessação do contrato; se em 2010, 2011 e 2012 o mesmo legislador afeta direitos e rendimentos das pessoas abrangidas pela modificação operada em 2008 com fundamento, precisamente, na estabilidade da relação laboral; se em 2013 acaba com essa estabilidade, alterando a decisão anterior e negando os fundamentos invocados um e dois anos antes para justificar a afetação de direitos, então – e sobre isso não há dúvidas – a ordem jurídica em que tudo isto acontece sofre disrupções e descontinuidades que põem desde logo em causa a dimensão objetiva da “confiança” e da “segurança”, enquanto elementos centrais de um Estado de direito" (sublinhados meus).
E ainda: "[a] garantia da segurança no emprego, que o artigo 53.º da CRP consagra, não é uma “especificidade” da Constituição portuguesa. É antes um princípio comum aos Estados da Europa [...]".
E do Juiz Conselheiro Dr. José da Cunha Barbosa (que, como é sabido, é Juiz do STJ, encontrando-se no TC em comissão de serviço):
"O Código do Trabalho reconhece a possibilidade de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho com base em “motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos”, avançando alguma doutrina que tais despedimentos serão de admitir para lá dos casos limite ou de iminente insolvência da empresa. Trata-se de decisões de gestão empresarial cujo mérito não cabe ao tribunal apreciar porque o empresário é livre de empreender um caminho ruinoso" (aqui apoiando doutrinalmente em Pedro Romano Martinez et alii - cfr. Acórdão) [...]. Esta argumentação, alicerçada no direito de livre iniciativa económica (artigo 61.º da CRP), não vale no domínio da administração pública, para quem a ruína não é opção, em razão da vinculação funcional à prossecução do interesse público e dos princípios da eficiência e da boa administração".
Portanto, para além da fundamentação do TC, sugiro a leitura atenta das declarações de voto.
Claro que proximamente surgirá em força o "discurso do taxista", instigado pelo próprio Governo, mas duvido que alguém seja capaz de atacar a solidez deste acórdão.
E claro é também que surgirá em força o tristemente famoso fado do "não há dinheiro". Mas quando pensamos que depois das socializações das dívidas dos bancos por toda a Europa (com o caso BPN à cabeça, em Portugal), depois de os Estados terem que assumir milhares de milhões de euros de dívidas dos bancos, por toda a Europa, depois de os Estados sofrerem reflexamente os efeitos das políticas irresponsáveis dos banqueiros e outros financeiros, dizer-se que a culpa reside na existência de um número excessivo de trabalhadores públicos (o que nem sequer é, estatisticamente verdadeiro), torna a justificação "não há dinheiro" num exercício de execrável desconsideração da inteligência das pessoas.
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Afinal não vale tudo, o (des)governo tem pela frente uma instituição de controlo.
Pena é que o Presidente da República seja mais um observador que nada faz.
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sr especialista e sr contribuinte feliz leia, o acordao, pensem uns minutos ou horas, vao a um hospital sem funcionarios ou a um tribunal sem funcionarios ou a uma escola sem funcionarios e depois venham aqui escrever...
e ja agora estudem as teorias sociais-democratas verdadeiras e a doutrina social da igreja... e um pouco de hiostoria economica...
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Uma empresa despede sem justa causa e o trabalhador nada recebe? Isso é onde? No Paquistão?
É que em Portugal, a indemnização pelo despedimento sem justa causa, ainda é aplicável.
Apesar de não ser "especialista em coisa nenhuma", sempre gostava de ler quais são os privilégios que os funcionários públicos são possuidores, para percebermos melhor se é o discurso da moda, o que denota preguiça em pelo menos tentar conhecer a verdade.
Já agora faz-me uma grande confusão que considere o Estado uma empresa falida, por causa dos funcionários públicos, mas não considere mais importante para essa falência os milhões que andam a voar entre bancos, PPP, Swaps e afins. Estranho, não é?
Já o "Contribuinte Feliz", que usa casos pessoais e individuais para qualificar os funcionários públicos, ignorando propositadamente a desqualificação de muitos privados e empresários, o que revela desonestidade intelectual, retira uma conclusão de mestre, com a qual vai ter que viver no futuro. Ou acha que serão pessoas qualificadas a retirar diariamente o lixo que deposita no seu contentor? Ou serão os enfermeiros ou médicos que o vão lavar todos os dias, se tiver o azar de ser hospitalizado? E muitos mais exemplos poderia dar, lembrando-lhe que os que são mais qualificados academicamente, não são mais necessários que aqueles que o são menos. Mas numa coisa tem razão, pois se fosse funcionário público, teríamos que aturar a sua eventual incompetência, enquanto como privado, o destino será mesmo o fecho das portas, por incapacidade para lidar com a concorrência. Para ambos o meu convite a identificar e demonstrar a menoridade e os privilégios dos funcionários públicos, se a tanto forem capazes,
TC...
Chicos Espertos Saloios
Isto nem como vozes de "vozes de Burro" pode ser classificado!
Tal comparação apenas seria válida se fosse declarada a dissolução do Estado e o seu desaparecimento!
Todos nós seriamos então despejados e os credores encarregar-se-iam da massa falida!
O que se pretende para os FPs é absolutamente execrável e nada tem a ver com o que acontece no privado!
Um Estado é soberano e tem a capacidade de produzir a sua moeda. No momento presente, Portugal abdicou dessa capacidade que foi assumida pela UE. O problema é então não apenas nosso como da restante Europa!
Há quem defenda a saída do euro e o regresso a uma moeda própria!
Pelos vistos, e na minha opinião o fiel da balança leva a pensar que a continuar assim a morrer ás mijinhas mais valerá essa opção de morte rápida e ressuscitação lenta já que a morte lenta á espera de uma ressuscitação rápida não funciona!
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o Estado visa sobretudo servir a sociedade sem obter lucro, mas a empresa privada visa sobretudo obter o lucro servindo ou nao a sociedade. Logo os seus dirigentes e funcionarios sao muito diferentes dos do sector privado, como è logico.
veja-se o lehman brothers, a aig, o goldman sachs, o citibank, que c****m os Estados, visam o lucro e nùao servem a sociedade mas sim os accionistas e os ceo.
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Artigo 53.º CRP
(Segurança no emprego)
É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
Porém... como é sabido, foi alterado o Código do Trabalho de forma a poder serem despedidos trabalhadores fora do quadro constitucional da "justa causa". Foram esses diplomas mandados por alguém para o Tribunal Constitucional? Diz um jornalista que sim:
http://www.ionline.pt/iOpiniao...nstituicao
Não subscrevendo a tese subjacente ao artigo do ionline, pergunto: é mesmo verdade que o TC deixou para as calendas gregas este problema, ou trata-se de ignorância do jornalista? Não se trata de termos uma Constituição para filhos e outra para enteados - é a tese do jornalista do ionline, com que não concordo. Temos sim um TC que decide de acordo com a CRP no que diz respeito a problemas dos funcionários públicos, e quanto aos trabalhadores privados e aos atropelos aos seus direitos fundamentais, não decide - segundo o jornalista. Como os meus conhecimentos em processo de averiguação da inconstitucionalidade são muito limitados (maxime quanto a legitimidade para a requerer e prazos para decidir), gostaria que alguém desse um contributo para esclarecer o que se passou aqui. O TC violou alguma norma ao decidir não decidir a questão?
Deixo esta passagem do artigo:
O CT permitiu a facilitação dos despedimentos e indemnizações mais baratas para as empresas, tendo passado a ser possíveis despedimentos por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação. A suspensão de contratos por motivo de crise empresarial passou igualmente a ser facilitada.
PCP, BE e Os Verdes recorreram em Junho de 2012 ao Constitucional alegando que a segurança no emprego estava posta em causa por causa dessas medidas, mas os juízes do Palácio Ratton ainda nada decidiram. Leu bem, caro leitor. Passado mais de um ano após o pedido de fiscalização sucessiva, o TC ainda nada disse. Escudados no formalismo de não terem prazo para decidir nesse tipo de reclamações, os conselheiros deixaram passar o prazo do bom senso e da decência.
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