Julgamentos sumários para crimes graves violam direitos dos arguidos perdem"garantias de defesa" e são punidos por magistrados inexperientes
Um juiz recusou-se a julgar em processo sumário um homicida, no Entroncamento, ao entender que apenas um tribunal coletivo ou de júri tem competência para decidir, nos prazos normais, sobre crimes puníveis com penas de prisão superiores a cinco anos.
Houve um recurso para o Tribunal Constitucional (TC) e os juízes conselheiros deram-lhe razão - "a norma é inconstitucional" Afirmam os juízes que, com a nova lei da ministra Paula Teixeira da Cruz, que visou já este ano acelerar os processos em que os suspeitos são apanhados em flagrante delito, são violados direitos de defesa dos arguidos. "Como o TC tem reconhecido [em dois acórdãos anteriores], o julgamento através de tribunal singular oferece menos garantias de defesa, desde logo porque aumenta a margem de erro na apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos justa".
Segundo os juízes, num acórdão de 15 de julho a que o CM teve ontem acesso, "o tribunal singular [para crimes menores] é normalmente constituído por um juiz em início de carreira, com menos experiência, o que poderá potenciar uma menor qualidade da decisão"
Afirmam ainda que: "A celeridade processual não pode deixar de ser articulada com as garantias da defesa". E, embora aprova direta, face ao flagrante delito, "facilite a demonstração dos factos e a punibilidade do arguido" há outros fatores a ter em conta na aplicação da pena, como "a personalidade do agente, a motivação e as circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime".
Para os casos de criminalidade grave, a que possa corresponder a mais elevada moldura penal, "nada justifica que a situação de flagrante delito possa implicar, por si, um agravamento do estatuto processual do arguido, com uma limitação dos direitos de defesa e a sujeição a uma forma de processo que envolva menores garantias de uma decisão justa".
O PRIMEIRO CONDENADO
Três meses depois de ter assassinado a mulher, Manuel Ramalho foi condenado no Fundão a 20 anos de cadeia, no dia 15. Foi o primeiro caso de condenação de um crime grave em processo sumário.
ACÓRDÃO DE 15 DE JULHO
O juiz relator do acórdão, de 15 de julho (assinado por cinco conselheiros) é Carlos Cadilha.
PROCESSOS EM CAUSA
A inconstitucionalidade reconhecida pode pôr em causa dezenas de processos.
Henrique Machado | Correio da Manhã | 25-07-2013
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Lei chumbada
Por alguma razão os crimes de maior gravidade são julgados por tribunais coletivos. É assim porque três juizes avaliam melhor - e dão mais garantias de rigor, sobretudo quando estão em causa penas mais elevadas. A Constituição parece obrigar bemou mal, não interessa para o caso - que os arguidos em risco de uma condenação mais severa sejam julgados por um tribunal constituído por três juízes. A ministra da Justiça, decidida a agilizar as decisões dos tribunais, inspirou alterações legislativas de modo a que um crime tão grave como o homicídio possa ser julgado em tempo recorde por um só juiz.
O mérito de tornar a Justiça mais célere choca aqui com a Lei Fundamental - é esta, pela menos, a decisão do Tribunal Constitucional que dá razão ao juiz do Entroncamento: o magistrado recusou-se a julgar em processo sumário um tresloucado detido em flagrante por tentativa de homicídio. Segundo o juiz, a quem o TC veio a dar razão por unanimidade, o arguido tem de ser julgado por um coletivo. A decisão acaba por crucificar uma alteração legislativa descuidada.
Manuel Catarino | Correio da Manhã | 25-07-2013
Comentários (9)
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Credo, mas valia consagrar expressamente o direito do arguido a não ser condenado... poupava-se muito trabalho a muita gente.
Mas parece que não se tem coragem para isso e esperam que com vários anos de processo a percorrer todas as instâncias com inúmeros recursos, infindáveis "questões prévias" e outros disparates, se alcance o mesmo resultado... depois do Estado (leia-se contribuintes) ter pago milhares e milhares de euros com o custo do "brincar à justiça".
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O Entroncamento mais uma vez demonstra ser fonte de fenómenos, neste caso dos bons!
José Pedro Faria (Jurista) - Sábio Acórdão
Mas, a título ilustrativo, não resisto a deixar aqui transcritas algumas passagens significativas do aresto em causa (Processo n.º 403/2013, de 15-07):
"Como o Tribunal Constitucional tem reconhecido, o julgamento através do tribunal singular oferece ao arguido menores garantias de defesa do que um julgamento em tribunal coletivo, desde logo porque aumenta a margem de erro na apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos justa (entre outros, os acórdãos n.ºs 393/89 e 326/90). E por razões inerentes à própria orgânica judiciária, o tribunal singular será normalmente constituído por um juiz em início de carreira com menor experiência profissional, o que poderá potenciar uma menor qualidade de decisão por confronto com aquelas outras situações em que haja lugar à intervenção de um órgão colegial presidido por um juiz de círculo".
E noutro passo:
"Acresce que a prova direta do crime em consequência da ocorrência de flagrante delito, ainda que facilite a demonstração dos factos juridicamente relevantes para a existência do crime e a punibilidade do arguido, poderá não afastar a complexidade factual relativamente a aspetos que relevam para a determinação e medida da pena ou a sua atenuação especial, mormente quando respeitem à personalidade do agente, à motivação do crime e a circunstâncias anteriores ou posteriores ao facto que possam diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente".
E ainda:
"Como se deixou entrever, o princípio da celeridade processual não é um valor absoluto e carece de ser compatibilizado com as garantias de defesa do arguido. À luz do princípio consignado no artigo 32º, n.º 2, da Constituição, não tem qualquer cabimento afirmar que o processo sumário, menos solene e garantístico, possa ser aplicado a todos os arguidos detidos em flagrante delito independentemente da medida da pena aplicável. Tanto mais que mesmo o processo comum, quando aplicável a crimes a que corresponda pena de prisão superior a cinco anos, dispõe já de mecanismos de aceleração processual por efeito dos limites impostos à duração de medidas de coação que, no caso, sejam aplicáveis (artigos 215º e 218º do CPP)".
Manifesto a minha absoluta concordância com estas considerações do Tribunal Constitucional.
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1º prisão preventiva e depois faz-se um julgamento com colectivo (assim é que se trabalha).
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