In Verbis


icon-doc
REVISTA DE 2013

Novo CPP: "Os tribunais vão entupir"

  • PDF

As alterações ao Código Penal e de Processo Penal entraram em vigor há quase um mês. E os tribunais já estão com dificuldades: há deficiências técnicas e falta de pessoal.

Há novas histórias nos corredores dos tribunais que até aqui julgavam apenas os pequenos crimes: agora o dia-a-dia não é só em torno do arguido que insultou polícias ou da difícil reabilitação do condutor apanhado oito vezes sem carta. Em Loures já foram julgados roubos e furtos qualificados. Em Lisboa, já chegaram à pequena instância criminal tentativas de homicídio, assaltos e coacção sexual. E mais a norte, no Fundão, tudo se encaminha para levar a julgamento sumário - mais rápido, e apenas com um juiz - o homem que na semana passada terá matado a mulher à paulada. Mas as alterações à lei não trouxeram só a novidade de julgar crimes mais graves. Atrelados vieram também os problemas logísticos decorrentes de um maior volume de casos.

Uma fonte da Pequena Instância Criminal de Lisboa ouvida pelo i adianta que "não existem recursos para fazer da Pequena Instância aquilo que o legislador exige". "Há questões de organização e de recursos que não foram pensadas por ninguém", avisa a fonte que prefere não ser identificada. Manuel Sousa, vice-presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais e secretário do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto, é ainda mais pessimista: "Pode estar para breve a ruptura completa dos serviços. Os tribunais vão entupir."

As alterações aos Códigos Penal e de Processo Penal (CPP) entraram em vigor a 23 de Março e desde então muito mudou na rotina dos tribunais de primeira instância e de alguns departamentos do Ministério Público. Os interrogatórios de testemunhas e arguidos passaram a ter de ser gravados; os homicidas, assaltantes e quase todos os criminosos apanhados em flagrante passaram a ter de ser julgados num prazo supersónico (o julgamento deve começar no prazo de 20 dias e terminar no prazo de 120); os condutores apanhados a conduzir com excesso de álcool perderam a benesse da suspensão provisória do processo: sejam novatos ou repetentes, já não escapam a julgamento.

Os problemas, dizem funcionários e magistrados do Ministério Público ouvidos pelo i, decorrem não só da falta de pessoal - os meios humanos não foram reforçados para fazer face ao maior volume de trabalho - mas também a nível técnico. "As alterações feitas pelo legislador devem ter ficado muito bem aos olhos do cidadão, mas nos tribunais é difícil conjugar tudo e a justiça acabou por ficar mais cara para o Estado", critica o vice-presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais. E exemplifica: "Imagine processos com 50 arguidos e 500 ofendidos.

Qual é o magistrado que vai conseguir ouvir todas as gravações destes depoimentos e fazer um despacho de acusação ou de arquivamento em tempo útil? E os interrogatórios a estrangeiros que terão de ser todos traduzidos?" O representante dos funcionários judiciais explica que já existe um défice de dois mil funcionários e ainda 700 pedidos de aposentação que estão por apreciar e avisa: "Se os meios não forem reforçados, é impossível ter tribunais a funcionar correctamente dentro de seis meses."

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e a Associação Sindical de Juizes Portugueses (ASJP) ainda não receberam queixas. Mas estão conscientes de que ainda será cedo. É preciso esperar alguns meses para ter noção do impacto exacto das mudanças. Mouraz Lopes, presidente da ASJP, ainda não está convencido de que crimes como os homicídios ganhem em ser julgados por um tribunal singular e num curto período de tempo mas aguarda resultados. "A prática pode vir demonstrar o contrário", teme o sindicalista, acrescentando ser essencial "testar e avaliar o modelo daqui a seis meses". No que respeita à organização do sistema, Mouraz Lopes está convencido de que tem "capacidade para aguentar", até porque "os flagrantes delitos quase não terão expressão estatística". Rui Cardoso, representante dos magistrados do MP também entende que o possível "engarrafamento" dos serviços é uma falsa questão, mesmo nos tribunais mais problemáticos: "A Pequena Instância, salvo erro, tem dez juizes. E geralmente só um é que está de turno a fazer sumários".

Julgamentos supersónicos

Suspeitos apanhados em flagrante passaram a ser julgados de imediato. Ou quase no imediato. Nunca será de um dia para o outro, mas levarão no máximo até quatro meses a conhecer a sentença. Em quase todo o tipo de crimes (à excepção, por exemplo, do tráfico de armas ou de droga), desde que o suspeito seja apanhado no acto, passou a estar sujeito ao chamado processo sumário - que deve começar no prazo de 20 dias e terminar no prazo de 120. Ou seja, de forma mais célere e apenas por um juiz: até à entrada em vigor das alterações na lei estes casos eram julgados por um colectivo de juizes. Até aqui os julgamentos rápidos só se aplicavam aos crimes punidos com menos de cinco anos de prisão ou quando o Ministério Público concordava antecipadamente que a pena não seria maior. Agora o catálogo de crimes até inclui os homicídios.

Alcoolizados são julgados Seja um novato na condução com álcool, seja um veterano nos problemas com o alcoolímetro, a partir de 23 de Março, se for apanhado a conduzir com excesso de álcool, terá de enfrentar obrigatoriamente um julgamento. É proibida a suspensão provisória do processo em qualquer caso. O ex-PGR Pinto Monteiro chegou a enviar uma circular, sublinhando que a punição de condutores alcoolizados sem julgamento estava a ser "um sucesso". Mas o governo mudou de ideias: por exigências de prevenção da reincidência, "sempre que o crime seja punível com pena acessória de proibição de condução de veículos com motor", é obrigatório o arguido ser julgado.

Sílvia Caneco | ionline | 22-04-2013

Comentários (6)


Exibir/Esconder comentários
...
A senhora jornalista é obrigada, pelo seu estatuto, a dar notícias verdadeiras.
Não o fez.
Refere que é proibida a suspensão provisória do processo no caso de condução com alcool.
É triste que seja desta forma que se "informam" os leitores.
Bastava ler a lei...
Bastava ter perguntado a qualquer magistrado...
Mas não, a lei do menor esforço imperou e usou uma notícia antiga, de quando se estava em fase de projecto de alterações.
É este o jornalismo que temos.
Se, num caso simples como este, é tamanho o erro, imagine-se no demais.
Como acreditar no que se lê nos jornais?
O melhor é mesmo nunca acreditar...
É pena.
ignorância , 22 Abril 2013
ooo
Mas os tribunais alguma vez estiveram desentupidos????
quanto mais entupidos, mais concursos abrem para filhos e filhas,...de magistrados!!!
zeca , 22 Abril 2013 | url
...
Esta notícia é de bradar aos céus.
Ai Ai , 22 Abril 2013
...
A lei veio mesmo prever a suspensão provisória do processo na condução em estado de embriaguez (art.º 281.º, n.º 3)! A notícia não é verdadeira
Incrível , 22 Abril 2013
Informatica
Existe ainda a falta de alterações no sistema informatico, que se mantem estatico desde a demissao da equipa que fazia a sua manutenção.
Quem está agora a tratar deste assunto, ou anda a dormir, ou não faz a menor ideia do que deve ou não fazer, ou de como fazer....
Começa a estar numa fase insustentavel, e num ponto sem retorno....
OJ , 24 Abril 2013
...
Caro OJ, segundo a Ministra está tudo bem, os que saíram até estavam a mais, eram uma espécie de parasitas a dar para o criminoso: http://all4ten.wordpress.com/
Observador , 24 Abril 2013 | url

Escreva o seu comentário

reduzir | aumentar

busy

Últimos conteúdos

A crise trouxe dúvidas novas sobre a situação do país e a actuação dos políticos. As televisões portuguesas responderam ...

Com o termo do ano de 2013, cessaram as publicações de conteúdos nesta Revista Digital de 2013.Para aceder aos conteúdos...


Isabel Moreira - Ouvindo e lendo as epifanias sobre o Tribunal Constitucional (TC) que descobriram ali um órgão de sober...

Últimos comentários

Tradução automática

Atualidade Tribunais Novo CPP: "Os tribunais vão entupir"

© InVerbis | 2013 | ISSN 2182-3138.

Arquivos

Sítios do Portal Verbo Jurídico