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REVISTA DE 2013

Juíza inspecciona hospitais antes de suspender fecho da MAC

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Juíza que travou fecho da MAC visitou hospitais do SNS para tirar dúvidas: Inspecção judicial no âmbito de uma providência cautelar é considerada uma decisão rara. Foi juíza que o decidiu e de véspera.

Não é um rosto conhecido, mas assinou a sentença que deitou por terra, pelo menos a curto prazo, o fecho da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. Anabela Araújo, juíza de direito do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, é o nome por detrás da decisão que determina que o fecho da MAC nos moldes previstos era uma afronta à saúde pública. Na sentença, contudo, há um ponto a gerar surpresa. A juíza ordenou uma inspecção judicial sem que isso tenha sido pedido pelas partes envolvidas na providência.

Segundo o i apurou, apesar de o ter anunciado logo no primeiro dia de julgamento - perante as contradições entre as testemunhas dos peticionários da providência cautelar e do Ministério da Saúde e do Cento Hospitalar Lisboa Central - a data foi uma surpresa. A juíza acabou por avisar os responsáveis com menos de doze horas de antecedência. Fonte próxima do processo, que prefere não ser identificada, lembra que passava já das 00h30 e estava perto do fim a última sessão do julgamento, que se prolongara noite dentro, quando souberam que iam receber a visita da magistrada pela manhã.

Dez horas foi a hora marcada para a comparecer na MAC, conforme corrobora o auto de inspecção a que o i teve acesso.

Mas a juíza teria até ido mais cedo não fosse o motorista do tribunal só estar disponível pelas 9h00. Uma mulher na casa dos 50 anos, com uma aparência severa, postura de "general" e uma rapidez de raciocínio e síntese são alguns dos adjectivos usados para descrever a juíza, que ao longo do julgamento chegou a ameaçar com processos falsos testemunhos ou citações não autorizadas.

Os autos da inspecção judicial corroboram que a juíza, acompanhada por uma escrivã auxiliar, mas também pelos representantes legais das partes, quis saber todos os detalhes técnicos, de capacidade e lotação das três unidades envolvidas no caso e que acabou por visitar: a maternidade que ia ficar vazia, ao hospital pediátrico em processo de obras para receber os serviços transferidos ao Hospital de S. José, para onde seriam transferidas algumas operações. "Na altura chovia e como um dos argumentos da oposição à providência cautelar era de que entrava água pelo telhado, quis ir aos serviços nos últimos pisos e até ironizou que estava farta de apanhar chuva na MAC".

A sentença acaba por verter o tom assertivo e directo da juíza. Conclui que com a transferência para a Estefânia os utentes ficariam pior servidos, uma vez que os blocos operatórios e cuidados intensivos neonatais neste hospital, mesmo com obras, apresentam lacunas técnicas e de espaço.

"A reiterada expressão - divulgada nos meios de comunicação social - de que a MAC não cabe no HDE, refutada pelas requeridas, deixou de ser mera frase, pois o que se apura é que a transferência da MAC implica a redução de prestação de serviços, de que modo e em que circunstâncias, não se sabe", diz a sentença.

O i tentou ontem chegar à fala com a juíza e conhecer o seu percurso junto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), sem sucesso. Da mesma forma, não foi possível perceber se este pedido de inspecções judiciais é habitual por parte desta magistrada.

Ver uma juíza ir de malas e bagagens inspeccionar um local antes de tomar uma decisão, para já, surpreende até os especialistas. Paulo Veiga e Moura lembra que "a lei permite que o juiz adopte todas as medidas necessárias à decisão da causa" mas admite que a atitude da magistrada não entra propriamente nos padrões "de normalidade". Pelo menos no das providências cautelares, já que estas são de carácter urgente e também de carácter provisório - a decisão só se mantém até ser julgada uma acção principal.

Neste caso, a inspecção não foi pedida nem pelo Ministério da Saúde nem pelos particulares que apresentaram a queixa: terá sido uma decisão da juíza ver o local com os seus próprios olhos. Saragoça da Matta, também especialista em Direito Administrativo, completa o quadro, recordando que a inspecção judicial "em regra é requerida por uma das partes, mas o seu deferimento não é comum". "É raro isso acontecer em acções principais. Em providências cautelares, que são processos especiais que têm prazos muito curtos, é ainda mais raro um juiz autorizar."

Tão raro que, embora seja um instrumento previsto na lei, a atitude da magistrada é elogiada. "Fez muito bem em ter autorizado a inspecção judicial. Isso devia acontecer em muitos outros casos em que é necessário o juiz ir ao terreno para verificar o contexto e a matéria de facto das causas", sugere Saragoça da Matta. Paulo Veiga e Moura também aproveita o contexto para lamentar "Quantas vezes pedimos aos juizes para fazer uma inspecção e eles dizem que vão lá se for necessário e depois nunca é necessário?"

Fonte judicial, que prefere não ser identificada, diz que esta decisão reforça pelo menos uma ideia: a de que os tribunais administrativos já não tribunais privados do Estado. "Houve durante muitos anos a ideia de que o Estado jogava em casa, quando hoje com a existência do CSTAF mas também com a existência de concursos e avaliação de juizes, isso já não se coloca."

Ainda assim, o reconhecimento da soberania da lei sobre todos, mesmo sobre representantes políticos, deve merecer uma argumentação sólida e ainda gera algumas resistências em Portugal, diz a mesma fonte judicial. Na sentença de 180 páginas, ajuíza revela que a oposição - Ministério da Saúde e centro hospitalar - puseram em causa o papel do tribunal numa decisão política, lembrando a ideia de um governo de juizes e eventual ingerência Leitura arrasada pela juíza, que considerou que havia uma defesa do interesse de saúde pública a fazer e elogiando mesmo os autores da providência. "A disparidade de situações da MAC e HDE, quer quanto as características dos edifícios, ao espaço disponível em cada um deles; e ainda às características dos serviços renovados na MAC que não são repostos no HDE permite concluir que o sacrifício exigido contra a saúde pública não pode ser aceite e prestam os requerentes um bom serviço a comunidade", lê-se na sentença.

A sentença da juíza.

ENQUADRAMENTO DA PROVIDÊNCIA
"Como se se demonstrará o encerramento da MAC, mais do que tudo, pelo alegado pelas requeridas", e não necessariamente o provado pelas mesmas, deve-se a questões de índole económico-financeira e de alegadas e supostas razões de racionalização de recursos, o que constituem realidades fácticas desprovidas de força bastante para derrogar a primazia da defesa do interesse difuso "saúde pública" traduzido na manutenção do funcionamento da MAC".
"Contrariamente ao expandido pelas requeridas a intervenção dos tribunais é devida e assegurada por comandos constitucionais, o que em nada é confundível com a preocupação da requerida MS do embrião de governo de juizes, aliás diga-se que os tempos mudam, e hoje discute-se não a velha afirmação do governo de juizes mas sim o activismo sindical"

DO MÉRITO DA PROVIDÊNCIA
"[Ministério da Saúde e Centro Hospitalar de Lisboa Central]. Dizem as requeridas que a sua intenção de encerramento da MAC não colide com o ordenamento jurídico, que não se verifica a violação de quaisquer normas jurídicas ou princípios gerais de direito, nem tão pouco será lesiva da saúde pública. Não é verdade! No caso vertente, o que se apura é que as requeridas não praticaram qualquer acto administrativo, ou seja, a decisão de encerramento estará em preparação, ou em curso, ou simplesmente entendem as requeridas que podem encerar e transferir unidades de saúde sem qualquer decisão administrativa..."
"Nem a troika pode justificar afronta injustificada, desnecessária e ilegal da saúde pública, "na ilegalidade não há poupança"! Como em questões essenciais de saúde pública não pode haver "poupança".
Num Estado Social de Direito, como Portugal, é inadmissível a lesão de interesses como a saúde pública. Como é inadmissível violar a saúde pública ancorada em razões não objectivadas, não ponderadas, e optar por situações geradores de perigo para a saúde pública e de diminuição da qualidade e excelência que sempre foram reconhecidas à MAC e que agora são pura e simplesmente votadas a "desaparecimento por etapas", o que não é exigível aos cidadãos suportar, não estamos no mero domínio de cortes salariais, estamos no domínio da saúde pública.
"As requeridas optaram mais do que alegar factos, alegar factos meramente valorativos, conclusivos e justificar as opções até com doutrina e jurisprudência, o que seria até normal se estivéssemos em sede de tribunal de recurso e não na 1.ª instância a julgar a causa, onde se alegam e provam factos."
"As requeridas acenaram com a troika, matéria em concreto, que nada provaram, não basta incluir matéria genética num memorando para sem mais encerrar a maternidade n.º 1 do país.
"Fechar a MAC ad hoc é a imagem da afronta directa e injustificação do bem jurídico saúde pública"

Marta F.Reis | ionline | 24-07-2013

Comentários (7)


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É a Republica dos Juizes.Não deixam movimentar helicopteros, não deixam fechar hospitais, não deixam aplicar o processo sumário etc. Qualquer dia não deixam despedir, nem reformar, nem, nem...Não seria melhor fazerem uma lista e concorrerem?
Valmoster , 25 Julho 2013
...
De facto, é uma chatice haver tribunais e juízes independentes do poder político. Era tudo muito mais fácil se tivessem que ter um cartão partidário, fazer promessas (não as cumprir) e fazer a sua vida de populismo com um sempre "yes prime minister" na ponta dos dedos das suas decisões.
O Valmoster está a esquecer-se de um pormenor muito importante: as decisões dos juízes não são proferidas por iniciativa própria, antes limitam-se a incidir sobre uma pretensão de CIDADÃOS que vêm no poder judicial o último reduto da defesa dos seus DIREITOS.
Bem sei que para o Valmoster, isso de direitos, constituição, submissão à lei é tudo dispensável. É fácil: emigre para a Coreia do Norte ou para Cuba e seja feliz.
AntiPolíticos , 25 Julho 2013
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que chatice haver tribunais... para defesa dos direitos fundamentais...
que chatice haver direitos fundamentais...
será q há tribunais no resto da europa?
ui , 25 Julho 2013
...
Não será emoção a mais por parte da M. Juíza num campo tão sensível como o que está em causa? É que outras interpretações plausíveis serão possíveis, parece-me a mim. Com efeito,
A MAC foi juridicamente extinta sem mais formalidades pelo artigo 1º nº 2 do Decreto-Lei 44/2012 de 23.02, o qual procede à extinção e integração por fusão no Centro Hospitalar de Lisboa Central, E. P. E., do Hospital de Curry Cabral, E. P. E., e da Maternidade Dr. Alfredo da Costa.
Como no preâmbulo do referido diploma se diz, visa-se a reorganização da rede hospitalar, que figura entre as medidas estratégicas e prioritárias do XIX Governo Constitucional para a área da saúde, prosseguindo uma política de avaliação de oportunidades de fusão e concentração de serviços que revelem sobreposição de capacidades instaladas.
Concorde-se ou não com a extinção da MAC e com a metodologia adoptada para o efeito, o facto é que essa extinção se insere numa política pública governamental definida por um governo legitimamente eleito.
Trata-se, portanto, de um acto político inserido num programa governamental, que é insindicável pelos tribunais por força do princípio constitucional da separação de poderes, e não de um acto administrativo isolado.
Aliás, trate-se de acto político, trate-se de acto administrativo, o que se apresenta é que tal acto de extinção da MAC nem sequer terá sido impugnado.
Outra coisa é o valor patrimonial do imóvel onde funciona a MAC e outros bens doados com vista ao seu funcionamento, que poderão vir a ser reclamados pelos herdeiros dos doadores, eventualmente com sucesso.
Maria do Ó , 25 Julho 2013
...
Maria do o
Ha recursos!
Wer , 26 Julho 2013
...
Parece haver uma tendência nos Tribunais Administrativos para - no âmbito de qualquer providência cautelar geralmente de raiz política populista - apreciar actos políticos e tomar decisões políticas, substituindo-se ao poder político.
Ora, ao Juiz não compete apreciar a bondade dos actos políticos para além dos aspectos restritos da sua legalidade.
Como Maria do Ó refere, a extinção da MAC foi decidida por Decreto-Lei, não havendo, por isso, nenhuma ilegalidade nos actos administrativos de encerramento da MAC.
Há um manifesto oportunismo (por vezes misturado com propaganda partidária ou com promoção da visibilidade de alguns escritórios) no excesso de providências cautelares em matérias estritamente políticas, sem efectiva utilidade ou fundamento jurídica.
Mas, como diz o aforismo, tolo não é quem requer... tolo é quem defere.

Em nota final, o que é que a Senhora Juíza terá percebido, no que toca à realização de actos clínicos, na prova por inspecção?
Ainda se fosse prova pericial...
Mário Rama da Silva , 26 Julho 2013
...
temos de ter atenção aos novos juizes, pós 2004, dos taf, alguns-algumas chamados de juizes nitrofuranos.
podem saber pouco de processo civil, mas, como chegam da escola da vida, já trazem outros hábitos..., e outras pré-suposições... e outras pressas de carreira...
frei , 26 Julho 2013

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