Pode um caso nunca chegar a julgamento porque o queixoso não invocou a alínea exacta do artigo exacto do Código Penal? O que é mais importante na hora de decidir se um processo deve prosseguir ou ser arquivado: indícios que possam comprovar suspeitas ou uma queixa bem redigida que cumpre todos os critérios formais?
Depois de ver o Ministério Público arquivar uma queixa-crime que apresentou contra o irmão por suspeitas de que este teria burlado a família e falsificado documentos, Madalena Bensusan tentou que um juiz de instrução levasse o caso a julgamento. Não conseguiu. Tudo porque a juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra que se debruçou sobre aquele processo entendeu que. independentemente das provas reunidas, não foram cumpridas as exigências formais de um requerimento de abertura de instrução. Resumindo numa frase: a assistente (queixosa) não contou bem a história. Significa isto que não localizou no espaço e no tempo o suposto crime nem indicou a norma legal, concreta e exacta, da suposta falsificação e burla.
O motivo da rejeição já era suficientemente bizarro por si. Mas torna-se ainda mais quando se descobre que, afinal, o requerimento apresentado por Madalena obedecia às formalidades mínimas exigidas pela lei. E que o que a juíza diz ter ficado esquecido, afinal, está lá. No requerimento, - a que o i teve acesso — Madalena começa por narrar os factos e detalhar as suspeitas que a família reunira contra o irmão, indicando os locais e as datas exactas em que os alegados crimes terão sido cometidos. A única lacuna foi a morada da agência bancária em que o irmão Tiago terá apresentado um documento, solicitando para que a mãe e a tia, que entretanto já morreram, fossem desvinculadas de uma conta partilhadas pelos três. Ainda assim, não seria preciso procurar muito para descobrir que sucursal estava em causa, porque o documento entregue no banco consta do processo.
Madalena também não se esqueceu de nomear qual o crime de que se suspeitava E até indicou que era o 256 do Código Penal (CP). Porém, para a juíza de instrução, esta indicação não foi suficiente: Madalena devia ter indicado não só a norma do Código Penal mas também a alínea concreta do artigo que estaria em causa. Acontece que a queixosa só não referiu alíneas porque, no caso concreto, os indícios mostram que poderia estar em causa qualquer um dos tipos de falsificação que a lei detalha. Tanto podia ser a elaboração de um documento falso, como diz a alínea A, como o tipo de falsificação previsto na alínea B, ou mesmo na C.
Esta nem terá sido a primeira vez que um tribunal de instrução criminal rejeitou um requerimento de abertura de instrução com o pretexto de que o documento não cumpre todas as formalidades. Tanto que, em 2009, até o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi chamado a dar um parecer sobre um destes requerimentos.
Os procuradores entenderam que se estava a privilegiar a forma em relação à matéria - que se estava a "relevar desmesuradamente aspectos de índole formal, em detrimento do substancial", que o requerimento enunciava as razões da discordância com o despacho do Ministério Público, identificava os arguidos e fazia uma narração sintética dos factos, o que era mais que suficiente para um juiz decidir. Conclusão: a PGR recusou a tese das formalidades não cumpridas e o tribunal foi obrigado a abrir imediatamente a fase de instrução.
Sílvia Caneco | ionline | 04-06-2013
Comentários (14)
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José Pedro Faria (Jurista) - Justiça formal e justiça material
De qualquer maneira, sem conhecer o processo é difícil emitir uma opinião fundamentada.
Por último, o parecer a que a articulista se reporta, julgo ser este: http://www.pgdlisboa.pt/interv..._peca=1343
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Se se trata de parecer do CC da PGR não tem - obviamente - a potencialidade de "obrigar" o tribunal a abrir "imediatamente" a fase de instrução.-
O parecer para que remete o link do comentário acima foi emitido ao abrigo do artigo 416º do Código de Processo Penal em recurso pendente no TR de Lisboa.-
Qual o teor do acórdão proferido nesse processo?
As notícias sobre questões "jurídicas" continuam deficientes e imprecisas, espalhando a confusão e achincalhando a Justiça.-
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Está tão na moda dizer críticas disparatadas contra a justiça que parece que já ninguém se importa com o teor da informação... o que interessa é dizer mal!
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A senhora jornalista não podia ter telefonado a um magistrado qualquer a pedir uma opinião? Estou convencido que qualquer estagiário lhe diria que o que escreveu era asneira grossa. Enfim.
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ONDE ESTÁ A ADMIRAÇÃO?
Não há uma coisa chamada PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS? O assistente NÃO É OBRIGATORIAMENTE REPRESENTADO POR ADVOGADO? e, por isso, quando requer a abertura de instrução, O REQUERIMENTO DE ABRTURA DE INSTRUÇÃO NÃO É SUBSCRITO PELO ADVOGADO? E O ART. 287 DO CPP NÃO TEM LÁ ESCARRAPACHADOS OS REQUISITOS DE UM REQ ABERT INSTRUÇÃO APRERSENTADO PELO ASSISTENTE?
ENFIM, MAIS UM CHORRILHO DE IGNORÂNCIA E DE "TROMBADAS NO PIANO".
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