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REVISTA DE 2013

Donos das casas 1 - Bancos 0

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A crise económica e a previsão de uma chuva de falências de empresas de construção civil e imobiliárias são dois dos argumentos usados pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para decidir que, a partir de agora, os créditos dos compradores de casas têm prioridade sobre as dívidas aos bancos.
Actualização (18-06-2013): Disponibiliza-se texto integral do Acórdão infra

Ou seja, qualquer pessoa que tenha a chave da casa que sinalizou e não tenha conseguido assinar a escritura, porque a construtora faliu ou entrou em insolvência, não perde o direito ao imóvel ou ao dinheiro que adiantou. Até agora, os tribunais tinham tomado decisões contraditórias: umas vezes davam razão aos compradores das casas; outras consideravam que a prioridade era pagar aos bancos que financiavam a construtora.

No caso concreto que agora foi analisado pelo Supremo, a Socreba, uma empresa de construção de Vila Nova de Gaia, responsável por vários empreendimentos naquela cidade, entrou em processo de insolvência. António Saraiva, um reformado de 60 anos, tinha pago 108 mil euros por um apartamento com garagem, num prédio novo, e requereu o direito de reserva — isto é, o direito a ficar com a casa que já habitava e que tinha pago antes de a empresa falir. "A casa foi comprada e paga integralmente em 1999 e só não foi feita escritura porque a Socreba entrou em insolvência em 2006 e não tinha dinheiro para pagar ao banco" as despesas que lhe competiam, explica Susana Almeida, advogada do comprador.

A Caixa Geral de Depósitos reclamava os 3,3 milhões de euros que emprestou para o financiamento do empreendimento e pretendia que este crédito fosse considerado prioritário. E que os apartamentos que não tivessem escritura fossem vendidos para pagar o total da dívida ao banco.

Na prática, isto significaria que António Saraiva ficava sem o dinheiro e sem casa, porque o produto da venda nunca chegaria aos 3,3 milhões.

Sem dinheiro e sem casa

O Tribunal de Comércio do Porto decidiu a favor do comprador, mas depois a Relação deu razão ao banco. E agora o STJ vem dizer que os donos das casas, mesmo sem escritura, não podem sair lesados quando as construtoras entram em insolvência. Este acórdão uniformizador, aprovado há uma semana pelos conselheiros da secção cível do STJ por 37 votos a favor e um contra, fixa jurisprudência. Ou seja, passa a ser lei.

Julieta Loureiro, advogada da Caixa, não quis prestar qualquer declaração sobre o acórdão do STJ, mas adianta que o banco não se conforma: "Posso garantir que vamos requerer a nulidade da decisão." Mendes Rodrigues, secretário-geral da Associação Portuguesa de Bancos, alega não ter estudado o acórdão "com profundidade" e prefere não reagir.

Jorge Morgado, secretário-geral da Deco, conta que a associação de defesa dos consumidores tem recebido "muitas queixas de compradores de imóveis que ficam sem a casa e sem o dinheiro porque as construtoras decretam falência e os bancos ficam com tudo". Eram casos "muito morosos e de solução muito difícil; esta decisão é interessante e boa para os consumidores, porque discrimina positivamente os mais frágeis em relação aos bancos", acrescenta.

O juiz-conselheiro que redigiu o acórdão, Paulo Távora Vítor, nota que "o eclodir da crise económica que atravessamos, inesperada para a generalidade dos consumidores, trouxe consigo um elevadíssimo número de insolvências em que naturalmente se poderão surpreender questões desta natureza. Daí que o entendimento adotado se imponha com força redobrada." Noronha Nascimento, que deixou a presidência do Supremo esta semana, explica que o tribunal quis "dar preferência ao contratente mais débil. No fundo, garantir o direito à habitação".

"Mau para os empresários e para os bancos"

Segundo dados da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, este ano já houve 682 empresas do ramo que entraram em processo de insolvência. Outras 5300 fecharam as portas ou faliram. E as expectativas não são as melhores. "Eu acho que o sector está a atravessar uma angústia total e a falta de confiança é o pior drama que vivemos. Essa decisão do Supremo não é boa para os empresários nem para a banca, que vai passar a dificultar ainda mais os empréstimos", critica Reis Campos, presidente da confederação.

"É verdade", admite Jorge Morgado. "Mas qual era a alternativa? Tirar as casas às pessoas para dar aos bancos?"

Reis Campos concorda que o comprador "é o lado mais frágil, porque acaba por ficar sem o dinheiro e sem a casa, mas o que é preciso é evitar situações destas". A confederação "fez um memorando com o Governo que previa a aplicação de 52 medidas para tirar o sector da crise e está quase tudo por fazer".

O pesadelo de António Saraiva ainda não terminou: "Quando a Socreba faliu, ele teve de pagar 60 mil euros ao administrador da insolvência para ficar com a casa (a escritura não estava feita e a casa foi reavaliada entretanto), por isso é que recorremos aos tribunais. Agora vamos esperar que nos devolvam o dinheiro. Pode ser que seja rápido", ironiza Susana Almeida.

Rui Gustavo | Expresso | 15-06-2013

Actualização:
Disponibiliza-se o texto integral do Acórdão referenciado no artigo antecedente
.
pdfAcórdão do STJ, Revista 92/02.6VNG7.61 MB

Comentários (10)


Exibir/Esconder comentários
...
direito de reserva?
não conheço
direito de retenção, sim
reserva de propriedade, também
direito de reserva é que não

Por que é que metem esta malta que só estudou os "foras de jogo" ou os roteiros gastronómicos algarvios a escrever sobre justiça?
Digo , 15 Junho 2013
Fazem uma notícia, não se entende nada!
Além do com. precedente:
Créditos têm prioridade... sobre dívidas. Óptimo!
Donos das casas, mesmo sem escritura. Óptimo!
Eu corria-os a bofetão, 'jornalistas' abéculas.
Assim se serve o leitor...
A.M. , 15 Junho 2013
...
Direito de retenção vale sobre tudo o mais. Bem deidido... e os Bancos precisam de disciplina, não é só quase falir e levarem-nos os impostos.
Sun Tzu , 15 Junho 2013
...
«Este acórdão uniformizador, aprovado há uma semana pelos conselheiros da secção cível do STJ por 37 votos a favor e um contra, fixa jurisprudência. Ou seja, passa a ser lei.»

Voltaram os assentos, foi? E a Constituição de 1933, suponho...
Gabriel Órfão Gonçalves , 15 Junho 2013
...
Aplaudo ruidosamente smilies/cheesy.gifsmilies/grin.gifsmilies/grin.gifsmilies/grin.gif
Franclim Sénior , 15 Junho 2013
A quem interessar: sobre o direito de retenção versus hipoteca
(Pode estar desactualizado em questões de processo civil.)

Colem os pedaços

http://www.gogofile.co

m/Default.aspx?p=sc&ID=6350

69820351607500_5788

ou carreguem directamente no link, se resultar:

http://www.gogofile.com/Defaul...07500_5788

Gabriel Órfão Gonçalves , 16 Junho 2013
...
Bom dia, alguém sabe onde se pode encontrar estae acórdão? A consulta nas bases de dados da DGSI não sutiram efeito.

obrigado
António Alves , 17 Junho 2013
José Pedro Faria (Jurista) - Muitas dúvidas...
A relevância desta notícia escapou-me completamente (na verdade, o título da mesma era muito pouco apelativo), e só agora, que voltou à tona, é que tomo verdadeiramente contacto com a mesma.

Duas notas iniciais: a primeira para agradecer ao Sr. Administrador a disponibilização do Acórdão do STJ e a segunda para assinalar a péssima construção desta notícia, que deixará um leigo completamente confuso, pronto para divulgar disparates sem nexo. Uma palavra para a observação cirúrgica do Sr. Comentador Dr. Gabriel Órfão Gonçalves acerca do "regresso dos assentos". Uma notícia mal redigida demais, lamento dizê-lo, caro Sr. Rui Gustavo.

Sem ter em contas outro valores e apenas versando a questão técnica, e depois de reler diversas vezes partes relevantes do Acórdão, não consigo encontrar forma de contrariar a argumentação exposta no voto de vencido do colendo Conselheiro Sebastião Póvoas. Começa este com a frase pitoresca "o tempo disponível não me permite ser mais sucinto", o que é verdadeiramente curioso, mas depois expõe a sua posição de forma dificilmente atacável, em meu entender.

De facto, não percebo como é que se pode defender a existência de direito de retenção (nos termos do artigo 755.º, n.º 1, f) do CC),mostrando-se inviável o recurso ao artigo 442.º do mesmo CC, uma vez que o CIRE veio chamar a si (não vejo outra interpretação possível) a regulação desta matéria (recusa de cumprimento de promessa de contrato sem eficácia real). Como é que se pode falar de direito de retenção (previsto no citado artigo 755.º) nestes termos?

Seria muito interessante que algum dos Senhores Conselheiros, ainda que anonimamente, pudesse vir a este Sítio apresentar argumentos que fundamentem a decisão tomada, uma vez que o Acórdão, pelo menos nesta parte, não consegue fazê-lo.

Ainda sobre este assunto, aconselho a leitura deste acórdão do STJ: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/95...nDocument
José Pedro Faria (Jurista) , 18 Junho 2013
Parabéns
Parabéns ao Portugal honrado que trabalhando, ia pagando a casa aos senhores construtores e os senhores banqueiros no fim é que ficava com ela.
Parabéns aos Senhores Conselheiros.
A. Lobo , 19 Junho 2013 | url
Nota que se me afigura necessária
O meu comentário supra, que disponibiliza um link do qual se pode descarregar em ficheiro pdf parte de um artigo por mim publicado em 2004 na revista THEMIS (Revista Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa), em que abordo o tema do conflito entre o direito de retenção e a hipoteca,

foi publicado aqui ANTES de ser disponibilizado o texto do acórdão a que notícia se refere

Basta ver a data desse comentário por mim submetido (16 de Junho), e a data da actualização (18 de Junho) - feita pelo Administrador desta Revista e Portal de Cidadania e Justiça, Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito, actualização essa em que se disponibiliza pela primeira vez o texto do acórdão ao público -, para chegar a essa conclusão.

Os pontos negativos a esse meu comentário (dois (pelo menos), porque o comentário chegou a ter um ponto positivo (pelo menos), que vi; e isto deduz-se com simples aritmética, tendo em conta o actual "saldo", que é "-1") foram atribuídos só depois dessa publicação, aqui, do acórdão. Espero que tal pontuação negativa não tenha sido motivada por alguém que, sem saber fazer contas a dias, tenha pensado que eu resolvi disponibilizar um artigo que escrevi já lá vão 9 anos (!) por causa (leia-se: para crítica) deste acórdão (que aliás acabo de ler na diagonal há pouco). Não: eu disponibilizei o meu artigo antes de ter possibilidade de ter conhecido este acórdão.

(Não faço, on-line, nem crítica nem "guerra" a acórdãos.
Com uma excepção, aliás bem merecida - naturalmente na minha opinião, de que obviamente não abdico -, e em relação à qual lamento, e lamento mesmo muito, pecar por defeito: os acórdãos em que se aplica a nojenta, logo ao seu nascimento!, figura do "crime continuado" (Aleluia revogado!) a crimes de natureza sexual, na MAIS GRAVE VIOLAÇÃO (sobretudo: por sistemática!) por mim jamais vista dos basilares princípios de Direito Constitucional e de Direito Penal - tal como os entendo, naturalmente. Não se estendem os desagradáveis epítetos a quem, mal, salvo o devido respeito, aplicou essa aberração jurídica.)

Gabriel Órfão Gonçalves, Lisboa 00:55 19 Junho 2013
Gabriel Órfão Gonçalves , 19 Junho 2013 | url

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