Família. Divórcios e relações conflituosas entre pais e filhos privam crianças de ver avós. Decisões judiciais ajudam a mudar esta realidade.
Ana foi criada pelos avós até aos três anos. A mãe, apesar de ter a guarda da criança, nunca assumiu plenamente esta responsabilidade, delegando nos seus pais os cuidados à menina. Mas quando esta fez três anos, reorganizou a vida. Arranjou um companheiro e zangou-se com os pais, cortando relações. Por arrasto, Ana foi privada de estar com as principais referências da sua vida. Inconformados, os avós foram reclamar em tribunal o direito de estar com a neta. Conseguiram, apesar de o processo ter sido longo e complexo, pois implicou provar que o reatar da relação era benéfico para a criança. Há cada vez mais avós que reclamam na justiça o direito de ver os netos, já que muitas separações entre casais resultam depois no corte da relação das crianças com os seus ascendentes. Mas não só. Esta realidade é cada vez mais visível porque os avós estão a assumir também uma responsabilidade maior na vida dos netos, até a nível financeiro, não aceitando, por isso, que os laços conseguidos sejam cortados. "Quando há divorcio, se um dos pais não vê o filho, geralmente os avós também não", diz Joaquim Silva, juiz do Tribunal de Família e Menores de Sintra. Mas desde Í995 que a lei reconhece à criança o direito a ter contacto com os avós, e proíbe os pais de privá-los disso injustíficadamente. Na prática, na base do conflito está quase sempre a dificuldade que as partes em litígio têm de reconhecer que aquelas pessoas são avós dos seus filhos, independentemente de serem os seus sogros ou ex-sogros ou mesmo pais, lamenta o juiz de Sintra. Por isso, há casos como os avós de Ana, cuja relação foi rompida pela própria filha. Mas a maioria são cortes relacionais que decorrem de divórcios, cujos processos ao aumentarem fazem também crescer a estatística do pedido de visita por parte dos avós. Mesmo assim, o número deste tipo de casos, que estão a dar entrada nos tribunais de menores ainda não reflete "a dura realidade que é a privação a que estão sujeitos muitos netos", diz Maria Perquilhas, juíza e docente no Centro de Estudos Judiciários. Contudo, sublinha, os direitos dos pais e avós são diferentes e devem ser reclamados autonomamente. As crianças sabem exprimir bem o sofrimento, acrescenta Joaquim Silva, recordando a que lhe pediu para trazer "paz à sua família e os avós de volta".
Rui Alves Pereira, advogado de direito da família, tem acompanhado mais casos, mas considera que ainda há uma grande inércia por parte dos avós, que têm medo de sujeitar as crianças ao processo, que pode incluir audições do juiz ( o agudizar do conflito entre as partes. "Mas a criança tem direito a vários afetos, vários colos", sublinha. Contudo, alerta, é importante os avós perceberem que se trata de um direito de convívio, isto é, de estar com o neto e não tomar decisões sobre aspetos importantes da sua vida, o que compete aos pais. Por isso, os avós às vezes são perigosos, alerta o juiz de Sintra. "Têm histórias complicadas que é preciso perceber, e motivações complexas, de poder, que nada têm que ver com o melhor para a criança." O regime de contactos que fica fixado no acordo deve ter em conta alguns pressupostos, diz António Fialho, juiz do Tribunal de Família e Menores do Barreiro. Como a relação anterior com a criança seera diária, esporádica, profunda ou superficial - e o benefício que a sua recuperação traz ao menor. "Além disso, as relações não se estabelecem por decreto. E se há reaproximação tem de ser gradual, acompanhada e preparada", diz. Entre a dezena de casos que já acompanhou, 90% dos regimes de visitas ficaram estabelecidos por acordo, depois da conferência entre pais, avós e criança, e de feitas as diligências para apurar o superior interesse para o menor. Se não é possível alcançar entendimento, o juiz fixa uma sentença, mas para que esta resulte é importante que as partes colaborem e não dificultem a sua realização. O que nem sempre é fácil quando o conflito é agudo. Nessas situações, defende António Fialho, as pessoas devem queixar-se ao tribunal e este pode "exigir a execução coerciva" do estipulado e até aplicar uma multa por cada dia de incumprimento.
Rita Carvalho | Diário de Notícias | 19-08-2013
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