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REVISTA DE 2013

43% dos processos crime por corrupção envolvem câmaras

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Municípios portugueses mantêm tendência de ser um dos principais "viveiros" da corrupção na administração pública. Desde 2004, contam-se mais de 500 processos crime com origem no poder local.

Quatro em cada dez processos-crime de corrupção no sector público têm origem nas autarquias. Nos últimos quatro anos, o poder local bateu, com grande diferença, áreas como forças de segurança, educação, saúde, justiça e as mais diversas do Estado. Os relatórios do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) do Tribunal de Contas (TdC) mostram que 43% dos processos entre 2009 e 2012 tiveram origem no poder local, que foi o "viveiro" de 177 processos-crime num total de 415 reportados a esta entidade. O último ano de que há registo, 2012, foi até dos piores, com quase metade dos casos (47%) a terem origem nos municípios.

O CPC admite que nem todos os processos lhe são reportados, mas estes dados vêm confirmar a tendência do único estudo até então feito sobre a matéria e que - contrariando as opiniões dos autarcas - colocou as autarquias como principais zonas embrionárias da corrupção no País. Esse estudo, feito pelo Instituto de Ciências Sociais e Políticas com a colaboração do Ministério Público (MP), detetou que 345 dos 838 casos de corrupção(41%) analisados pelo Ministério Público entre 2004 e 2008 tiveram origem nas autarquias. Mesmo deixando de fora o lapso temporal não controlado (o CPC não tem dados entre janeiro e março de 2009), contabilizam-se, desde 2004, pelo menos 522 processos-crime oriundos do poder local.

Nada que surpreenda especialistas e quem lida de perto com a realidade do poder local e o fenómeno da corrupção. A diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, Maria José Morgado, justifica esta realidade com o facto de não existir nas autarquias "uma fiscalização efetiva que funcione como travão". Além de admitir que o MP não está suficientemente preparado para descortinar questões mais técnicas como alterações dos planos diretores municipais (PDM), Maria José Morgado alerta que "há, porventura, uma zona legal de impunidade que impede a incriminação direta pela má gestão dos dinheiros públicos em cargos desta natureza. Daí que se foi tomando fácil misturar dinheiros públicos com interesses privados, que se tenha apagado a fronteira da ética e se tenham feito fortunas privadas com dinheiros públicos."

Opinião partilhada pelo vice-presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência, Paulo Morais, que explica ao DN que "as câmaras, e também as freguesias, são muito permeáveis a fenómenos de corrupção, pois têm o poder de atribuir ganhos económicos a uma série de operadores privados, num conjunto de explorações de atividades, mas sobretudo nas questões de urbanismo".

O antigo vice-presidente da Câmara Municipal do Porto explica ainda que enquanto "a dívida pública tem uma origem no fenómeno de corrupção na administração central, a dívida privada alicerça-se fundamentalmente em especulação imobiliária que, por sua vez, está assente em fenómenos de corrupção nos pelouros de urbanismo das câmaras municipais".

O presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses e juiz-conselheiro do TdC, José Mouraz Lopes, utiliza até a sua experiência profissional como exemplo de como a corrupção afeta o mundo autárquico: "Quando estava na PJ, as autarquias eram claramente as áreas onde havia mais participações e inquéritos-crime em comparação com forças de segurança ou empresas públicas." Mouraz Lopes crê que não é necessária uma alteração legislativa para combater estes casos, defendendo que o que é realmente necessário é "mudar o comportamento das pessoas e prevenir alguns fenómenos localizados de corrupção que exigem maior atenção", diz, exemplificando com as alterações dos PDM ou a rápida movimentação de verbas.

O juiz lembra ainda que "a pressão imobiliária é terrível", estando muitas vezes relacionada com o " financiamento dos partidos políticos". E conclui: "Não quer dizer que os autarcas sejam mais corruptos do que os outros políticos. Mas as autarquias são alfobre de tentações onde se multiplicam esses atos, estando os autarcas sujeitos a pressões de empresas imobiliárias, onde se multiplicam os caciquismos e os compromissos pessoais."

Fazendo uso da experiência, o ex-inspetor-geral da PJ Carlos Anjos lembra que, durante os anos que trabalhou na Direção de Combate à Corrupção da PJ, "várias vezes fizemos detenções em flagrante delito relacionadas com funcionários das autarquias que pediam dinheiro em troca da obtenção de uma licença de forma mais rápida". Explica, no entanto, que estes casos eram bem mais fáceis de resolver do que os mais complexos processos decorrentes das alterações do PDM.

PDM: instrumento de corrupção?

O estudo feito pelo ICS incluiu as motivações do ato corrupto, mostrando que a "alteração do PDM ou projetos" é a segunda principal causa de atos ilegais (50 casos dos 345 entre 2004 e 2008), sendo apenas batida pelo "desvio de verbas/apropriação de dinheiro" (80 casos). Embora os relatórios do CPC não sejam tão específicos, os especialistas explicam que a tendência se mantém também neste particular. O investigador universitário na área do direito do Urbanismo, André Folque, defende que" [o licenciamento de operações urbanísticas], juntamente com o da adjudicação de concessões ou empreitadas de obras públicas, é dos mais vulneráveis".

Pedro Bingre Amaral, do Centro de Estudos Regionais e Urbanos do Instituto Superior Técnico, lembra que, com a criação de PDM, "os procedimentos tornaram-se mais burocráticos e complexos do ponto de vista administrativo", criando, como consequência, a tentativa de obter contrapartidas públicas ou privadas com alterações a esses mesmos planos.

Apesar da frieza dos números, nem todos veem as autarquias como antros de corrupção. O presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d'Oliveira Martins, é taxativo: "Não podemos dizer que as autarquias sejam esse viveiro, o que acontece é que o poder local está mais exposto, sendo próximo dos cidadãos, pelo que tem uma visibilidade maior."

Já António João Maia, sociólogo e colaborador do Observatório de Economia e Gestão de Fraude, desmistifica a ideia de que os autarcas, e os corruptos em geral, gozam de alguma impunidade. Isto porque "um terço dos casos de corrupção investigados dá origem a processos que chegam a tribunal [...] Para um tipo de investigação em que é muito difícil reunir provas, é um rácio bastante bom." Além disso, garante o investigador, dois terços dos julgamentos de casos de corrupção levam a condenações. Daí que, neste caso, "importaria saber que tipo de arguidos são estes que são condenados. Podem bem ser os de pequena corrupção." Os dados existentes não são muitos. Estudos ainda menos. E as entidades que os têm não foram propriamente colaborantes com o DN.

Marina Marques, Rui Pedro Antunes e Sílvia Freches | DN | 16-09-2013

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