PPP custam dez anos de subsídios de férias pagos pelo Estado. Custos das parcerias público-privadas cobrem valor dos subsídios de férias de funcionários públicos e reformados que o Governo queria eliminar
Encargos para os contribuintes ultrapassam 12 mil milhões de euros ao longo da vida das parcerias rodoviárias. Relatório da comissão de inquérito da AR centra-se em questões políticas.
As parcerias público-privadas (PPP) do sector rodoviário custam aos contribuintes um montante que serviria para pagar dez anos de subsídios de férias de funcionários públicos e reformados que o Governo queria eliminar em 2013. Os encargos líquidos ao longo da vida destes contratos estão estimados em mais de 12 mil milhões de euros - quase três vezes mais do que os 4,7 mil milhões de cortes na despesa previstos na reforma do Estado.
Os cálculos aos custos das PPP rodoviárias, tendo em conta uma média de 30 anos de vida dos contratos, surgem no relatório da comissão parlamentar de inquérito entregue segunda-feira na Assembleia da República. Os 12 mil milhões de euros inscritos no documento contam já com a renegociação conduzida pelo actual executivo com o objectivo de poupar anualmente 300 milhões com as concessões rodoviárias (meta que ainda está dependente de um acordo com o último concessionário, a Euroscut).
Os encargos líquidos referidos no relatório correspondem à diferença entre os custos brutos das PPP (23,8 mil milhões) e as receitas previstas (11,7 mil milhões). A fatia de 12 mil milhões que resulta desta equação, e que será totalmente suportada pelos contribuintes, é dez vezes superior ao valor da reposição dos subsídios de férias dos funcionários públicos e dos reformados (1150 milhões), que o Governo pretendia eliminar em 2013, mas que foi obrigado a pagar na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional.
As PPP rodoviárias também vão custar quase três vezes mais do que o bolo de 4,7 mil milhões previsto pelo executivo para aplicar os cortes na despesa pública previstos no programa da reforma do Estado, acordado com as autoridades externas. Este valor inclui já 479 milhões relativos às poupanças geradas com as saídas de funcionários públicos que não serão compensadas por novas entradas.
Mas, mais do que os custos associados a estas parcerias, o relatório é especialmente crítico em relação à forma como foram contratadas. Tal como o PÚBLICO noticiou, o relator da comissão (o deputado do PSD Sérgio Azevedo) lança duras acusações ao Governo de Sócrates, à "conivência" da Estradas de Portugal e à incapacidade de supervisão do regulador do sector, o IMTT. O documento gerou, por isso, muita tensão política durante o dia de ontem (ver texto secundário).
Tudo maus exemplos
Ao longo das quase 500 páginas do relatório, são feitas inúmeras referências à actuação de responsáveis políticos do anterior executivo, nomeadamente aos ex-ministro das Obras Públicas (Mário Lino) e das Finanças (Teixeira dos Santos) e aos ex-secretários dos Transportes (Paulo Campos) e das Finanças, (Carlos Costa Pina).
Por entre sucessivas transcrições de depoimentos das largas dezenas de audições ocorridas durante a comissão parlamentar de inquérito às PPP rodoviárias e ferroviárias, escreve-se que "algumas delas foram utilizadas como um modelo de financiamento do Estado fundamentalmente com o pretexto político, aliás corroborado pela Comissão Europeia e pelo Eurostat", porque os custos dos contratos não tinham naquela altura impacto na dívida pública. O relatório é particularmente crítico de algumas concessões, como o contrato com a Lusoponte, classificando-o como um dos "piores exemplos". Já sobre o concurso para a PPP da alta velocidade entre Poceirão e Caia refere-se que há indícios de "gestão danosa". O documento será agora enviado ao Ministério Público para apuramento de responsabilidades.
Uma fonte do sector da construção e conhecedor de várias PPP disse ao PÚBLICO que "as conclusões do relatório são vagas, opinativas e não trazem nada de novo face aos relatórios do Tribunal de Contas, bem como o estudo realizado pela Ernest & Young". Apesar de defender que "muitos dos projectos sob a forma de PPP não deveriam ter sido lançados, mesmo que o Estado tivesse dinheiro para os fazer", referiu que, lamentavelmente, o relatório passa ao lado dessas questões e limita-se a entrar naquilo que designou de "chicana política".
Raquel Almeida Correia e Rosa Soares | Público | 19-06-2013
Comentários (6)
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Se age inconscientemente é incompetente/mentecapto.
Eu se prejudicar alguém respondo criminal, disciplinarmente e civilmente.
Ao Sócrates e comparsas que se pavoneiam por aí nada lhes acontece?
Nada acontece a criminosos ou mentecaptos?
Já não há contraditório?
Serve para o governo e serve também para aqueles que votaram e agora estão arrependidos, mas entretanto aparece um relatorizinho que lhe alivia o sentimento de culpa.
José Pedro Faria (Jurista) - A questão das PPP
Teoricamente, as PPP podem ser vantajosas, e parece que, em alguns países, os ecos são positivos Tem-se salientado a inovação tecnológica, eficiência na relação custo versus benefício, entre outras vantagens.
Em Portugal, contudo, as coisas não correram bem.
Desde logo, é estranho o abuso ao recurso à figura das PPP. Não é normal que Portugal, entre dezenas de países europeus, seja em percentagem do valor do PIB, o país que mais recorreu às PPP. E mesmo em valores absolutos está entre os primeiros.
Mas será que as PPP são intrinsecamente positivas? Desde logo, as PPP surgem em Inglaterra quase como um grito de desespero após a criminosa destruição do setor público conduzida por Margareth Thatcher, com quebra acentuada nas receitas públicas devido ao volume "assassino" de privatizações, e de uma incompetência generalizada na condução da política económica inglesa.
Com o fim do "reinado" de destruição económica protagonizado por Thatcher, John Major ficou com uma mission impossible entre mãos As PPP foram então utilizadas pelo novo primeiro-ministro, uma forma de tornear o forte endividamento público e de evitar novas privatizações, que tinham contribuído fortemente para o desastre financeiro, económico e social provocado pelas políticas de Thatcher.
Portanto, as PPP surgem num contexto muito específico, como uma tentativa de juntar o melhor do público com o melhor do privado.
Contudo, as PPP padecem, em minha opinião, de problemas intrínsecos sérios:
1) Parte-se do pressuposto que a gestão privada é melhor que a pública. A realidade não tem demonstrado que, pelo menos em Portugal, isso seja sempre verdade. Basta um exemplo: recorde-se o problema da gestão privada do Hospital Amadora Sintra.
2) O custo do financiamento das PPP (surpresa!) é mais elevado que o resultado da contratação tradicional.
3) A dimensão das PPP é impeditiva da existência de uma verdadeira concorrência
4) É muito difícil acompanhar e controlar os processos das PPP, tendo em conta a sua tremenda complexidade e falta de transparência.
5) etc.... (há outros fatores relevantes, mas julgo ter referido os aspetos essenciais).
Em conclusão, tenho sérias dúvidas sobre a bondade deste tipo de contratos.
Claro que o PS tem culpa neste escândalo das PPP à portuguesa. Contudo, este relatório é inútil, constituindo uma mera arma de arremesso político numa matéria que deve ser discutida de forma objetiva e séria, e que surge numa altura em que o Governo já não consegue ocultar o desastre absoluto que tem sido a sua condução da política económica nacional.
Aliás se o País chegou a este estado, é certo que todos os partidos que estiveram no poder durante as últimas décadas - PS, PSD e CDS - têm fortes responsabilidades. Fica mesmo muito feio o "sacudir de capotes", o "passa-culpas" vergonhoso a que assistimos constantemente.
Nota: Quem estiver interessado em aprofundar esta questão das PPP pode consultar http://www.eib.europa.eu/index.htm (página do Banco Europeu de Investimentos).
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Vejam o episódio sobre o Solihull Project e deliciem-se: os mesmos discursos da tanga sobre os projectos privados serem mais responsáveis com dinheiros públicos e os dinheiros públicos serem mais rentabilizados com gestores privados, os grandes abraços de ministros e empresários em directo, e depois o projecto acaba por falir estrondosamente e lá vai o contribuinte, sem o saber, acabar por sustentar aquilo tudo.
Não deixem de ver.
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