Debaixo do fogo cruzado contra a reorganização judiciária, a ministra Paula Teixeira da Cruz promete dar ouvidos aos juizes e procuradores. E há muitas queixas e reivindicações para ouvir: mais magistrados do MP, férias judiciais alargadas, novos poderes para os juízes-presidentes das comarcas ou DIAP em todas as comarcas. A ministra da Justiça promete examinar todos os pareceres e até vir a renegociar os pontos mais contestados da reforma judicial Silvia Caneco
Ao fogo cruzado de juizes e magistrados do Ministério Público (MP) contra o novo mapa judiciário, o Ministério da Justiça promete responder com diálogo e buscas de consenso. Fonte do gabinete de Paula Teixeira da Cruz adiantou ao i estar disponível para dialogar frente-a-frente com os quatro principais parceiros - sindicatos de juizes e de magistrados do MP e respectivos conselhos superiores - e pondera mesmo a vir a alterar alguns dos pontos que mais têm sido contestados nas últimas semanas, como os quadros de juizes e de magistrados do MP que os parceiros dizem ser "deficientes" ou "minimalistas" e ignorar os milhares de processos pendentes nos tribunais.
Para já, os serviços do Ministério da Justiça estão concentrados em analisar os pontos comuns e divergentes de todos os pareceres. Além dos parceiros judiciários, terão ainda de ser tidos em conta os contributos das câmaras municipais, já que a reorganização judiciária que está a ser discutida há mais de um ano passa por mudar o mapa dos tribunais no país e a sua filosofia de gestão. A primeira versão do documento apontava para o fecho de 54 tribunais e a abertura de 27 extensões, mas a última versão do anteprojecto do regime de organização e funcionamento dos tribunais judiciais propõe fechar 27 e reconverter outros 20.
A abertura e fecho dos tribunais que estiveram sob uma chuva de críticas quando o novo mapa judiciário começou a ser discutido passou agora a ter um papel mais secundário, razão pela qual não passa pelos planos do ministério fazer grandes alterações de fundo no desenho geográfico dos que fecham e dos que abrem.
Nos últimos pareceres da Associação Sindical de Juizes Portugueses (ASJP), do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), as principais críticas são outras: os critérios economicistas, a reorganização dos Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP), os poderes dos juízes-presidentes das comarcas, que passam a ser os primeiros responsáveis pela gestão dos tribunais, a falta de oficiais de justiça, a ausência de secções de família e menores nalguns tribunais centrais e o "esquecimento" de magistrados nos quadros dos tribunais.
O Conselho Superior do Ministério Público avisa que estão a ser esquecidos 198 procuradores em comparação com os que hoje se encontram em funções em tribunais de ls instância, e sublinha que caso a proposta se mantenha será necessário continuar a contratar magistrados auxiliares e a reforma judiciária será "uma oportunidade perdida" para o governo "actualizar os quadros do MP e dimensioná-los à sua efectiva realidade e necessidade".
A crítica da Associação Sindical dos Juizes Portugueses não é mais ligeira: se a reforma avançar, dizem, ficarão com menos 145 a 260 juizes nos quadros. O anteprojecto que dizem demonstrar "uma preocupante irresponsabilidade", fazem passar a mensagem, na opinião dos juizes, "de que existe um excesso de juizes nos tribunais de Ia instância e que será supostamente possível uma justiça tão ou mais eficiente sem eles", desconsiderado os "esforços que os juizes têm ao longo dos anos vindo a fazer" e as "recorrentes faltas de meios humanos, técnicos e materiais".
"Os tribunais "renovam-se", criam-se especializações, extinguem-se tribunais, mas os processos ficam. Os processos de um tribunal extinto vão continuar a existir. Os novos tribunais vão receber processos. Os tribunais que mudam de nome ficam com os mesmos processos. A generalidade dos processos pendentes há mais de um ano não está na fase final. Vão continuar a ser necessários juizes para os tramitar e decidir", sublinham os juizes, acrescentando ser sabido que a situação actual não é de excesso de magistrados judiciais.
"Pelo contrário, continua a haver tribunais onde há pendências excessivas e processos parados por falta de juizes (e de funcionários de justiça", acusam, realçando que "os números agora propostos são absurdos e apenas explicáveis à luz da desconsideração da realidade humana, física, geográfica e processual dos tribunais" e que o constrangimento processual de muitos tribunais "aconselha um reforço e não uma redução drástica dos quadros". Se a especialização pretendida com esta reforma é "uma boa valia", diz o parecer da ASJP, esta "não tem a virtualidade de tomar dispensáveis mais de 200 juizes".
Pelo mesmo diapasão toca o parecer do sindicato liderado por Rui Cardoso, lembrando que "em muitas instâncias, os quadros previstos são insuficientes" e que isso "conduzirá à paralisação do sistema de justiça". Os magistrados do MP dão o exemplo da instância central criminal de Lisboa, "onde hoje exercem funções 37 juizes de direito e para onde a proposta prevê apenas 21". "Claro que depois isso condiciona os próprios quadros de magistrados do MP. Para 21 juizes poderão ser suficientes 14 procuradores da República; porém, se forem 37, já serão necessários 24", sustentam, recordando que os quadros de magistrados do MP "previstos no projecto para as comarcas são sempre deficitários e não aproveitam os magistrados do MP existentes" e que, por isso, a tutela não pode "ignorar o número real de magistrados que hoje exercem funções, como efectivos ou auxiliares, na área actual de cada uma das futuras comarcas".
Paula Teixeira da Cruz tem, porém, feito outra interpretação dos números: a reforma, diz, não levará a uma diminuição do número de juizes e procuradores do MP mas a "um aumento de 15% dos magistrados do MP e de 19% dos quadros dos magistrados judiciais".
Tribunais. 27 devem encerrar definitivamente, outros 20 vão passar a secções de proximidade Documento prevê mais DIAP Magistrados do MP dizem que não pode ser ministério da Justiça a decidi-lo
»O documento já deu várias voltas, provocou manifestações de autarcas por todo o país e ainda não está fechado, prevendo o gabinete de Paula Teixeira da Cruz que ainda possam existir correcções desta última versão, embora com carácter excepcional. A última versão do anteprojecto do regime de organização e funcionamento dos tribunais judiciais prevê fechar 27 tribunais e "reconverter" outros 20 em secções de proximidade, isto é, locais de atendimento ao público com acesso a todos os processos da comarca, com capacidade para testemunhas serem ouvidas em videoconferência ou até mesmo serem realizadas sessões de julgamento, caso o juiz titular do processo assim o entenda.
Embora tenha havido excepções, a "regra" para medir os tribunais que iriam fechar as portas foi o volume processual: o princípio base foi encerrar todos aqueles que recebessem menos de 250 processos por ano.
No entanto, as "formas de cálculo" usadas pelo Ministério da Justiça continuam a estar debaixo das críticas de alguns parceiros judiciários. O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), por exemplo, critica que ao contrário das versões anteriores do documento, esta não forneça os dados processuais que fundamentam as propostas, nomeadamente os processos entrados nos dois últimos anos e processos actualmente pendentes.
O mesmo sindicato critica que, sendo a especialização "uma das principais bandeiras e objectivos desta reforma", não se tenham estendido "a todas as comarcas a concretização de alguns dos princípios que eram assumidos pelo próprio governo, com as secções de família e menores e as secções de pequena criminalidade". Outro dos pontos de discórdia prende-se com a reorganização dos Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP). Para o sindicato liderado por Rui Cardoso, a criação e extinção de DIAP deverá ser da competência exclusiva do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e justifica-se um DIAP em cada uma das novas comarcas "face ao número de inquéritos entrados nos últimos anos na área territorial", uma vez que "a criação de um DIAP não significa qualquer encargo financeiro" e aponta no sentido da especialização.
Sílvia Caneco | ionline | 29-11-2013
Comentários (3)
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Estre Sra. prefere ignorar a Ordem dos Advogados.
Os Srs. Magistrados, ao serem coniventes com esta omissão, não se queixem um dia quando os mandarem para as bolsas de disponíveis e não possam contar com o apoio de mais de 20.000 vozes de operadores judiciários.
Há silêncios que são ensurdecedores.
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