Já são vários os documentos em que técnicos do FMI admitem problemas na receita europeia para os países mais frágeis do euro. Em regra, a reacção em Portugal tem sido previsível: o Governo, isolado, desvaloriza os "mea culpa"; uma larga maioria, incluindo o PS, argumenta que o FMI confirma hipocritamente o falhanço da política de austeridade.
Esta última linha corresponde ao que a maioria das pessoas quer ouvir e assenta, em geral, numa má interpretação de conclusões importantes do FMI. No limite, tal interpretação levará a mais custos para Portugal.
Em nenhum relatório o Fundo defende que é possível um país sem acesso a financiamento normal no mercado de dívida evitar a austeridade. Desde logo, a perda desse acesso significa, por si só, austeridade. Os técnicos do FMI admitem, isso sim, que um ajustamento demasiado brutal e rápido não é a melhor receita. A inovação num dos relatórios recentes é o facto de tal admissão passar a incluir os países que perderam acesso ao mercado, como Portugal.
Percebe-se para quem o FMI fala: para os credores europeus de Portugal, que preencheram o lugar vazio deixado pelo mercado. O ponto fundamental dos relatórios do Fundo é de que o problema político entre o Norte credor e o Sul devedor atropela a razoabilidade do que eufemisticamente se chama "ajustamento". O problema é alimentado quer por uma desconfiança antiga do Norte, quer pelos incentivos e interesses dos governos desses países, que tentam salvaguardar a sua moeda ao menor custo.
Aqui chegados percebemos a inutilidade prática e imediata da estratégia "o que é preciso é mais Europa". A Europa que nos habituámos a ver como o passador de cheques é precisamente um dos nossos problemas. Para um país pequeno, o que funciona melhor num contexto sem soluções boas é o fortalecimento de uma posição interna alargada sobre a política económica e orçamental do país, que diminua a desconfiança e irracionalidade dos credores. Quanto mais sólida for esta posição - que está longe de significar o fim da oposição de quem não está no poder - mais margem teremos para negociar na Europa. Por enquanto são estas as regras, como já vimos na Grécia e em Chipre.
Por isso, o PS é fundamental. Em primeiro lugar, porque é o partido que com maior probabilidade liderará o próximo Governo, talvez antes de 2015. Em segundo, porque na relação com o Tribunal Constitucional (e não só) é muito diferente ter o PS a bordo (no Governo ou na oposição) a ter apenas um Executivo conotado com a ala mais liberal da direita, mal vista pelos juízes.
Por arrogância e erro de previsão sobre os efeitos do programa, a maioria PSD/CDS deixou que o PS se desligasse cada vez mais do compromisso que assinou com a troika (os resultados do programa não ajudaram). E, por impreparação e fragilidade da liderança actual, o PS radicaliza-se contra a filosofia dos compromissos que sabe que lhe serão exigidos em breve. É um caminho de alto risco para os socialistas e que, juntamente com a erosão dentro do Governo e o bloqueio constitucional, dificulta a posição negocial portuguesa.
O Presidente da República percebe este filme e vai voltar à carga na tentativa de um acordo. Faz bem. Infelizmente, sem novos líderes ao centro é difícil vislumbrar um entendimento que não seja forçado, uma vez mais, pela pressão dos credores - com o risco de um preço desnecessariamente mais alto, pago por todos nós.
Economico.pt | 30-09-2013
Comentários (2)
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Não se fala no desemprego?
Curiosamente não se fala no desemprego.
Sem medidas de combate ao desemprego - por ex., proibindo o self-service em estações de abastecimento de combustíveis - não há génios da Economia, nem das Finanças, nem Troika, nem PS, nem PSD, nem coisa alguma que nos salve do estoiro colossal para o qual nos dirigimos.
O ajustamento do País poderia ser acordado em 20 anos. Mas com a taxa de desemprego que temos, nem com 100 anos iríamos lá. Repito: nem com 100 anos. Nem com 200 e nem com 1000!
20% da força produtiva do País está encostada às boxes.
Não há almoços grátis? Não. E muito menos milagres. Nenhum País se aguenta com esta taxa de desemprego. Nenhum. Metam isso na cabeça. Venham as Troikas que vierem, venham os prazos para pagar que vierem. Com esta % de desemprego não vamos a lado nenhum, excepto para o abismo.
O que direi de seguida li-o algures na net. Não é originalidade minha. Daqui a menos de um ano os cheques dos pensionistas da CGA e dos funcionários públicos vão começar a chegar com atraso. Cada vez maior.
É o resultado de um País ter 20% da sua força produtiva encostada às boxes... Por um lado não produzem, por outro recebem subsídios de desemprego (não todos, é sabido, mas uma parte; uma parte cujo peso na economia nos devia deixar a todos muito preocupados: desempregados e empregados, porque isto é um sistema de vasos comunicantes, e o desemprego de uns poucos afecta toda a gente. Agora imaginem o desemprego de... muitos. Só que pouca gente repara nisto, ou ou por ignorância do que é a economia, ou por negação relativamente ao GRANDE ESTOIRO que se avizinha.)
Querem que isto melhore? Escrevam cartas ao PM a dizer para acabar com o self-service das milionárias GALP, BP, REPSOL, e outras. Escrevam cartas ao PM a dizer para acabar com as caixas de pagamento self-service no Continente e C.ª. É pouco? É melhor do que nada.
"Nada é mais lamentável do que não ter feito nada por achar que era pouco aquilo que se podia fazer."
(Desconheço o Autor da frase; li-a na Revista CAIS há uns bons anos.)
Gabriel Órfão Gonçalves, 02 Outubro 2013
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Sr. José Pedro Faria, estou à espera de que o Sr. volte.
Para mim, era o melhor comentador desta Revista, independentemente de concordar ou não com tudo o que escrevia.
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