In Verbis


icon-doc
REVISTA DE 2013

Holanda pode provocar o colapso do euro

  • PDF

A bolha imobiliária estourou, o país está em recessão, o desemprego sobe e a dívida dos consumidores é 250% do rendimento disponível. O grande aliado da Alemanha na imposição da austeridade por todo o continente começa a provar o amargo da sua própria receita. Por Matthew Lynn, El Economista

Que país da zona euro está mais endividado? Os gregos esbanjadores, com as suas generosas pensões estatais? Os cipriotas e os seus bancos repletos de dinheiro sujo russo? Os espanhóis tocados pela recessão ou os irlandeses em falência? Pois curiosamente são os holandeses sóbrios e responsáveis. A dívida dos consumidores nos Países Baixos atingiu 250% do rendimento disponível e é uma das mais altas do mundo. Em comparação, a Espanha nunca superou os 125%.

A Holanda é um dos países mais endividados do mundo. Está mergulhada na recessão e demonstra poucos sinais de estar a sair dela. A crise do euro arrasta-se há três anos e até agora só tinha infetado os países periféricos da moeda única. A Holanda, no entanto, é um membro central tanto da UE quanto do euro. Se não puder sobreviver na zona euro, estará tudo acabado.

O país sempre foi um dos mais prósperos e estáveis de Europa, além de um dos maiores defensores da UE. Foi membro fundador da união e um dos partidários mais entusiastas do lançamento da moeda única. Com uma economia rica, orientada para as exportações e um grande número de multinacionais de sucesso, supunha-se que tinha tudo a ganhar com a criação da economia única que nasceria com a introdução satisfatória do euro. Em vez disso, começou a interpretar um guião tristemente conhecido. Está a estourar do mesmo modo que a Irlanda, a Grécia e Portugal, salvo que o rastilho é um pouco mais longo.

Bolha imobiliária

Os juros baixos, que antes do mais respondem aos interesses da economia alemã, e a existência de muito capital barato criaram uma bolha imobiliária e a explosão da dívida. Desde o lançamento da moeda única até o pico do mercado, o preço da habitação na Holanda duplicou, convertendo-se num dos mercados mais sobreaquecidos do mundo. Agora explodiu estrondosamente. Os preços da habitação caem com a mesma velocidade que os da Flórida quando murchou o auge imobiliário americano.

Atualmente, os preços estão 16,6% mais baixos do que estavam no ponto mais alto da bolha de 2008, e a associação nacional de agentes imobiliários prevê outra queda de 7% este ano. A não ser que tenha comprado a sua casa no século passado, agora valerá menos do que pagou e inclusive menos ainda do que pediu emprestado por ela.

Por tudo isso, os holandeses afundam-se num mar de dívidas. A dívida dos lares está acima dos 250%, é maior ainda que a da Irlanda, e 2,5 vezes o nível da da Grécia. O governo já teve de resgatar um banco e, com preços da moradia em queda contínua, o mais provável é que o sigam muitos mais. Os bancos holandeses têm 650 mil milhões de euros pendentes num sector imobiliário que perde valor a toda a velocidade. Se há um facto demonstrado sobre os mercados financeiros é que quando os mercados imobiliários se afundam, o sistema financeiro não se faz esperar.

Profunda recessão

As agências de rating (que não costumam ser as primeiras a estar a par dos últimos acontecimentos) já se começam a dar conta. Em fevereiro, a Fitch rebaixou a qualificação estável da dívida holandesa, que continua com o seu triplo A, ainda que só por um fio. A agência culpou a queda dos preços da moradia, o aumento da dívida estatal e a estabilidade do sistema bancário (a mesma mistura tóxica de outros países da eurozona afetados pela crise).

A economia afundou-se na recessão. O desemprego aumenta e atinge máximos de há duas décadas. O total de desempregados duplicou em apenas dois anos, e em março a taxa de desemprego passou de 7,7% para 8,1% (uma taxa de aumento ainda mais rápida que a do Chipre). O FMI prevê que a economia vai encolher 0,5% em 2013, mas os prognósticos têm o mau costume de ser otimistas. O governo não cumpre os seus défices orçamentais, apesar de ter imposto medidas severas de austeridade em outubro. Como outros países da eurozona, a Holanda parece encerrada num círculo vicioso de desemprego em aumento e rendimentos fiscais em queda, o que conduz a ainda mais austeridade e a mais cortes e perda de emprego. Quando um país entra nesse comboio, custa muito a sair dele (sobretudo dentro das fronteiras do euro).

Até agora, a Holanda tinha sido o grande aliado da Alemanha na imposição da austeridade por todo o continente, como resposta aos problemas da moeda. Agora que a recessão se agrava, o apoio holandês a uma receita sem fim de cortes e recessão (e inclusive ao euro) começará a esfumar-se.

Os colapsos da zona euro ocorreram sempre na periferia da divisa. Eram países marginais e os seus problemas eram apresentados como acidentes, não como prova das falhas sistémicas da forma como a moeda foi estruturada. Os gregos gastavam demasiado. Os irlandeses deixaram que o seu mercado imobiliário se descontrolasse. Os italianos sempre tiveram demasiada dívida. Para os holandeses não há nenhuma desculpa: eles obedeceram a todas as regras.

Desde o início ficou claro que a crise do euro chegaria à sua fase terminal quando atingisse o centro. Muitos analistas supunham que seria a França e, ainda que França não esteja exatamente isenta de problemas (o desemprego cresce e o governo faz o que pode, retirando competitividade à economia), não deixa de continuar a ser um país rico. As suas dívidas serão altas mas não estão fora de controlo nem começaram a ameaçar a estabilidade do sistema bancário. A Holanda está a chegar a esse ponto.

Talvez se tenha de esperar um ano mais, talvez dois, mas a queda ganha ritmo e o sistema financeiro perde estabilidade a cada dia. A Holanda será o primeiro país central a estourar e isso significará demasiada crise para o euro.

Matthew Lynn é diretor executivo da consultora londrina Strategy Economics.
Publicado originalmente em El Economista, republicado em Jaque al Neoliberalismo.
Tradução de Luis Leiria | Esquerda.net | 13-05-2013

Comentários (9)


Exibir/Esconder comentários
José Pedro Faria (Jurista) - Cegueira europeia.
Começámos por chamar "vigaristas" e "preguiçosos" aos gregos. Mas quando a crise se alastrou e se percebeu que o problema não tinha exclusivamente a ver com a Grécia, começámos a ficar preocupados. Percebe-se que a origem da crise está principalmente ligada à deficiente construção europeia e às consequências do ultraliberalismo económico (desregulação, globalização, deslocalizações, desindustrialização, etc.), Mas no centro da Europa nunca houve grande preocupação. A crise era um problema dos PIGS. Literalmente, dos porcos do Sul (ainda que com a companhia da Irlanda, com problemas um pouco diversos). Mas agora talvez fiquem desconfiados daquilo que já se sabia.Que a crise baterá à porta da Europa central.

Quem tiver curiosidade pode ver uma entrevista do ministro das finanças holandês, Sr. Jan Kees De Jager, à Euronews, neste link: http://pt.euronews.com/2012/05...-financas/.

Nessa entrevista, o Sr. Jager afirma que está tudo em ordem na Holanda, que há de facto um problema, mas que o Governo holandês já lançou e irá implementar um vasto pacote de medidas de austeridade, entre elas a "liberalização do mercado de trabalho, mesmo antes que os mercados financeiros o exijam" (cfr. minuto 00:56), por forma a mostrar aos mercados que a Holanda "é um país austero" (cfr. minuto 1:23). A palavra "austerity" é usada vezes sem conta, esforçando-se o Sr. Jager por tentar fazer passar a sua mensagem junto dos mercados, acrescentando ainda que tem apoio popular para a austeridade, e que esta e o crescimento económico não são incompatíveis.

Mas onde é que já ouvimos esta conversa toda? Parece que isto soa de maneira familiar. A Holanda, sempre tão rigorosa com os países do Sul, prepara-se para provar do seu próprio veneno...

Esta loucura que varre a Europa acontece porque os líderes europeus continuam a fingir não perceber quais as verdadeiras causas dos problemas da Europa. Uma delas é precisamente a quase completa desregulação dos mercados financeiros. Qual a solução? Desregular ainda mais, liberalizar, destruir os Estados. A Europa faz exatamente o contrário do que deveria ser feito - e os resultados estão à vista. É como lançar gasolina no fogo. Se esta cegueira continuar, vamos acabar todos muito mal.
José Pedro Faria (Jurista) , 14 Maio 2013
...
Cuida-te, Melga, digo, Merkel, a vez da Alemanha chegará, mais cedo que tarde.
Sun Tzu , 15 Maio 2013
...
Continuem com o Estado Social e vão ver que esta bolha é mínima; deixam-se de parvoíces: há holandeses que o previam em 2008;
esta crostra de ignorância ou fingimento dela dá dó...; gritem: direito a habitação...gritem mais alto...isso...e ela aparecia...era a fé no país Merlin;
Em Coimbra não vos ensinam que sem dinheiro não há tretas? Ou julgam-se melhores juristas que o pessoal do Chade?
Anarco-Capitalista , 15 Maio 2013
...
Caro Anarco-Capitalista,

Não imagino se V. Exa. é inteligentemente provocador, ou instintivamente mentecapto. Abaixo o Estado Social, diz V. Exa.?! "Crosta de ignorância"?! "Sem dinheiro não há tretas"?! Por "tretas" entendam-se Direitos?!
Nem merecia resposta de nenhum comentador, mas também "nós" não merecíamos os seus comentários soezes, ou julga-se melhor comentador do que o pessoal do Chade (Sem qualquer desprimor para os mesmos)?
Quid Juris' , 15 Maio 2013
POR ACASO OS AFRICANOS DEVERIAM TER DIREITOSLÁ NA TERRA DELES
smilies/grin.gifsmilies/grin.gifsmilies/grin.gif
Os humanistas-internacionalistas de cá ajudavam-nos a fazer uma bos constituição , estilo da nossa e aí havia lá pão, habitação e educação sem ser preciso pagarmos isso tudo cá...
Lusitânea , 15 Maio 2013
Karmas...
Olha o da negra paranóia! O da santa ignorância racista! O miscigenado assimilado que se pudesse suicidava parte de si! Gostava de lhe ver um teste de ADN!
Aposto que na próxima reencarnação este " lusitânea" vai ser mais negrinho que o mais negro dos tições!
E vai tentar emigrar num barquinho de plástico ! Ó se vai!

Ary dos pecadores , 15 Maio 2013
...
Quid Iuris:

Não comento; ao contrário de si ...há factos, há mundo que nada tem a ver consigo, nem é formado pelos seus desejos;
Você e muitos confundem o mundo dos nossos desejos e mundo real. Baseiam-se num idealismo dominante...só que a realidade está aí, e não sai de nós: existe para além das nossas intenções.
Tretas e direitos confundem-se quando estes últimos nada dizem porque não há realidade que os suporte.
Dou-lhe uma imagem e você vai compreender: sabe quantos planetas seriam precisos para aguentar o débito privado europeu, as tretas, o estado social, e a demografia europeia? três planetas; têm sorte ainda dois quintos da humanidade não terem os direitos que vcs têm...;
...é duro porque você não quer largar o seu osso, luta com palavras para seu conforto; espere pelo momento mais sério...
...na minha perspectiva, como comentarei os v/ comentários? Ou quer continuar na ilusão ocidental que forma o seu pensamento e o pensamento jurídico há mais de duas dezenas de anos?
...está desafiado a destruír um a um os meus argumentos...permita-me uma regra: deixe o insulto (inteligente, mentecapto) para políticos...
Anarco-Capitalista , 16 Maio 2013
Ó Ary dos pecadores lixaste-me bem pá...
smilies/grin.gifsmilies/grin.gifsmilies/grin.gif
Um g**o a não querer agora um império só cá dentro e por nossa conta?P***a...
Lusitânea , 16 Maio 2013
...
Ahahahahahah!!!! Pela boca morre o peixe!!! Os holandeses com a mania da superioridade já se estão a lixar!!! Ainda devia a Alemanha e os países escandinavos que aderiram ao Euro darem o berro. Só assim o Euro dá o berro!!! Os portugueses pioraram com o Euro. Não vejo qual foi o beneficio para as famílias portuguesas. Ah! Esperem! Foi ficarem endividadas até ao tutano.. ou hoje em dia isso não é beneficio do capitalismo desenfreado e ganancioso dos dias de hoje???
Adv.Oficioso , 16 Maio 2013

Escreva o seu comentário

reduzir | aumentar

busy

Últimos conteúdos

A crise trouxe dúvidas novas sobre a situação do país e a actuação dos políticos. As televisões portuguesas responderam ...

Com o termo do ano de 2013, cessaram as publicações de conteúdos nesta Revista Digital de 2013.Para aceder aos conteúdos...


Isabel Moreira - Ouvindo e lendo as epifanias sobre o Tribunal Constitucional (TC) que descobriram ali um órgão de sober...

Últimos comentários

Tradução automática

Atualidade Sistema Político Holanda pode provocar o colapso do euro

© InVerbis | 2013 | ISSN 2182-3138.

Arquivos

Sítios do Portal Verbo Jurídico