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REVISTA DE 2013

Estudo argumento para a austeridade colocado em causa

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É o debate que domina actualmente a atenção dos economistas. Mas o assunto tem tudo para interessar a uma plateia muito mais vasta da população, principalmente nos países que, com a dívida pública a níveis elevados, têm vindo a ser alvo de severas medidas de austeridade.

Tudo começou quando Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, dois economistas norte-americanos, publicaram em 2010 um estudo – com o nome de Growth in a Time of Debt (Crescimento num tempo de dívida) – que concluía, usando uma base de dados histórica de 20 países avançados, que, nas economias onde a dívida pública superava os 90% do PIB, a taxa de crescimento média era de apenas 0,1%, em contraponto com crescimentos situados entre 3% e 4% nos países com dívida abaixo de 90%.

Ou seja, Rogoff (um ex-economista chefe do FMI) e Reinhart detectaram a existência de uma forte correlação entre dívidas públicas altas e crescimento económico mais baixo.

Este não teria sido mais que um estudo feito por economistas conceituados não fosse o caso de vários responsáveis políticos o terem citado frequentemente como argumento para a aplicação de fortes medidas de consolidação orçamental em diversas economias. A crise financeira internacional que conduziu a uma escalada das dívidas públicas em muitas economias, muitas vezes para níveis acima da barreira dos 90%, desencadeou a certa altura uma resposta dos governos, especialmente na Europa, de redução da dívida por via da austeridade. O estudo de Rogoff e Reinhart foi muitas vezes lembrado como justificação dessa estratégia de ataque ao endividamento público, tanto nos EUA como na zona euro.

Em Portugal, por exemplo, o governador do Banco de Portugal lembrou os resultados do estudo Rogoff e Reinhart em algumas das suas intervenções, para afirmar que "a situação é agravada pelo facto do nível de endividamento atingido constituir ele próprio um entrave ao crescimento".

O estudo e as interpretações que lhe foram dadas pelos políticos foram de imediato alvo de várias críticas pelos opositores das políticas de austeridade. A principal era a de que, havendo esta correlação entre dívida e baixo crescimento, não era óbvio o que é que provocava o quê. Ou seja, podia não ser a dívida elevada que fazia as economias crescer pouco, mas sim o fraco crescimento que fazia aumentar a dívida.

Agora, no entanto, as críticas subiram um degrau, para o nível da completa rejeição das conclusões do estudo. Uma investigação publicada por três economistas da Universidade de Massachussets – Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin – usou exactamente a mesma base de dados usada por Rogoff e Reinhart (cedida por estes) e chegou a conclusões completamente diferentes. Em vez de um crescimento médio de 0,1%, encontraram uma variação do PIB para os países com dívida acima de 90% de 2,2%. E concluíram que a relação entre crescimento e dívida pública varia muito de acordo com a época e o país analisado.

Como é que se explicam diferenças tão significativas? Os três autores dizem ter detectado três erros no estudo de Rogoff e Reinhart. Primeiro, parecem ter ficado de fora da análise, de forma inexplicável, três casos de países com dívidas elevadas e crescimento saudável – Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Depois, os cálculos foram feitos de uma forma considerada pouco convencional que baixou a taxa de crescimento média em períodos de dívida elevada. E, por último, foi feito um erro na folha de cálculo do Excel que excluiu cinco países da análise.

Perante esta informação, vários outros economistas, principalmente os que têm sido mais críticos da política de austeridade, têm vindo a assinalar que a principal argumentação usada para justificar a imposição de austeridade para baixar a dívida o mais rapidamente possível não passa, afinal, de um erro no Excel. "Os principais culpados aqui são todas as pessoas que aproveitaram os resultados de um estudo polémico, sem saberem nada sobre esse estudo, apenas porque este dizia aquilo que queriam ouvir", escreveu Paul Krugman, no seu blogue.

Até agora, Rogoff e Reinhart deram apenas breves respostas aos jornalistas que os contactaram, afirmando estar a analisar o novo estudo, mas afirmando desde já que a existência de uma correlação entre dívida alta e crescimento baixo não parece estar em causa.

Os dois autores, nas suas intervenções públicas, sempre foram mais prudentes do que os políticos a tirar conclusões práticas do seu estudo. Carmen Reinhart, quando participou por vídeoconferência num seminário recente organizado pelo Banco de Portugal, recomendou uma redução da dívida pública do país. Mas reconheceu que a via da austeridade não é a única e que uma reestruturação de dívida pode ser a única solução. "Não estou a dizer que a austeridade e as reformas estruturais não são importantes. O que estou é a sugerir que, decididamente, só isso não chega. Quando as dívidas chegam a este nível, historicamente necessitaram de algum tipo de negociação com os credores", afirmou, citada pelo Jornal de Negócios.

Sérgio Aníbal | Público | 17-04-2013

Comentários (3)


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Enfim, economistas ou feiticeiros, como suspeito?
Sun Tzu , 18 Abril 2013
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O grupo que treina o Sócrates já está a estudar este estudo. O que põe em causa o primeiro estudo.
Uma coisa sei: ter dívidas e crescer pouco é mau. Não as ter e crescer muito é bom.
Já dizia o outro: mais vale ser rico e feliz do que pobre e infeliz...
Anónimo , 18 Abril 2013
José Pedro Faria (Jurista) - Um estudo importante.
Este novo estudo é importante, não porque arrase completamente todas as conclusões do anterior, mas porque alveja cirurgicamente princípios básicos que têm norteado as políticas fundamentalistas do FMI.

Desde logo uma conclusão chave estava errada, a de que nas economias onde a dívida pública superava os 90% do PIB, a taxa de crescimento média era muito inferior (3 ou 4 vezes) às dos outros. O erro é de tal modo clamoroso que custa a crer que seja mesmo um... erro. É que é sempre preferível ter uma base teórica qualquer para parecer mais credível a adoção das políticas que dão jeito a alguém.

Quem quiser começar por analisar o primeiro estudo e as suas erradas conclusões, pode consultar este sítio: http://www.nber.org/papers/w15639.pdf?new_window=1. Para quem tenha paciência, leia primeiro os estudos e apenas depois, eventualmente, os comentários de certos senhores economistas nacionais, cuja "sapiência" apenas serve para confundir ainda mais as pessoas.

Este novo estudo ajuda a lançar ainda mais dúvidas (como se houvesse poucas...) sobre a bondade das teses liberais (mais dívida igual a menor crescimento), quando me parece que o ponto de partida é errado: a um menor crescimento é que corresponde um aumento da dívida, sendo depois necessário identificar rigorosamente quais as causas desse abrandamento do crescimento.

Este estudo põe igualmente em causa a política da austeridade cega, incompetente e paranoica preconizada pelo FMI e seguida de forma rastejante pelo nosso Governo.

Um exemplo paradigmático dos resultados das políticas do FMI é o caso da Letónia, considerada a "boa aluna". Neste país, à liberalização da economia e à desregulação dos mercados financeiros, sucedeu um endividamento colossal provocado precisamente pelas medidas defendidas pelo FMI. Face a isso, o FMI foi convidado a intervir (repete-se: para "corrigir" os disparates por aquela instituição genericamente preconizados). À austeridade asfixiante seguiu-se, paradoxalmente (ou talvez não...) a subida em flecha da dívida pública. Hoje a Letónia é um país esmagado económica e financeiramente, dependente dos credores. A "boa aluna" não passa, afinal, de um pesadelo para os liberais.

Numa relação credor-devedor as responsabilidades são repartidas, não podem assentar exclusivamente neste último, ao contrário daquilo que se tem feito crer. Conceitos como reestruturar, negociar, rejeitar dívida odiosa e outros, devem estar presentes na mente das pessoas.
José Pedro Faria (Jurista) , 18 Abril 2013

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