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REVISTA DE 2013

Bem-vindos à Costa Rica da Europa

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Daniel Bessa, diretor-geral da Cotec, não comunga da euforia geral. Para ele, a emissão esta semana de dívida a dez anos não foi um sucesso. António Lobo Xavier, administrador da Sonaecom, reconhece que "é uma operação encenada", mas se nos forçam a fazer teatro, "ao menos que nos saia bem". Mas, olhando para o futuro, Bessa antecipa uma visão de Portugal como a Costa Rica da Europa, por causa do turismo de saúde e avisa os saudosistas que a engenharia é o novo nome para a indústria. Uma coisa é fabricar sapatos, outra aviões.

Estas pistas de discussão foram lançadas durante o Encontro Deutsche Bank/Expresso que esta semana, no Porto, cometeu a ousadia de "Olhar o Futuro". Bernardo Meyrelles, presidente do Deutsche Bank em Portugal, lembrou que é preciso "olhar para o futuro para que o futuro não se esqueça de nós". E deixaria, depois, algumas sugestões para um futuro "rumo ao sucesso". Portugal "terá de manter a disciplina financeira e virar-se para o exterior". Selecionar "mercados, parceiros e o tipo de investimento a captar tendo em conta os produtos em que o país beneficia de fatores diferenciadores". Quando o moderador, Martim Avillez Figueiredo, publisher do Grupo Impresa, lhe perguntou pelos fatores que mais assustam os investidores alemães, o banqueiro não hesitou: a indisciplina de pagamento do Estado, custos energéticos, a burocracia e a instabilidade do sistema fiscal.

A instabilidade legislativa é, para Rui Moreira, presidente da Associação Comercial do Porto, um dos pecados mortais do sistema português. Mudar as regras a meio do campeonato "aterroriza os investidores". Os empresários "não aguentam a mudança de condições" que agravam os riscos próprios do negócio.

Sopa de pedra

Mas Rui Moreira envergaria o duplo fato de empresário e candidato à Câmara do Porto. As cidades podem criar "um ambiente amigo dos investimentos", com bolsas de escritórios, espaços comuns ou serviços partilhados. Compara uma cidade a "uma sopa de pedra", e avisa que é preciso meter ingredientes na sopa e alguém que carregue a panela. No caso do Porto, o turismo é um dos ingredientes mais saborosos. O sucesso do destino Porto resulta da combinação do "segredo mais bem guardado da Europa" que seduz idosos ricos e "a noite mais barata da Europa" que atrai uma imensa comunidade juvenil. Pelo meio fica "a incompetência do Turismo de Portugal que promove o país nos Estados Unidos da América com imagens de praias do Algarve". Todavia, a primeira condição para uma cidade atrativa "é ser de boas contas". O Porto paga a 28 dias. Daniel Bessa contou o caso de um hospital na Madeira, com dívidas de quatro anos, que se sente ofendido se o credor lhe telefona a pedir o pagamento.

Banca capitalizada

Porque é que a colocação de dívida esta semana não foi um sucesso? "99% dos investidores mundiais estão proibidos de comprar e a taxa de 5,7% não é favorável, comparando com o custo médio de 4% da nossa dívida", responde Bessa. A emissão "é um condicionalismo do Banco Central Europeu (BCE) para que o sistema financeiro possa ceder liquidez". Lobo Xavier subscreve, mas tem uma visão diferente desta "válvula de escape". Facilitar o acesso ao BCE é uma vantagem nada despicienda que deve ser valorizada.

De banca e crédito se ocuparia Bernardo Meyrelles. Reduzir os rácios de solvabilidade para libertar fundos? Errado. A economia "precisa de uma banca forte e capitalizada" e não é reduzindo os rácios que se torna mais forte. Mas, há uma discussão que se pode fazer sobre o custo de funding. "Precisamos de 10% de rácio de solvabilidade, mas o custo para o obter poderia ser melhorado", diz o presidente do Deutsche Bank em Portugal. O banqueiro compara o preço da ajuda negociada pela banca espanhola e o aplicado à banca portuguesa. E se a banca não empresta mais é porque não pode. Metade dos créditos alocados pela banca "consomem capital e liquidez e não são reprodutivos".

Lobo Xavier treme com a tentação do "capitalismo de Estado dirigista à venezuelana" que tornou a CGD refém do Governo de José Sócrates. É contra a instrumentalização da banca e, face a apelos recentes do Governo, confessa que não se sabe como se pode obrigar os bancos a baixar os spreads. "Não se pode impor margens de lucros por decreto e depois esperar que irrompam por aí investidores para negociar", diz o fiscalista.

Sapatos e aviões Esta semana, na Cotec, o diretor-geral da associação empresarial do calçado (APICCAPS), Manuel Carlos, lamentava que as organizações internacionais continuem a classificar os sapatos de baixa tecnologia, apesar do carácter inovador e progressos tecnológicos da indústria. Bessa confortou-o, reconhece que o calçado subiu na cadeia tecnológica. "Mas, entre um sapato e um Boeing deve haver alguma diferença", nota. O episódio ajuda o ex-ministro da Economia a passar a mensagem de que "sem engenharia não há indústria na Europa que sobreviva". A manufatura será feita noutros mercados. O novo modelo industrial assentará numa maior intensidade tecnológica.

Olhando o futuro, Bessa acredita nas vantagens de Portugal em serviços transacionáveis com grau elevado de conhecimento. Por exemplo, no turismo de saúde. Com os ciclos de internamento cada vez mais longos, o negócio dos serviços de saúde vai explodir. Nos EUA, um paciente é operado às coronárias e um dia depois é metido num avião para se restabelecer na Costa Rica. "Se a Costa Rica serve, Portugal também serve", diz Bessa. Os serviços são de qualidade, os preços competitivos, mas "a oferta é muito fragmentada".

Surgem agora exemplos estimulantes, como o do empresário Manuel Agonia, que está a instalar a poucos quilómetros do aeroporto do Porto, um centro hospitalar de que se destaca uma unidade psiquiátrica, dimensionada para o mercado externo.

Bomba-relógio de €7 mil milhões

São 38 mil processos que se encontram em litígio fiscal. Em regra, o Estado perde metade dos casos. O Fisco recorre sempre

Foi com espírito missionário que António Lobo Xavier aceitou presidir à Comissão da Reforma do Imposto sobre o Rendimento Coletivo (IRC) que em junho apresenta o documento final. As orientações gerais foram elogiadas pela troika, faltando agora apresentar as medidas aos parceiros sociais. Lobo Xavier confessa que a sua coroa de glória seria assistir ao regresso a Portugal das sedes das empresas que se registaram noutros países por razões fiscais. No Encontro Deutsche Bank/Expresso, Lobo Xavier partilhou com a plateia as principais recomendações mas, a propósito do tema, deixou uma séria advertência sobre uma bomba-relógio de €7 mil milhões que ameaça as contas públicas. O gigantesco número (4%, 5% do PIB) traduz o valor dos 38 mil processos contra o Estado que se encontram em litígio fiscal, contabilizado nas contas públicas como receita. Pela sua experiência, Lobo Xavier diz que pelo menos metade o Estado terá de devolver. Há 60 juizes para julgar todos estes processos.

O combate à litigiosidade tributária é, de resto, um dos desígnios da comissão a que preside. O sistema não aguenta uma tão grande conflitualidade. "É preciso desativar essa bomba-relógio que não sabemos quando poderá disparar", diz o fiscalista. A conflitualidade "decorre de leis ambíguas e pouco transparentes" e da prática da administração fiscal de contrariar a "tendência jurisprudencial dos tribunais". Sempre que perde, o Fisco recorre. A comissão vai proceder a uma limpeza dos potenciais focos de conflitualidade.

Na taxa de IRC, a proposta é de 18%, aproximando Portugal dos países europeus mais competitivos. E acaba a derrama municipal. Um terceiro eixo da reforma é a simplificação. Não faz sentido que "uma pequena empresa tenha as mesmas obrigações fiscais da Sonae ou da PT". O regime simplificado não funciona e a comissão vai criar um novo modelo que se revele atrativo e equilibrado. Este Simplex destina-se às 150 mil empresas que faturam até €500 mil. A intenção da reforma "é acarinhar o investimento que vem de fora e tratar bem o repatriamento dos lucros das empresas portuguesas que estão no exterior". Lobo Xavier citou outro dado que aterroriza os investidores. As empresas gastam por ano 65 horas com as suas obrigações fiscais, um absurdo comparado com a Irlanda (10 horas), Bélgica (20) ou Espanha (23).

Lobo Xavier adverte todavia que a sua reforma não produzirá por si só o milagre do investimento. Há quatro anos, o ambiente no país era igualmente desfavorável e o investimento existia. E, olhando para as dez causas que afastam os investidores, as de natureza fiscal surgem na parte final da lista.

Abílio Ferreira | Expresso | 11-05-2013

Comentários (3)


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INTELIGÊNCIAS NACIONAIS
Onde estavam todos estes senhores que agora produzem comentários sobre a crise e as brilhantes formas de sair da mesma quando Portugal esra conduzido para o actual abismo??!!??!!
Pedro Moura , 12 Maio 2013 | url
...
Daniel Bessa, antyigo Ministro da Economia de Guterres; Xavier, Deputado e dirigente do CDS desde sempre...
Sun Tzu , 13 Maio 2013
...
1. ... Estes senhores não eram ouvidos, porque só há ouvidos para "tenho direito", "quero chupa-chupa";
2. ... A malta queria obra e teve-a, e teve sorte em estarmos na CEE, pois estaríamos falidos em 1990; assim lixámos também o pessoal do resto do continente...vão ver.
3. ...Mar, Mar, ...
4. As portuguesas não são as costa-riquenhas.
Anarco-Capitalista , 14 Maio 2013

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