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REVISTA DE 2013

Chumbo grosso no Tribunal Constitucional

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O Tribunal Constitucional (TC) chumbou com efeitos imediatos a suspensão do subsídio de férias dos pensionistas e dos funcionários públicos e o corte nos subsídios de doença e de desemprego, anunciou ontem o juíz relator do acordão do TC, Carlos Cadilha. A decisão do tribunal anula mais de 1,1 mil milhões de euros das poupanças orçamentais planeadas pelo governo com o aval da troika - cerca de um quinto do esforço adicional de 5,8 mil milhões de euros este ano para cumprir a meta do défice - e deixa o governo perante a necessidade de lançar novas medidas de austeridade ou de negociar com a troika uma nova flexibilização parcial da meta do défice.

Oito dos 13 juízes do TC entenderam que a suspensão do 13º mês dos funcionários públicos e dos pensionistas viola o princípio constitucional da igualdade na repartição dos sacrifícios. A razão é "idêntica" à que levou o TC a chumbar em 2012 o corte do 13º e do 14º mês, então proposto pelo governo exclusivamente para a função pública e os pensionistas, afirmou ontem Carlos Cadilha. O governo suavizou a diferença de tratamento este ano - mantendo na prática o corte das duas prestações para função pública e reformados e cortando o equivalente a um subsídio no sector privado - mas para o TC não chega.

"A generalização dos sacrifícios não eliminou a diferença de tratamento", afirmou ontem aos jornalistas Carlos Cadilha. O juíz não deu detalhes sobre como o TC avaliou a diferença de tratamento na austeridade entre universos dificilmente comparáveis (um reparo ao TC feito em 2012 pela Comissão Europeia - ver texto ao lado).

Ao contrário do verificado em 2012 (em que o efeito do chumbo foi adiado), a decisão do TC tem efeitos imediatos este ano. Os funcionários públicos e os pensionistas receberão no Verão o subsídio de férias (o outro foi diluído no regime de duodécimos), num valor global próximo de 950 milhões de euros. No caso dos desempregados que recebem subsídio (45% do total) e dos beneficiários do subsídio de doença, o chumbo significa que o Estado terá que devolver o equivalente ao deduzido nos cortes (de 6% no subsídio de desemprego e de 5% no de doença). A medida valia 150 milhões de euros.

O TC tinha um conjunto amplo de medidas do Orçamento do Estado para 2013, avaliadas em mais de 5 mil milhões de euros, tendo chumbado cerca de 21% deste valor. O TC chumbou duas das três normas enviadas pelo Presidente da República e uma enviada pelo PCP, bloco de Esquerda e Verdes.

O TC viabilizou a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, um imposto progressivo sobre pensões a partir de 1350 euros que a maioria dos constitucionalistas dava há meses como sendo inconstitucional. O tribunal viabilizou, também, o corte salarial na função pública que dura desde 2011. As duas decisões poderão ter consequências na estratégia do governo daqui para a frente na redução de despesa pública.

Para já, contudo, o chumbo deixa o governo com um problema orçamental grande para resolver. Mesmo que a execução orçamental corra bem e a economia se comporte como esperado (dois pressupostos arriscados), sem alternativas o chumbo coloca o défice pelo menos seis décimas acima da nova meta de 5,5% definida este ano, ou seja, acima de 6% do PIB. A nova meta mais alta - que foi difícil de negociar com a troika - será quase totalmente consumida pela revisão em baixa do PIB e da receita fiscal este ano (razões que levaram à flexibilização), deixando o governo praticamente sem margem para absorver o impacto do chumbo. Medidas adicionais de austeridade este ano - suavizadas ou não por uma nova flexibilização parcial das metas pela troika - são os caminhos possíveis, num cenário recessivo profundo e de desemprego recorde.

Bruno Faria Lopes | ionline | 06-04-2013

Comentários (6)


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Um estoiro colossal - hipóteses de remédio
A partir de certo montante, o 13º e o 14º deveriam sofrer cortes progressivos quer no sector público quer no sector privado. É para mim um mistério por que razão não decide Gaspar tal corte (repiso: progressivo, e não proporcional). O que falta por aí, num país de miséria, é gente em empresas privada a ganhar milhares por cada mês. Catorze vezes por ano. Arrecadaria o Tesouro pouco? Pois sempre seria melhor do que o nada com que agora as Finanças ficam nas mãos.

Dito isto, profissões como a de Juíz (excepcionados os Desembargadores e Conselheiros, que acho que ganham bem para o País em que vivem e para o trabalho que têm), professores do ensino público e agentes de autoridade que façam patrulhas na rua, deveriam sofrer aumentos salariais, como já venho defendendo aqui há ano e meio, pelo menos. Acrescento agora algum pessoal da área da saúde (parece que há aí enfermeiros contratados a ganhar meia dúzia de euros à hora).

No futuro, defendo que o 13º e o 14º devem pura e simplesmente desaparecer. Aquilo que é actualmente o seu valor deve ser integrado nas remunerações mensais ao longo do ano. O trabalhador deve ser remunerado pelo seu trabalho, nos termos em que a CRP o impõe (cf. 59º), deve ter direito a férias pagas (59/1 d) CRP) e a mais nada, no meu entender, no plano da remuneração. O 13º e o 14º devem desaparecer formalmente. (O seu valor, repito, deve ser distribuído pelas outras remunerações periódicas, sem prejudicar os cortes que defendo no primeiro parágrafo deste texto, obviamente, cortes que devem ser impostos apenas aos mais afortunados.)

O actual valor do salário mínimo é na minha opinião inconstitucional, por não garantir o mínimo de dignidade ao trabalhador a que a CRP obriga. Lembrem-se de que depois de se receber essa miséria ainda há que fazer descontos para a Segurança Social, pagar o IRS, e pagar o IVA de uma série de produtos, uns essenciais, outros quase, que são tributados com a taxa máxima: 23%. (Enquanto isso, ir a Londres - ou para onde quer que seja - de avião - em qualquer classe que seja, incluindo a primeira - paga nada de IVA.)

Portugal é dos países da UE e da OCDE onde há mais diferenças entre ricos e pobres.

20% da força produtiva do País está encostada às boxes.
Qualquer pessoa que tenha os olhos abertos constata que as grandes superfícies estão a substituir maciçamente caixas com empregados por máquinas de pagamento self-service (Continente, Jumbo, Fnac, Galp, BP, Repsol, etc.). Já no tempo de Sócrates lhe escrevia a pedir que legislasse proibindo esta prática empresarial lesiva do interesse nacional. A Passos Coelho fiz o mesmo.
Nada.

Um desempregado não produz, não desconta para a SS, e ainda recebe assistência (que não constesto, desde que dentro de limites - é inaceitável que o subsídio de desemprego seja alguma vez superior ao salário mínimo nacional!)

Mas ao Sr. Vítor Gaspar e ao Sr. Álvaro e ao Sr. Coelho - que parece não falarem sobre isto uns com os outros - não lhes aparecem na cabeça ideias de fomento do emprego. E, parece, a nenhum partido da oposição também não. Pergunto-me que aprende esta gente em 12 anos + 5 + alguns mais de mestrado e doutoramento. Parece que NADA.

Engraçado como o Sr. Gaspar, sabendo que 20% da força produtiva do País está parada, acredita que a recessão vai ser de não sei quantos %. Vai ser muito pior. Tenho-o dito: caminhamos para um estoiro de dimensões colossais.

Uma família em que os cônjuges recebiam o salário mínimo e já viviam à justa, e em que um deles ou ambos ficam desempregados, é uma família condenada. É de bradar aos Céus.

Há mais de um ano, salvo erro, disse aqui que João Salgueiro, com o seu passado na banca, haveria de ir a Belém pedir ao Sr. Presidente que transmitisse ao Governo a necessidade de implementar políticas de emprego. Isto porque se estava mesmo a ver que a banca acabará com uma tal quantidade de crédito mal-parado que já não saberá o que fazer. Ou melhor, acabará por perceber o óbvio: só uma política de fomento de emprego poderá dar alguma esperança a este país. A banca não funciona com um País de desempregados.

Infelizmente, estas questões só preocupam verdadeiramente as pessoas quanto estão desempregadas.

A única coisa que me impede de partir à marretada todas essas caixas de self-service que por aí se encontram é o facto não tanto de ser crime (prisão = cama, mesa, roupa lavada, e dispensa de trabalhar), mas o facto de não querer que a miha biblioteca jurídica (os únicos bens que possuo), muito anotada, me desapareça em penhora para pagar o prejuízo aos desgraçados que dispensam trabalhadores e os substituem por máquinas.

Que Deus Nosso Senhor tenha esses exploradores indignos em bom descanso.
Quanto mais cedo melhor.
Gabriel Orfão Gonçalves , 06 Abril 2013
Quem nos acode
Afinal o rombo não é de 1.2 milhões de Euros, mas sim de 850 milhões, pois o restante é absorvido pelo pagamento de impostos.
Julgava eu que as normas de conduta social tinham sido criadas para evitar que a sociedade se tornassem uma selva, onde a lei do mais forte imperasse. Pelos vistos estou errado, pois a avaliar pelos comentários dos entendidos em economia e finanças, a lei é secundária, e a economia justifica que aquela seja violada.
Com pensamentos iluminados como os que ouvimos, é caso para dizer: quem nos acode?
Orlando Teixeira , 06 Abril 2013 | url
...
Amigo Gabriel Orfão Gonçalves, o senhor sabe quanto ganha um juiz de círculo (ou mesmo um juiz com 20 anos de carreira) e um conselheiro?= Se lhe disser que a diferença dá para pouco mais do que um bilhete de cinema e um balde de pipocas certamente que não acreditará...
Sun Tzu , 06 Abril 2013
...
SÁBADO, 6 DE ABRIL DE 2013
Tribunal Constitucional (4)
Publicado por Vital Moreira
Desiluda-se quem julga que ganhou com esta decisão do TC (designadamente os funcionários públicos e pensionistas que recuperaram um mês de rendimento). Os efeitos desta decisão sobre a incapacidade do País de atingir as metas de consolidação orçamental e de regresso ao mercado da dívida só vai agravar e prolongar a fase de austeridade (mais cortes de despesa, mais impostos durante mais tempo). Isto sem contar com a possilidade de uma crise politica, cujos custos financeiros podemos deduzir pelo que sucedeu na Grécia há um ano.
No final, todos os portugueses, incluindo os que agora festejam a decisão do TC, terão perdido bem mais de um mês adicional de rendimento por ano.
http://causa-nossa.blogspot.pt/
António Sanches , 07 Abril 2013
...
Vital Moreira: um grande constitucionalista e um grande democrata...smilies/grin.gif smilies/grin.gif smilies/grin.gif
raro , 07 Abril 2013
...
Vital Moreira tem toda a razão naquilo que diz. Bastou ver hoje o discurso RAIVOSO do pseudo-primeiro-ministro para perceber que a vingança é um prato que irá ser servido bem frio.


Sim, porque ninguém espere que ele vá cortar nas PPPs e nas rendas excessivas dos setores das comunicações e eletricidade. ELE NEM TEM "BOLAS" PARA ISSO NEM TEM INTERESSE EM IR AO BOLSO DAS SUAS CLIENTELAS (ou será que aquele telefonema do Ricciardi foi obra do acaso?).
Zeka Bumba , 08 Abril 2013

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