In Verbis


icon-doc
REVISTA DE 2013

Buraco de €2631 milhões

  • PDF

As perdas acumuladas de 15 empresas públicas em instrumentos de gestão de risco davam para cobrir duas vezes os cortes impostos pela decisão do Tribunal Constitucional. Começam a rolar as primeiras cabeças

Paulo Braga Lino e Juvenal Silva Peneda, ex-secretários de Estado da Defesa e Administração Interna, respetivamente, foram demitidos, quando se pensava que a remodelação governamental já se encontrava concluída. O primeiro foi responsável pela área financeira do Metro do Porto e o segundo exerceu funções executivas na administração da mesma empresa. Poucos dias após a demissão, o Governo anunciou as conclusões globais de uma inspeção aos contratos de gestão de risco das empresas públicas, as quais apontavam para a existência de operações «altamente especulativas» que poderão ter lesado os cofres do Estado em centenas de milhões.

Existirá aqui ama relação causa- -efeito? Até à hora de fecho desta edição, nenhum órgão do Governo a estabeleceu oficialmente. Mas também não a desmentiu. Segundo o relatório da inspeção do Instituto de Gestão do Crédito Público, efetuada ao longo dos últimos meses, alguns destes contratos «têm características problemáticas por não se tratar de meros instrumentos de cobertura de risco e incorporarem estruturas altamente especulativas».

De acordo com o Governo, vai «ser feita uma avaliação das circunstâncias e modo em que tais contratos à data foram celebrados» e serão enviados para o Ministério Público todos os elementos da investigação necessários para que este organismo averigue se existe ou não, nas operações realizadas, matéria de natureza criminal.

Segundo a VISÃO conseguiu apurar, também a Procuradoria-Geral da República se pôs já em campo, para a execução de averiguações adicionais sobre os contratos. O afastamento dos secretários de Estado marca, assim, o início de um processo que poderá envolver os vários gestores e ex-gestores públicos, responsáveis pelas finanças de empresas do setor empresarial do Estado, durante os últimos anos, que assinaram contratos deste tipo.

A descoberta de tais contratos altamente especulativos levou o Governo a iniciar, de forma paralela, um processo de negociação com a banca, tendo como objetivo a «reparação dos prejuízos financeiros sofridos pelo Estado». O resultado desta negociação deverá ser divulgado até ao final desta semana, assim como todos os mecanismos que o Estado já acionou para apurar eventuais responsabilidades.

Entretanto, a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, que foi diretora de gestão financeira da Refer até 2007, emitiu um comunicado em que afirma que esta empresa não realizou contratos de swap («troca», em português) de natureza especulativa. A Refer, sendo uma das empresas públicas referenciadas na lista das que recorreram a este instrumento financeiro, tê-lo-á usado apenas na «legítima cobertura de risco financeiro - boa prática, e corrente, tanto no setor privado como no setor público», esclareceu a secretária de Estado no comunicado que, aparentemente, serve para justificar a sua permanência na equipa das Finanças.

Um rol de prejuízos

O relatório trimestral do setor empresarial do Estado revela que as empresas públicas que recorreram a instrumentos de gestão de risco financeiro estão a perder, só por causa daqueles contratos, 2 631 milhões de euros. Os swap são um produto financeiro estruturado que permite às empresas com empréstimos a taxas variáveis - geralmente indexadas à Euribor - não perderem dinheiro, se este indexante subir de forma significativa.

No entanto, sucedendo o inverso do previsto, como aconteceu nos casos referenciados, as taxas descem e as perdas acumuladas ? podem ser pesadas. Estes contratos foram celebrados, na sua grande maioria, na altura em que a Euribor estava a subir à média de 1 ponto percentual por ano, passando dos 2% para os quase 5%, em apenas três anos, de 2005 para 2008.

A subida dos juros determinou um enorme aumento das dívidas das empresas.

E foi para acabar com este efeito, que a solução encontrada passou pela contratação de instrumentos de gestão de risco financeiro, como os swaps. No entanto, com o estalar da crise financeira internacional, o Banco Central Europeu decidiu baixar as taxas de juro, o que provocou a descida abrupta da Euribor, em poucos anos. Atualmente, a Euribor a seis meses, a mais utilizada nestas operações, está nos 0,322%, ou seja, mais do que 4 pontos percentuais a baixo do valor que tinha no final de 2008. O resultado, para quem contratou swaps, foi uma perda potencial de muitos milhões.

Mas várias questões estão ainda em aberto. Trata-se, em primeiro lugar, de avaliar até que ponto as perdas são irreversíveis, isto é, se a atual baixa de juros permanecerá ao longo do período de validade dos swaps. A julgar pela atual conjuntura europeia, a resposta deverá ser afirmativa. Além disso, impõe-se saber se o Estado está a renegociar os termos dos swaps ou decidiu que o melhor será resgatá-los e assumir o valor dos prejuízos atuais. Mas há uma questão que vai para além da contabilidade de perdas e ganhos: a de apurar a legitimidade de cada uma das operações e a eventual responsabilidade criminal dos muitos gestores que passaram pelas empresas sob suspeita, ao longo dos últimos anos. Um julgamento que levanta dúvidas em alguns meios ligados ao setor empresarial do Estado.

Há resgate?
Vários gestores públicos estão «perplexos» com o caso das swaps, recusando qualquer tese de utilização especulativa. «Porquê isto agora?», perguntam

«As Finanças estão a negociar ou a resgatar os contratos existentes? É que se estão a resgatar, e com prejuízos para o erário público, aíé que deve começar uma investigação criminal.» A frase dita à VISÃO no rescaldo das demissões dos secretários de Estado, demonstra a perplexidade com que alguns envolvidos no processo assistem aos desenvolvimentos do caso das swaps. O facto de estarem a ser contabilizados prejuízos potenciais como prejuízos efetivos instala a desconfiança em alguns gestores, que não querem dar a cara, sem perceberem o que se está a passar.

A utilização de swaps para cobertura de risco era prática corrente. A tal ponto que Costa Pina, secretário de Estado do Tesouro de Teixeira dos Santos, emitiu, em 2009. um despacho definindo instruções para enquadrar a sua utilização. O recurso a estes instrumentos permitiu mitigar a volatilidade dos mercados. Numa altura em que as expectativas sobre a Euribor era de subida constante, o recurso a um sivap tinha o «efeito prático de transformar uma taxa variável em taxa fixa», com benefício para as empresas. Em 2009, o cenário mudou: as taxas de juro desceram para valores antes impensáveis, imputando potenciais prejuízos às empresas.

Em agosto do ano passado, Vítor Gaspar concentra a gestão dos contratos com instrumentos de gestão do risco financeiro na Agência de Gestão e Tesouraria de Dívida Pública. Fazer uma gestão centralizada é a intenção.

A questão, neste caso, é que «isolar um swap do prazo do seu empréstimo, para contabilizar prejuízos, está errado», diz um ex-gestor. Vários responsáveis de empresas públicas contactados pela VISÃO esperam para perceber o que realmente está em causa, recusando a hipótese de especulação com swaps. «Porquê isto agora? Só há prejuízo se houver resgate. Há resgate?»,


Retrato da dívida das empresas públicas

O setor dos transportes é o mais endividado no universo do setor empresarial do Estado

€29 mil milhões
Dívida total das empresas do setor empresarial do Estado

1%
Se a Euribor subisse um ponto percentual, a dívida resultante destes contratos de gestão de risco desceria quase mil milhões de euros

140
Número de contratos de swaps feitos pelas empresas públicas, 96 dos quais para cobertura de risco e 39 para reestruturação ou diversificação de dívida 6%

51%
dos contratos de gestão de risco foram feitos com bancos de origem estrangeira

€2,3 mil milhões
Das perdas em produtos de cobertura de risco são oriundos das empresas de transporte, representa 88,5% do total

6%
Agravamento das perdas com instrumentos de gestão de risco entre o segundo e o terceiro trimestre de 2012

FONTE DGTF NOTA dados referentes a setembro de 2012

Paulo M.Santos, Alexandra Correia e Cesaltina Pinto | Visão | 24-04-2013

Comentários (0)


Exibir/Esconder comentários

Escreva o seu comentário

reduzir | aumentar

busy

Últimos conteúdos

A crise trouxe dúvidas novas sobre a situação do país e a actuação dos políticos. As televisões portuguesas responderam ...

Com o termo do ano de 2013, cessaram as publicações de conteúdos nesta Revista Digital de 2013.Para aceder aos conteúdos...


Isabel Moreira - Ouvindo e lendo as epifanias sobre o Tribunal Constitucional (TC) que descobriram ali um órgão de sober...

Últimos comentários

Tradução automática

Atualidade Sistema Político Buraco de €2631 milhões

© InVerbis | 2013 | ISSN 2182-3138.

Arquivos

Sítios do Portal Verbo Jurídico