A iniciativa constitui a última parte da auditoria que decorre desde o início do ano a situações de violação de segredo: a Procuradoria-Geral da República (PGR) pretende "ouvir os grupos profissionais ligados ao sector judiciário, ao estudo do Direito, à investigação criminal e à comunicação social". O objectivo, ainda segundo a resposta dada ao SOL, é "aprofundar o conhecimento sobre o fenómeno da violação do segredo de justiça" e "não a delação de situações concretas", como foi noticiado.
A formulação de algumas perguntas, porém, foi mal recebida. E "alguma dificuldade em explicar e comunicar a iniciativa" ajudaram à polémica, como afirma ao SOL um procurador da República.
A auditoria foi determinada pela PGR, no início do ano, aos inquéritos de 2011 e 2012 em que tenha havido violações de segredo de justiça. O objectivo é o de "fazer um levantamento rigoroso e pormenorizado das violações do segredo de justiça, por forma a apurar a respectiva autoria, ou, pelo menos, em que momentos processuais, por que forma e em que circunstâncias tiveram lugar". Isto para depois a PGR "adoptar medidas" de "prevenção".
O inspector que Joana Marques Vidal nomeou para fazer a auditoria, João Rato, está desde então a fazer um levantamento dos casos. Nos últimos dias, enviou à Ordem dos Advogados, aos sindicatos dos magistrados, dos funcionários judiciais e dos jornalistas, bem como às direcções da PJ e da PSP, um questionário com 18 questões, para serem respondidas até dia 9 de Dezembro. Cada entidade é convidada a designar um representante para responder, sendo que, no caso da Ordem dos Advogados, esta colocou o questionário no seu site, deixando ao critério de cada um dos 29 mil advogados responder. Quem o quiser fazer, terá de enviar as respostas à PGR.
Pelo questionário - que tem um núcleo-base de perguntas, variando depois consoante a classe profissional ouvida -, quer-se saber em que circunstâncias deve ser decretado o segredo de justiça e que valores deve proteger, e pedem-se sugestões de medidas para prevenir as infracções.
Pelo meio, porém, pergunta-se ao destinatário se "alguma vez teve conhecimento pessoal de uma dessas situações" (de violação de segredo de justiça), se "pode identificar os processos" e "os autores".
"Essas duas perguntas são manifestamente infelizes, pois vão no sentido de denunciar factos. Num inquérito desta natureza, não faz sentido", afirma ao SOL o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Mouraz Lopes, explicando que os magistrados já estão obrigados por lei a participar essas situações. "Se se relatarem situações em concreto, o que vai fazer a PGR? Tem de investigar".
Apesar das divergências, a associação irá responder ao questionário e o mesmo fará o sindicato dos magistrados do MP: "O objectivo não é identificar casos em concreto. Pretende-se fazer um diagnóstico, ouvir todo o sector, para depois tomar uma posição fundamentada sobre o que corrigir", explica o presidente, Rui Cardoso.
Já o bastonário dos advogados, segundo declarações que fez à Lusa, percebeu que o que se pretende é denúncias: "Os responsáveis pelo processo onde haja violação do segredo de justiça devem ser objecto de averiguação imediatamente. () Finalmente alguém toma uma iniciativa para pôr cobro a esta farsa em que está transformada a Justiça, permanentemente a atirar lama para a dignidade das pessoas nos órgãos de informação".
''Pode ser útil''
Ao SOL, o advogado Paulo Saragoça da Matta diz que a auditoria da PGR faz lembrar uma velha máxima: "É preciso fazer alguma coisa, para que tudo fique na mesma. Ou seja, haver ou não inquérito é irrelevante para o que é realmente importante: tornar excepcionais as violações de segredo de justiça, até porque já são excepcionais os casos de existência de segredo de justiça".
"Tenciono responder, menos àquelas duas perguntas, em que se pedem explicitações relacionadas com a minha vida profissional", diz o advogado Ricardo Sá Fernandes. E acrescenta que a iniciativa da PGR "pode ser útil para perceber e reavaliar procedimentos".
Alfredo Maia, presidente do Sindicato dos Jornalistas, diz que ainda vai analisar o pedido, mas tem uma certeza: "Não responderei àquelas duas perguntas".
"Parece uma caça às bruxas. Em que é que isto vai melhorar a situação da Justiça? E numa altura em que tantas alterações estão em curso na Justiça, isto pode contribuir para criar mais conflitos e desconfiança no sector", comenta Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais.
Ana Paula Azevedo | Sol | 25-11-2013
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