Transferência dos processos para os tribunais administrativos irritou Noronha Nascimento. Será que o Governo espera que o valor das indemnizações baixe?, questiona o presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Bastou um pormenor no projeto do novo Código das Expropriações, enviado pelo Ministério da Justiça para o Conselho Superior da Magistratura, para Noronha Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, manifestar toda a sua irritação com a iniciativa do Governo. Motivo: a transferência para os tribunais administrativos e fiscais (TAF) dos processos de expropriação litigiosa.
"O nosso comentário vai resumir-se a um aspeto tão-só: a que título a competência para a expropriação litigiosa passa para os tribunais administrativos e fiscais?" Feita a introdução, o presidente do Supremo, que assinou um parecer (disponível em http:// www.csm.org.pt/actividade/pareceres/450-pareceres2013) ao documento do Governo na qualidade de presidente do Conselho Superior da Magistratura, considera que a transferência dos processos de expropriação litigiosa da área dos tribunais comuns para os administrativos e fiscais é apenas mais um passo de uma "lenta tentativa para passar tudo o que se possa para os TAF, transformando-os nos tribunais prioritários do Estado, ou seja, transformando-os no foro pessoal do Estado".
Incomodado com esta decisão, Noronha Nascimento recuou no tempo, para dizer que, após o 25 de Abril de 1974, os TAF só não foram incluídos na esfera dos tribunais comuns, "não tanto por opção dos políticos", mas "porque os magistrados", juizes e procuradores, "colocados no Supremo Tribunal Administrativo como juizes em comissão de serviço defenderam e fizeram lobby pela sua dama, ou seja, por um Supremo a mais onde judicassem e ao qual pudessem aceder".
Voltando ao presente, o presidente do Supremo volta a questionar a opção do Ministério da Justiça pelos TAF nestes moldes: "A que título se alargou (e se pretende alargar outra vez) a competência dos TAF para matérias que os seus juizes não dominam, porque não têm a tal especialidade que lhes permite julgar com conhecimento de causa?" E mais uma farpa: "Com a crise económica atual, com a restrição financeira que vai condicionar quer novos recrutamentos quer ações específicas de formação não se vê como irão especializar-se os juizes do TAF em matérias que tradicionalmente lhes passam ao lado e não dominam."
A conclusão do presidente do Supremo, que antecipou a sua saída para junho (ver texto nesta página) sobre todo o processo de transferência para os TAF das expropriações litigiosas é esta: "Será que, afinal, se espera, com a mudança de tribunais, que o valor global da indemnização a pagar por entidades públicas baixe (...), colocando subliminarmente a questão de saber o que é a justa indemnização?"
O projeto do Governo ainda se encontra na fase de consultas. O Ministério da Justiça, de Paula Teixeira da Cruz, espera que a nova lei possa dar mais celeridade aos processos, assim como dar aos proprietários a chamada justa indemnização pelos terrenos. Por isso, introduziu-se o conceito de expropriação por sacrifício.
Um juiz polémico até ao fim carreira
O presidente do Supremo já anunciou que antecipou para junho a sua saída de funções. A justiça perde um polemista.
A 12 de junho, e por vontade própria, Luís Noronha Nascimento sai da presidência do Supremo Tribunal de Justiça e, por inerência, da liderança do Conselho Superior da Magistratura. Afigura do juiz-conselheiro nunca foi consensual: despertou a admiração de uns, medo de outros, e a indiferença por uns quantos juizes.
Porém, goste-se ou não, Noronha Nascimento não foge a uma polémica. E, quando intervém, seja nos processos ou na qualidade de presidente do Supremo, tem a "caneta afiada". Ainda em janeiro, no discurso da habitual cerimónia de abertura do ano judicial, o presidente do Supremo não deixou de criticar o Governo pelos salários dos "técnicos especialistas", assessores dos ministérios, mas classificados com aquela categoria. "Os partidos tornaram-se máquinas políticas alimentadas a dinheiro. Percebe-se, assim, que assessores ministeriais com vinte e poucos anos de idade ganhem o que fará inveja a juízes de tribunais superiores e muito mais a qualquer juiz de comarca", declarou perante o Presidente da República, Cavaco Silva, e a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz.
Nos processos, ficará para a história judicial a sua troca de despachos com o juiz Carlos Alexandre, a propósito das escutas telefónicas entre Armando Vara e José Sócrates no processo "Face Oculta". A discussão do que estava em causa acabou com o presidente do STJ a chamar a Carlos Alexandre "mero juiz de instrução".
Carlos Rodrigues Lima | Diário de Notícias | 19-05-2013
Comentários (12)
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DIREITO ADMINISTRATIVO
não sabe este jurista que á a CRP que dá a competência aos TAFs para as relações jurídicas dos particulares com a Adm Pública, geralmente reguladas pelo DIREITO ADMINISTRATIVO, dominado pelos juízes administrativos, independentes e especializados nisso mesmo?
...
...
Se os TAF não são tribunais a sério, então não podem julgar o que quer que seja. Devem ser extintos.
Agora, se são tribunais a sério, a argumentação do Sr. Presidente é absurda.
Na verdade, essa argumentação é mesmo ofensiva para os juízes dos TAF.
Já não bastava a quantidade de palpitadores externos que por aí anda a tentar deslegitimar o poder judicial, agora ainda temos de suportar o presidente do STJ a deslegitimar outra ordem de tribunais (constitucionalmente tão legítima como a sua).
Enfim...
ó tretas
a questão é simplesmente jurídica.
trib criminais - tratam de direito criminal
trib cíveis - tratam de direito civil
trib fiscais ...
trib adm - ... direito administrativo.
quanto á ofensa aos juízes adm e fiscais, cuidado com as generalizações ou os preconceitos, que geralmente revelam estupidez ou ignorância. cordeiros e burros há em todo o lado.
...
Pelo que escreve, a questão não é jurídica, é meramente conceitual.
Não é o nome que define a competência; quando muito, é a competência (constitucional e legalmente fixada, como aqui se discute) que condiciona o nome.
Já agora, no processo de expropriação não se discute a propriedade (é pacífico que é de quem é e passa para quem passa). Apenas se discute (nuclearmente) a compensação devida por força de um acto administrativo (a declaração de utilidade pública), sendo o despacho final de adjudicação meramente ratificatório.
Se esta indemnização decorrente de uma actividade materialmente administrativa, prosseguida no interesse público, não pode ser fixada nos TAF, então nenhuma indemnização o pode.
E se o reconhecimento de um direito de natureza pecuniária (como a uma indemnização) não o pode ser, então não o poderá ser o reconhecimento de qualquer outro direito.
...
Tretas
...e nos tribunais de família, em especial nos inventários para separação de meações...
...e nos tribunais de comércio, quando se pede a separação de um bem da massa insolvente...
...e nos tribunais administrativos, na reversão...
moral da história: a propriedade dirime-se onde a lei manda, no tribunal que indica.
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