Quase 40% dos magistrados consideram que perderam independência na última década, apesar de a maioria (51,2%) entender que as condições se mantiveram iguais neste aspecto.
Esta é uma das conclusões de um inquérito feito a 574 juízes e procuradores pelo Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, que apresentou ontem os resultados preliminares do trabalho num seminário em Lisboa intitulado Quem são os nossos magistrados? Caracterização profissional dos juízes e magistrados do Ministério Público em Portugal.
João Paulo Dias, um dos autores do projecto, considera preocupante a percepção sobre a perda de independência e associa-a à degradação das condições de exercício das profissões. "Os magistrados sentem que a insuficiência de meios materiais, humanos e financeiros limita a sua independência", diz o sociólogo.
A investigação aponta para uma maior homogeneidade dos magistrados, com uma prevalência do sexo feminino, uma proveniência dos grandes centros urbanos (Lisboa, Porto e Coimbra) e com o curso de Direito tirado maioritariamente em duas faculdades: a Clássica de Lisboa e Coimbra. Além disso, juízes e procuradores provêm cada vez mais de famílias com habilitações e profissões qualificadas.
Para João Paulo Dias, isto traz um risco cada vez maior de a classe se fechar sobre si mesma e reforçar a sensação de elite. "O fechamento das magistraturas é um risco cada vez maior, que conduzirá a classes menos auto-reflexivas, menos diversificadas e menos questionantes, podendo levar a função de magistrado meramente à aplicação do direito", alerta-se nas conclusões apresentadas no seminário.
Mas nem tudo é negativo. A "feminização das magistraturas", como lhe chama João Paulo Dias – sexo que já representa mais de metade destes profissionais – tem aspectos positivos. "Face aos homens, as mulheres magistradas demonstram uma maior preocupação de cariz social e maior sensibilidade para as consequências sociais, económicas e políticas das suas decisões judiciais", afirma o sociólogo.
Quase 80% da amostra diz que as mulheres sentem as mesmas dificuldades no exercício da profissão que os homens. "Contudo, são as mulheres, em particular as juízas, que consideram em maior número que, por serem mulheres, têm maiores dificuldades no desempenho da profissão", nota-se nas conclusões.
A perda de prestígio nos últimos dez anos é das opiniões mais unânimes entre os magistrados, partilhada por 95% da amostra, mais um por cento dos que acreditam que a remuneração piorou no mesmo período.
Noventa por cento consideram que a magistratura tem sido alvo de "críticas injustas e exageradas" por parte dos cidadãos e 96% apontam o de
do aos jornalistas. "A comunicação social contribuiu para a construção de uma imagem pública negativa da Justiça" é uma afirmação que mereceu o "concordo plenamente" de 55% dos magistrados e o "concordo" de 41%.
Para Conceição Gomes, coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (OPJP) e investigadora do CES, esta é uma das áreas em que falta apostar na formação. "Os magistrados têm que saber trabalhar num contexto de mediatização da Justiça", defende.
A investigadora entende que os tribunais devem dedicar-se principalmente à defesa dos direitos dos cidadãos e à resolução de litígios, em detrimento de acções, como as de cobrança de dívida, que têm entupido as instâncias judiciais. Neste contexto, Conceição Gomes opina que apenas a formação técnico-jurídica não é suficiente. "É preciso dar competência aos magistrados para estes compreenderem a complexidade da realidade social e humana com que são obrigados a lidar", sublinha.
Sim às penas alternativas
No inquérito, os magistrados responderam a questões de orientação política e de valores sociais. Mais de 82% dos juízes identificaram-se com o que os investigadores chamam "centrão", que abarca o centro-esquerda e o centro-direita, uma percentagem que desce para os 79% no caso dos procuradores.
Os magistrados que se assumem de direita rondam os 6% e os de esquerda os 10%, havendo 0,8% que se identificam com a extrema-direita.
A diferença mais significativa entre juízes e procuradores é que a extrema-esquerda não está representada no primeiro grupo, surgindo com 3,4% no segundo.
Relativamente aos valores sociais, destacam-se os 51% que discordam que o aborto se justifica "sempre que a mulher o requeira", havendo 54% que concordam que "a violência juvenil exige da Justiça uma actuação rápida e dura como factor de dissuasão". Surpreendente é que quase um terço dos magistrados defende que a violência doméstica deve perder a natureza de crime público. Já quanto à adopção por casais homossexuais, as posições são muito divididas, com 37% a concordarem e 38% a discordarem. Um quarto não tem opinião.
Esta ausência de posição, que chega a assumir um peso superior a um terço da amostra, tanto em relação a perguntas sobre questões sociais como sobre atitudes profissionais, preocupa João Paulo Dias. O sociólogo diz que "revela um pensamento acrítico ou pelo menos dificuldade em decidir sobre determinadas questões". Isto, realça, em profissionais que todos os dias são chamados a decidir.
Quanto a questões judiciais, a maioria recusa a descida da idade da imputabilidade penal, actualmente nos 16 anos, vê mérito na aplicação de penas alternativas à prisão e acredita que a possibilidade de os procuradores poderem negociar a pena com o acusado melhoraria a Justiça.
Mariana Oliveira | Público | 21-09-2013
Comentários (4)
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Independências
...
Processos grandes, não são julgados em tempo oportuno (Fiscais, Face Oculta), tudo é arquivado e os grandes safam-se impunemente.
Agora os pequenos é julga-los, é não dando dto a recurso, as taxas são altas.
Não tem independência pois não a querem ter.
Preferem refutar-se no seu cantinho.
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