Revisão penal. A vigésima alteração alei coloca magistrados sozinhos a decidir crimes graves em 48 horas e ignora antecedentes criminais do arguido na altura de aplicar medida de coação
A partir de hoje, um violador ou homicida apanhado em flagrante delito terá um julgamento no prazo máximo de quatro meses (120 dias), decidido apenas por um juiz e não três como acontecia até aqui, em que os crimes mais graves eram julgados por um tribunal coletivo. As novas leis penais - que entram hoje em vigor - ditam que todos os crimes, à exceção dos altamente organizados, serão julgados em processo sumário. Sejam as "bagatelas penais" como conduzir sob o efeito de álcool ou os crimes mais graves punidos com pena máxima de 25 anos de prisão.
E é precisamente esta a mudança que está a gerar mais contestação. "Está-se a pedir que um juiz sozinho, muitas vezes inexperiente, decida casos de crimes graves", explica ao DN Cristina Esteves, juíza de instrução, do Movimento Justiça e Democracia (MJD). "Como é que um magistrado em início de carreira pode saber quantos anos dá de prisão, entre os 12 e 25 anos?", lança.
"É precisamente esse aspeto que mais me preocupa", diz Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses (ASJP). "Porque um juiz precisa de algum distanciamento para julgar os crimes de sangue, os mais violentos, mesmo que sejam os de flagrante delito", diz o magistrado judicial, em declarações ao DN. "E o facto de não serem já três juizes mas apenas um, pode resultar em menos garantias para os arguidos", sublinha.
A alteração - que já é a vigésima desde 1987 - é também criticada por alguns advogados contactados. "Não vejo nenhuma vantagem nesta reforma, a não ser um ou outro pormenor", explica Rui Patrício, advogado que defendeu José Penedos no processo "Face Oculta". "A maior desvantagem é a constante alteração das leis, temos um legislador hiperativo, já que faz uma média de quase uma alteração por ano", sublinha o advogado.
João Medeiros, sócio da maior sociedade de advogados, a PLMJ, defende que não vê "vantagem nenhuma nas mudanças. É uma reforma demagógica, para atirar areia para os olhos da opinião púbica, sendo que a valoração como meio de prova das declarações de arguido em fases antenores ao julgamento é um retrocesso civilizacional que vai mudar o paradigma da prática judiciária e da advocacia".
O novo texto da lei prevê que os arguidos escusam de repetir em julgamento o que foi dito na fase de inquérito e instrução à polícia, Ministério Público e juiz de instrução.
O Ministério da Justiça, ao DN, justifica esta alteração explicando que "a quase indisponibilidade de utilização de declarações do arguido legalmente prestadas nas fases anteriores ao julgamento tem conduzido, em muitos casos, a situações geradoras de incompreensão e até de indignação social".
O papel do juiz de instrução também sai reforçado nesta reforma: a partir de agora, um juiz pode alterar a medida de coação proposta pelo Ministério Público, mesmo que seja a mais grave como a prisão preventiva.
"O novo regime das medidas de coação é uma das desvantagens, assim como o uso das declarações do arguido anteriores ao julgamento", concluiu o advogado Rui Patrício.
REAÇÕES
"Única crítica é em relação ao sumário"
"A única crítica que fazemos é em relação ao alargamento do âmbito de processo sumário", explica ao DN Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses (ASJP).
"Principalmente nos chamados crimes de sangue, já que é preciso um determinado distanciamento para julgar alguns atos", diz o magistrado judicial. Porém, Mouraz Lopes considera que esta reforma "vem acabar com alguns obstáculos que interferiam no andamento do processo", explica. "Embora admita que já são demasiadas alterações à lei", concluiu.
"O que ninguém deve fazer é boicotar a lei"
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Rui Cardoso, admite que as alterações podem trazer mais celeridade mas defende que há alterações que deverão ser feitas. "É imprescindível que polícias e Ministério Público se adaptem às alterações. Os juizes, habitualmente avessos a mudanças, deverão aceitá-las e aplicá-las dentro dos princípios gerais", explica. "Aos Conselhos Superiores caberá adequar os quadros de magistrados. Sem isto, estas alterações tomar-se-ão apenas boas intenções." E acrescenta: "O que ninguém deverá fazer é boicotar a lei."
"Confissão será prova rainha no processo"
Segundo o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, "o Governo está a tentar introduzir na investigação criminal os mesmos métodos que tão bons resultados deram na caça às bruxas da idade média". Ou seja, "em breve, a confissão será a prova-rainha do processo penal e tudo valerá para a obter". O advogado faz ainda uma crítica à alteração relativamente às medidas de coação. "A prisão preventiva deixará de ser usada como medida cautelar e passará a sê-lo como forma de obrigar os suspeitos a colaborarem com os investigadores", concluiu o bastonário dos 28 mil advogados.
Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 24-03-2013
Comentários (9)
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Sinto nojo.
Parece-me que isso não traz mais celeridade à Justiça, e aumenta substancialmente a probabilidade de pressão e erro. Num País em que a própria ministra diz haver uma justiça para ricos e outra para pobres... cria este mimo... Apre.
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1. Num Tribunal de Júri há 7 Pessoas: 3 Juízes de carreira e 4 jurados efectivos. Mesmo que os 7 sejam novatos, pelo menos 3 percebem muito de Leis e a decisão depende do consenso de todos.
2. A propósito.... por vezes leio gente indignar-se por Pessoas sem formação em direito comentarem Leis. Não se pode exigir que todos saibam as Leis e aplicar-lhes uma sanção quando não as cumprem, e ao mesmo tempo criticá-las ou negar-lhes o direito de sobre elas emitirem opinião. Por coerência.
Cumprimentos.
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O peso da decisão e o cuidado na apreciação
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"Como é que um magistrado em início de carreira pode saber quantos anos dá de prisão, entre os 12 e 25 anos?", lança.
RESPOSTA: com estudo, como tudo na vida.
Imagine-se há 40 anos! Hoje com as "soluções" dgsi.pt., com tabletes e msn...
QUAL é a IDADE para um juiz decidir uma caso de ROUBO, ou um caso de HOMICIDIO?´
Lamentações...só lamentações.
Se fôr jurista...basta!
Basta que saiba que há um direito penal do facto, que o facto impõe uma correta subsunção, e basta ter "cultura" para descrever a intersecção culpa/prevenção...e até sai oralmente.
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